quarta-feira, 29 de setembro de 2010

REGIONALISMOS:O separatismo paulista

Enganam-se quem pensa que o gaúcho seja o representante do povo brasileiro mais separatista do país. Bairrismo não se confunde com separatismo, e nisso, nem os gaúchos e nem os pernambucanos (assim como os gaúchos, um povo altamente fiel as suas tradições locais) podem ser considerados como brasileiros que querem deixar de ser brasileiros pra ser outra coisa (um novo país, uma nova nacionalidade, uma nova cultura). Na verdade, atribuo aos paulistas o mérito de ser o povo mais separatista da nação e explico isso sem temer as vaias da brava população bandeirante; seja de palmeirenses, santistas, são paulinos ou corintianos.

Pra quem não acredita ou duvida de mim, basta fazer uma pesquisa rápida no google ou ler a matéria do jornalista Fábio Fujita, da revista Piauí, http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao_40/artigo_1220/Kosovo_bandeirante.aspx
para ver que não estou dizendo nenhuma bobagem ou aleivosia direcionada à terra de Oswald e Mário de Andrade, Adoniran Barbosa ou Marío Covas. Existe em São Paulo o tal de MRSP (Movimento República de São Paulo), com página na internet e tudo (somente acessível a quem for convidado), que prega, entre outras coisas, a separação de São Paulo do resto do Brasil. O movimento, localizado na Vila Esperança, Zona Leste de São Paulo-capital, reune-se mensalmente com a proposta de virar partido político e de ter representantes que efetivamente despreguem São Paulo do restante da nação. Alegam seus militantes que a "locomotiva histórica" da nação que é São Paulo já descarrilhou do trem do atraso nacional e deve tomar rumos próprios, devido ao descaso que diversos governos federais tiveram com o estado e com a metrópole paulista.  Assim como os militantes nazi-fascistas culpavam os judeus pelo desemprego e pela crise econômica, para os separatistas o problema são os nordestinos, que ao fazer a vida na cidade grande, deixaram a ver navios os verdadeiros paulistas, nascidos de berço, ocupando os empregos  que os paulistas teriam o direito inato de ocupar e  prosperar, na sua própria terra. Em sua luta regional, não são apenas os nordestinos o alvo, mas também os mineiros; pois, diga-se de passagem: foram eles que surrupiaram uma iguaria culinária tipicamente paulista e que foi usurpada por Minas Gerais como prato local: a feijoada é paulista!! Reclamam ainda da carga tributária injusta que é reservada ao estado pela federação, e da insuficência da representação parlamentar no Congresso Nacional, já que pelo seu tamanho, o estado de São Paulo deveria ter muitos mais parlamentares (e não os 55 que lhe outorga a Constituição). Afirmam que o crescente processo de injustiças por que sofre o estado e sua capital apenas prejudicam o crescimento e a pujança econômica de uma região que nasceu para brilhar e conquistar a meca do capitalismo latino-americano.Afinal! São Paulo não pode parar!!

É bem verdade que essa lógica provinciana de defender o local não é atributo apenas de São Paulo e já atingiu diversas regiões no país no decorrer de sua história. Quem nunca abriu os livros para se recordar de revoltas contra o poder central como a Cabanagem no Pará, a Balaiada no Maranhão ou a Sabinada na Bahia, ou ainda a Confederação do Equador, em Pernambuco, todas constituídas de revoltas de cunho separatista contra um poder central, e que pregavam o desligamento total de uma região e sua independência enquanto Estado-nação? A Guerra dos Farrapos, liderada por Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, demorou uma década, e foi resolvida na base de um armistício, onde latifundiários foram agraciados com o perdão de dívidas, enquanto negros escravos serviam de bucha de canhão nas batalhas como lanceiros, revelando que as comemorações que se fazem até hoje, no sul, na semana farroupilha, apenas servem pra turista comer  churrasco e conhecer melhor a cultura gaúcha, do que comemorar efetivamente um fato cívico, já que a revolta daquela época foi gerada por elites fundiárias que perdiam lucros e privilégios junto à Coroa.

Já outros movimentos, dentre eles, o desencadeado em São Paulo no período republicano, que derrubou os interesses das oligarquias paulistas, com a ascensão ao poder de Getúlio Vargas, já recorreu a uma maior mobilização popular, de um povo sujeito a discursos políticos de identidade regional ,que quase equivalem a um nacionalismo.Durante décadas, políticos carismáticos tentaram resgatar certos "valores paulistas" como à dedicação ao trabalho, o mito da ascensão social e acumulação de riquezas, extraídos plenamente da ideologia liberal-burguesa, como uma forma de "educar" o eleitorado paulista aos ditames de um "modo paulista de ver" a realidade nacional. Nesse sentido, a figura do político que "rouba, mas faz", herdada da década de 50 do governo de Ademar de Barros e recepcionada nos anos oitenta e noventa por Paulo Maluf, fez com que o paulista visse a imagem do governante como a do gestor, do bom administrador, que mesmo "metendo a mão na cumbuca" de vez em quando, realiza grandes obras. Eu já disse aqui  no ano passado, num dos artigos deste blog, que, a meu ver, analisando a cena política em São Paulo, eu digo que por ser a referência do capitalismo nacional, a política é vista como uma extensão da fábrica no cenário eleitoral paulista, e por isso, o eleitor tende a votar em partidos e políticos que vendam a ideia da austeridade, da racionalidade weberiana da empreitada capitalista,  presa à figura do bom gerente; pois a prefeitura, assim como o governo do Estado, seriam "empresas públicas"( a exemplo do empreendimento privado), que necessitariam de figuras virtuosas, bons pais de família (como a figura carola de Alcmin procura encarnar) e efetivos gestores que conduzissem o Estado rumo ao lucro, à prosperidade, ao desenvolvimento.

É nesse momento que o discurso separatista dos gatos pingados do MRSP soma-se ao discurso do bom gestor, quando percebemos que, nessa eleição para a presidência e governos dos estados, partidos como o PSDB procuram vender a imagem do bom administrador, ressaltando os feitos de Serra na condução do governo de São Paulo, a fim de arrecadar tímidos votos, difíceis no momento em que se avizinha uma derrota retumbante para a oposição, e a vitória da candidata de um presidente vitorioso, que, "nunca antes na história desse país", tinha conseguido fazer uma sucessora com tanta facildade, diante do alto de seus 80% de popularidade. Para os eleitores paulistas serristas, a vitória de Serra é também a vitória de São Paulo, a vitória de um candidato que é a cara e a alma do paulista, pois, além de nascido na região, ainda percorreu todo o trâmite do mito ideologizado do self made man do pensamento liberal-capitalista: foi o cara que "saiu de baixo", de origem humilde, que sofregamente com seu esforço e dedicação próprios conseguiu chegar até a universidade (coisa que Lula não fez), tornou-se um doutor e depois da passagem por um ministério, e pela prefeitura e governo paulistas, agora estaria talhado para ser o governante do país. "Serra governou bem São Paulo e agora governará o Brasil", poderão dizer seus acólitos bandeirantes. Para uns, é inadmissível que um candidato que represente tão bem São Paulo seja derrotado por uma candidata mineira, que fez carreira no Rio Grande do Sul e é patrocinada por um presidente nordestino. Creio que para os separatistas, a derrota de Serra na eleição para presidente deverá ser a derrota paulista, dentre muitas e muitas intempéries e injustiças que vem sofrendo o povo paulista graças ao impiedoso Leviatã da União Federal. Seria mais um caso de injustiça com os paulistas, de tantos outros que servem apenas para justificar o sentimento paulistocêntrico de querer deixar de estar no Brasil. Parece delírio, mas é só utopia, mas uma utopia perigosa! Como disse uma militante do movimento separatista: "diga qual paulista ou paulistanto nunca pensou na ideia de São Paulo separado do Brasil?".

O paulistocentrismo na verdade é um vírus ideológico, uma bactéria mutante que surgiu do aproveitamento demagógico dos aspectos mais alienados de uma cultura local em formação. Como poderia dizer finado Paulo Francis: "São Paulo é uma província com elefantíase". É apenas no provincianismo barato que podemos encontrar as razões de um falso regionalismo que busca, pelo bairrismo e pelo preconceito, alienar todo um povo local dos reais problemas que assolam uma população. Assim como Nova York ou os Estados Unidos inteiro, São Paulo (seja mais na capital e também em seu interior) é uma das regiões mais miscigenadas do planeta, onde pode se encontrar de tudo, de todas as raças, regiões do país, etnias e nacionalidasdes. São Paulo é ao mesmo tempo de brasileiros, brancos, negros, indígenas, judeus, católicos, muçulmanos, nordestinos, orientais, italianos, árabes, portugueses, imigrantes argentinos, bolivianos, peruanos e latino-americanos, numa multiplicidade de convivências que gera várias cidades dentro de uma só. São Paulo é também uma cidade de guetos, tribos, turmas, clãs, comunidades, mas também é formada por uma miríade de supostos diferentes que apenas se identificam como pessoas ecléticas, sem se identificar como paulistas ou brasileiros, mas apenas "cidadãos do mundo". É impossível estar em São Paulo sem desfrutar de sua cultura, encantar-se com seu pluralismo, dialogar com suas várias multiplicidades e fazer parte dela de alguma forma. A globalização, ao invés de fazer mal, fez muito bem a São Paulo; mas isso, para aqueles que se fecharam  provincianamente a esse processo, é apenas um fator de medo e insegurança, e não uma benção, para um povo que efetivamente vive o desenvolvimento.

Acredito, naturalmente, que o separatismo não é um sentimento que engloba todo o simpático povo paulista e acomete só uma minoria, apesar de não deixar de ser curioso que, a exemplo da comunidade conservadora wasp nos EUA, aqui também temos uma parcela da população branca, quatrocentona, de família tradional, nascida e criada num determinado lugar, que invoca o exemplo dos antepassados para resgatar algum tipo de pertencimento a uma região ou etnia. Isso é antropologicamente previsível. Apenas o que questiono é como um estado da federação, num momento eleitoral onde a polarização entre governo e oposição nunca foi tão alta, pode possuir parte de um eleitorado que estabelece um discurso às beiras do separatismo. É como se ser pró-Serra, no interesse da oposição, seria votar por São Paulo, enquanto que os votos pró-Dilma significariam a renúncia do ideal paulista em prol da União. Nessa "Guerra da Secessão" tupiniquim entre os paulistas confederados e os paulistas da União, eu diria que quem perde é o cidadão brasileiro, num momento em que uma disputa nacional se resume a uma briga de uma região com um país inteiro. Temo que o "oba-oba" eleitoral provocado por  alguns assessores do PSDB comece a pregar o fantasma golpista da Revolta de 32, e logo vejamos paulistas pegando em armas para defender a identidade local.Se alguns paulistas já manifestam preconceito contra nordestinos ou com o fato de um torneiro mecânico ter chegado à presidência, o que dizer quando um dos maiores expoentes políticos do estado é humilhado nas urnas por uma mulher que já foi terrorista, uma inimiga do capitalismo?

Contra meus argumentos acerca do paulistocentrismo, alguns podem dizer que meu antipaulistismo vem de berço, já que meu avô materno lutou na Revolução Constitucionalista de 32, e muito a contragosto foi um nordestino que teve que dar uns tiros nuns "uaii" , "porrrta e porrrteira" , "ôrra, meu" e "manos" da vida. Outros que me conhecem, podem alegar que minha crítica ao separatismo paulista vem de meus traumas quando vivi na capital paulista, já que ao morar por três anos em Sampa, decidi posteriormente sair da cidade por não aguentar seu excesso de urbanização. Mas não é o caso! Respeito e admiro São Paulo pelo fato daquela região do Brasil ser tão brasileira, porque é impossível deixar de pensar no Brasil quando se está em São Paulo. Para meus olhos que já conheceram quase todo o país, a imagem de São Paulo pela visão da Avenida Paulista  me faz refletir o Brasil, assim como a imagem do Rio provoca a mesma coisa, do Rio Grande do Sul,  onde recentemtente vivi, do Distrito Federal, lugar de minha adolescência, ou do Nordeste, onde passei tantos anos. Para mim, assim como São Paulo em sua singularidade é multifacetada, também o Brasil assim o é, com suas várias regiões, sotaques e culturas. Portanto, não me peça para ser separatista assim como não me pedes pra renegar ser brasileiro. Gostar de São Paulo é gostar do Brasil e vice-versa. Por isso, meu recado aos eleitores chatos, preconceituosos, racistas e eleitores de Maluf, do PSDB, e defensores do separatismo paulista: procurem a Albânia ou ex-Iugoslávia, talvez em Kosovo vocês consigam ser felizes separatistas!!

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

ELEIÇÕES:Artistas e política: A Tonga da Milonga do Kabuletê

Na campanha para presidente de 2002, na disputa entre Lula e Serra, a veterana atriz Regina Duarte, outrora uma "ex-namoradinha do Brasil", impressionou o país pagando o mico histórico de detonar a campanha do candidato rival (no caso, o vitorioso Lula), propagando no horário eleitoral da TV a difusão de uma campanha do medo, nefasta e antiética, dizendo na televisão que tinha medo do que seria do Brasil com a eleição de Lula. Oito anos depois, parece que o presságio nefasto previsto pela atriz global não se concretizou; ou, ao contrário, ocorreu o inversamente previsto, com o êxito do mandato presidencial do candidato do PT, no auge dos seus mais de 80% de popularidade no fim do segundo mandato, e o país irreversivelmente colocado numa onda de prosperidade, autoestima e otimismo, que "nunca antes na história desse país" se tinha visto.

Agora, em 2010, mais uma vez, como faz parte da democracia, artistas de diferentes matizes e colorações ideológicas aparecem no horário eleitoral gratuito ou nas inserções televisivas, pedindo voto, de forma justa e legítima para seus candidatos, ou eles mesmo sendo candidatos. Veja-se o caso do palhaço Tiririca, execrado por parte da opinião pública e por um bom segmento da classe política, ao aparecer caracterizado na sua propaganda na TV e se tornando conhecido pelo questionável jargão :"pior do que está não fica". Polêmicas a parte, o fato é que não é de agora que nas eleições brasileiras, artistas de renome, com elevado prestígio social e uma imensa corrente de fãs, aparecem para pedir votos para seus candidatos ou se apresentam como uma alternativa real no cenário eleitoral, largando os palcos ou mudando de cenário, para um outro palco que não é o de um show, ou de um estúdio de TV. E como disse, isso é justo. Trata-se de um direito democrático e de uma opção que tem e deve ser respeitada. Apenas teço algumas considerações sobre esse curioso fenômeno político-social, e faço aqui alguns comentários, que podem ser compartilhados com os leitores deste blog.

Em primeiro lugar, na eleição de Collor em 1989, derrotando um então politicamente imaturo Lula, vimos uma das campanhas mais esperadas e mais apaixonantes no início do processo de redemocratização do país, e que muito marcou minha juventude, não apenas pela minha participação militante na campanha (e a participação de milhares de brasileiros), mas também pelo séquito de artistas e intelectuais que acompanharam o pleito eleitoral. Lembro-me da acirrada polarização entre bem e mau, entre esquerda e direita, entre o "sapo barbudo" e o "caçador de marajás" das Alagoas, e de como algumas celebridades do meio artístico se posicionaram. Jamais eu poderia me esquecer da adesão de verdadeiros ícones da música brasileira, como Chico Buarque, Djavan, Gilberto Gil, Luiz Melodia, Beth Carvalho, e tantos outros na campanha de Lula, assim como de músicos sertanejos e atores e atrizes de talento questionável, como Alexandre Frota e sua então mulher, Claudia Raia, na campanha de Collor. Na época dos ânimos politicamente acirrados e do patrulhamento ideológico, vi que alguns personagens do meio artístico foram absurdamente colocados na marginalidade por seus próprios pares de profissão,  por conta de sua predileção eleitoral. Já na eleição de 2002, achei correta e respeitável a atitude da atriz Marília Pêra, defendendo sua amiga e colega de profissão, Regina Duarte, devido às vaias da opinião pública, favorável a Lula, por conta da desastrosa participação da atriz na campanha eleitoral. Ora, artista pode errar feio na escolha de seus políticos, mas ainda tem o direito de escolha, e não se pode, de forma alguma, repudiá-lo por conta disso!!

Ocorre é que vi, ao menos na categoria dos músicos, fatos interessantes. Enquanto que na campanha de 89 a polarização poderia se encontrar situada entre os reais e portentosos artistas, representantes da MPB, com seu passado de luta histórica de esquerda e perseguição na ditadura, apoiando a campanha de Lula; por outro lado, o artista-eleitor do candidato do estabilishment, desse outro Brasil real capitalista, de mentalidade neoliberal e ansioso por ascensão social, defendia as candidaturas de Collor, e posteriormente FHC. Ocorre que, logo após Chitãozinho e Xororó dizerem que estavam na campanha de Fernando Henrique em 1994 e 1998 por adesão espontânea as ideias do candidato tucano e não por grana; na campanha de 2002 foi a vez de Lula receber o maciço apoio do meio artistíco situado na música sertaneja, através de seus dois principais ícones: Zezé de Camargo e Luciano. Lembro-me de ter assistido um comício de Lula naquele ano, no Campo de Marte, em São Paulo, e ter assistido entusiasmado a um show dessa dupla sertaneja em homenagem ao seu candidato, em fotos que possuo até hoje. Eu, do alto de meus francos conhecimentos e predileções pelo rock, jazz, MPB e música erudita, estava ali curtindo dois artistas de origem humilde e cantando canções de amor de apelo fácil e letras risíveis, apenas porque aqueles caras estavam apoiando o candidato que eu gostava. É uma das maravilhas da democracia: gostar daquilo que não se suporta ouvir, só porque os caras que cantam são bacanas e compartilham dos teus compromissos ideológicos.

Esse ano, na campanha presidencial atual, percebo que a participação dos artistas em comícios e na televisão (até por conta da legislação eleitoral) encontra-se rarefeita e poucos são os que participam efetivamente e declaram seu apoio de público a esse ou aquele candidato. Com exceção de Marina Silva na propaganda eleitoral, apresentando artistas como Lenine ( que gosto muito) ou do cineasta premiado Fernando Meirelles, são poucos os que se apresentam dedicados, declarando empolgadamente seu apoio a um candidato numa eleição presidencial. Ainda é válido ver as declarações do rapper Mano Brown, do grupo Racionais MC, cujo video do youtube está disponível aqui neste blog, eleitor declarado de Dilma Roussef e fã de Lula, que expõe suas razões de porque não apoia Serra e de como ele vê o contexto político-eleitoral no país. No tocante a opção de alguns hoje por Marina, tais como Caetano Veloso, entendo que a predileção pela candidata verde tem muito haver com a visão que o artista tem da política, um pouco romanceada e até dotada de uma certa poética, talvez por possuírem certos candidatos um encanto arquétipo que seduz determinados artistas a se engajarem na política.

Dos artistas candidatos nesta última eleição, de longe o que assombra as mentes mais escolarizadas e está se configurando como o "Macaco Tião" do pleito eleitoral atual é o palhaço Tiririca. Encarnando, por uma veia oportunista, o chamado voto de protesto, Tiririca corre o risco de ser eleito o deputado federal mais votado do estado de São Paulo, assim como foi outrora o ex-apresentador e estilista Clodovil, e o ex-candidato à presidência Eneás Carneiro (ambos falecidos, mas, ao menos, o Eneás tinha uma plataforma política bem estabelecida). Isso demonstra um pouco o quanto,para muitos eleitores em sua alienação ideológica, a política se torna um desdobramento da televisão, um novo palco para o espetáculo, e no caso de Tiririca, de um show de humor de gosto duvidoso. Outras figuras da música ou da teledramaturgia já tentaram cavar seu espaço em mandatos políticos, como o finado Carlos Imperial, como vereador no Rio de Janeiro, ou Gilberto Gil como vereador em Salvador e Ministro da Cultura, mas das nuances que podemos encontrar em todos esses artistas-candidatos é que, sempre de certa forma, podemos ver uma certa estética, que pode ou não ser de boa qualidade.

Parodiando o filósofo Kierkgaard, eu diria que o arista vê a política muito mais numa dimensão estética, do que numa dimensão ética, como vêem os intelectuais, pois para ele o político representa muito mais o universo platônico do mal ou do bom, do que aquele perfeitamente razoável ou possível. Marina com seu semblante zen, e passado de militância histórica pelo meio ambiente, além da biografia admirável, seduz aqueles que consideram em termos imagéticos a candidada do PV como a representante "do bem", e com ela seguem acreditando piamente num novo mundo possível, moderno e globalizado, não mais nas tintas do velho marxismo ou do esquerdismo histórico, tão sedutor, outrora, aos artistas que militavam contra a ditadura e que vivenciaram as passeatas e movimentos civis de 68. O neotropicalismo embalado na candidatura de Marina anima os "bicho-grilos" e faz com que eles defendam a candidata como algo cool e perfeitamente adequável a um partido que promove uma renovação de costumes, valores e posturas em relação à sociedade e o meio ambiente, mesmo que, contraditoriamente, a candidata seja integrante de uma igreja ultraconservadora e que não compactua de forma alguma com as bandeiras defendidas pela agremiação a que ela pertence, tais como o casamento gay ou a legalização das drogas.

Ainda tenho saudade dos tempos em que a cantora Fafá de Belém cantava em lágrimas o hino nacional nas campanhas das Diretas Já, em 1984 e no funeral do recém-empossado presidente Tancredo Neves, numa época em que o mundo era diferente, bipolarizado, e quem fosse artista ou intelectual só podia se agrupar em ou outro grupo, sem tergiversações, ou de esquerda ou de direita. Se hoje, diferentemente do que previa Bobbio, ou conforme o pensamento de Antony Giddens, vivemos uma era em que, ser de um lado ou de outro no espectro político, já não significa grande coisa, acredito que a participação de artistas, nos grandes momentos políticos de uma nação, ainda seja interessante no sentido de uma formação de opinião, mas não fundamental nos rumos de uma democracia. Artistas trabalham com o espetáculo, mas não podemos fazer espetáculo da política e sim analisá-la friamente em seus aspectos éticos e com a hombridade necessária, pra quem vai depositar, com um mínimo de consciência, o seu voto. Pelo menos é assim que penso antes de votar num Netinho de Paula para Senador ou em Agnaldo Timóteo para deputado, ou para garantir uma vaga na Câmara a um finado Clodovil, ou promover a ascensão política de Romário ou do Tiririca. Bons artistas podem ser bons ou maus políticos, e tudo isso depende não do talento na interpretação ou da bela voz, mas sim do talento que devermos ter na hora de dar o nosso voto, pra não sermos taxados de otários. Portanto, usando o velho e batido jargão: NESSA ELEIÇÃO, VOTE BEM, MEU BEM!!

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

RELIGIOSIDADE: Intolerância religiosa, gente chata e outras bobagens que se fala em nome de Deus.

Com a decisão da comunidade muçulmana de Nova York de instalar uma mesquista nas proximidades do Marco Zero, onde outrora se situavam as Torres Gêmeas do World Trade Center, derrubadas nos atentados terroristas de 11 de setembro, há nove anos atrás, e cujo aniversário acontece daqui há alguns dias, o pastor evangélico Terry Jones teve como ideia uma singular forma de protesto: sinalizou por meio da internet uma campanha anti-islã em que prometeu queimar um exemplar do Alcorão, livro sagrado dos muçulmanos, no próximo final de semana, sob o olhar perplexo de milhões de pessoas em todo o mundo. Jones alegara que seria uma afronta ao povo norte-americano e aos familiares das milhares de vítimas do atentado terrorista, deixar que fosse instalado perto do local da tragédia um templo religioso da mesma crença dos assassinos terroristas que aterrorizam o mundo no 11 de setembro. Mediante um suposto acordo com o imã da comunidade local, Jones abdicou (ao menos temporariamente) de seu bizarro plano, deixando de tacar fogo no livro sagrado do profeta Maomé. O presidente Barack Obama antecipou-se no episódio, antes de outros líderes, condenando a atitude intolerante e desrespeitosa do pastor com a religião alheia, considerando que gestos como esse apenas incentivam a intolerância religiosa, o fanatismo, o fundamentalismo e acirramento de ânimos entre culturas, além de servir de fomento para o recrutamento da Al Quaeda, já que radicalismo se responde com radicalismo. Será que é dessa forma que os diferentes podem conviver entre si? Será que Deus tolera a diferença?

Inicialmente, somos todos iguais, como também somos diferentes, , e no cristianismo, nas escolas dominicais e cursos de catecismo, aprendemos que o chamado “Corpo de Cristo” ( a comunidade da igreja) é uno e ao mesmo tempo, múltiplo. Nessa dialética que congrega diferentes seres é que aprendemos a ser tolerantes, a respeitar o outro, mesmo não compartilhando das idéias dele, mas parece que, no caso do fundamentalismo, mais e mais intolerância pode e está sendo gerada.



Já pude acompanhar, participando de comunidades religiosas, diversos atos de intolerância em condutas absolutamente desrespeitosas e agressivas contra a fé alheia, ou com a simples opção do outro de não expressar os mesmos sentimentos religiosos. Tenho amigos de diversas crenças e opções religiosas, de católicos a umbandistas, e nunca tive problema algum em conviver com ateus, agnósticos, espíritas, ocultistas, ou qualquer um que, a exemplo das Testemunhas de Jeová ou dos Adventistas, proíbe a transfusão de sangue ou é contrário ao trabalho nos sábados. Posso achar a crença de alguns esquisita, mas como, segundo o dito popular: futebol, religião e política não se discute, acredito que ao menos discutir sobre o respeito e a tolerância religiosa é de bom tom, se quisermos um dia nos salvar de uma pós-modernidade tão desintegradora de uniões, conciliações e fraternidades.


Por falar em pós-modernidade, para o fundamentalismo religioso, o tempo em que vivemos é tão assustador e maléfico que falar em evolução histórica, renovação ou reformulação de conceitos, liberalização de costumes ou temais mais complexos e delicados, como aborto, eutanásia e casamento gay, parecem absolutamente fora de discussão, como se espiões a serviço de Satanás estivessem à espreita, com suas ideias perigosas contaminando as mentes mais débeis e puras. É como se, em nome da crença, fôssemos proibidos de pensar. E pensar, como uma dádiva divina, seja um expediente apenas dos mais eruditos, dos iluminados, detentores da verdade profética e da chama sagrada, que sabem como ninguém conduzir o seu rebanho.


E por falar em rebanho, divulgo aqui no meu blog, dentre os blogs amigos,  o blog pertencente à jornalista e militante religiosa  Marília de Camargo César, autora do livro Feridos em nome de Deus, da editora Mundo Cristão. Uma excelente obra de pesquisa acadêmica e jornalística, em que a autora nos brinda com um novo conceito, bem adequado a casos de intolerância revelados pelo pastor norte-americano Terry Jones, e que encontramos em muitas igrejas e denominações religiosas no Brasil: o chamado “assédio espiritual”.


Por assédio espiritual podemos entender a forma esdrúxula, e porque não dizer desonesta, que algumas pessoas se valem para se aproveitar da fragilidade emocional de certas pessoas, submetendo-as a uma aflição moral e psicológica através do emprego do discurso religioso. Noções como culpa, arrependimento e redenção são utilizadas por estas pessoas (em boa parte pastores e líderes evangélicos) para atormentar os integrantes de suas comunidades, num verdadeiro policiamento espiritual, a fim de que essas pessoas se dediquem integralmente as “coisas de Deus” e reneguem completamente as pérfidas e pecaminosas “coisas do mundo”. Será que esse discurso é obra realmente de um ente divino, ou criação imaginária de sujeitos aproveitadores e oportunistas, que se valem da pregação como uma forma de dominação social? Ou será ainda que a rigidez de certos discursos moralistas de cunho religioso não serve apenas para demonstrar o nível de desacerto e patologia de mentes inquietas e perturbadas?



Detesto as atitudes de pessoas que se valem de um discurso moralista-cristão, para esconder suas próprias dificuldades e debilidades emocionais e psicológicas. Conheço um determinado rapaz, outrora brilhante intelectualmente, com sérios problemas afetivos e familiares, e dotado de uma imaturidade típica de quem ficou sujeito por vários anos a um estado de alienação mental por conta de uma formação altamente conservadora, que, ao integrar uma comitiva de estudantes, numa viagem para participar de um congresso acadêmico, simplesmente não aceitava o fato de que um casal de namorados pertencente a nossa excursão, pudesse dormir na hospedagem do evento num quarto de casal, separados dos outros, posto que eles ainda não eram formalmente casados. Quanta bobagem, quanta babaquice, quanta intolerância e alienação!



Como que vivendo decididamente numa bolha de plástico, alguns crentes efetivamente adotam uma postura de largar a vida, de cair num ascetismo desvairado, o que por si só é opção individual de cada um, e não reclamo; mas o que me faz refletir é quando esse estilo de vida passa a ser obrigatório para todos os outros que não compartilham esse modo de ver a vida.Fico me perguntando, assim como se pergunta o pastor presbiteriano, professor da Universidade Mackenzie e teólogo Ricardo Quadros Gouvea, em seu Manifesto Antifundamentalismo, até que ponto milhares de crentes de diversas igrejas lotam os consultórios de médicos e psicólogos com toda sorte de distúrbios associados a uma fé distorcida e mal canalizada. São esses os chatos e fundamentalistas, que por trás do coro moral do arrependimento, carregam consigo as chagas da desunião, da desordem afetiva e da falta de amor. Fico pensando na leitura de Rubem Alves acerca do cântico dos urubus, querendo silenciar o canto dos demais pássaros na floresta, como se o seu canto fosse o único bonito aos ouvidos de Deus. Concordo com Gouvea quando ele diz que o fundamentalismo só leva a mais intolerância, à guerra e destruição. Alguns sabidos neoconservadores tentam voltar à etimologia das palavras, querendo nos fazer crer que a palavra “fundamentalista” é mal interpretada, e que somente desatenciosos ou quem nunca estudou teologia pode acreditar que o fundamentalismo religioso seja apenas uma invenção das mentes dos “homens de pouca fé” da teologia liberal. Não fico nem com liberais, nem com fundamentalistas, pois prefiro a “turma de Deus”, que pode e deve ser encontrada não em alguma igreja, mas em qualquer canto, em qualquer lugar, como deve ser todo aquele que é uno, e ao mesmo tempo plural, num mesmo Corpo de Cristo. Queira Deus que eu não esteja errado, mas que também não seja eu a apontar o certo, pois o certo está em que verdadeiramente acredita, e abre seu peito a Deus não só de mente, mas de coração, a ponto de se preencher de tanto amor, que se torna incapaz de agredir alguém, ignorar ou não tolerar o credo de quem quer seja. Aprende isso, Terry Jones!!

Gates e Jobs

Gates e Jobs
Os dois top guns da informática num papo para o cafézinho

GAZA

GAZA
Até quando teremos que ver isso?