quarta-feira, 29 de setembro de 2010

REGIONALISMOS:O separatismo paulista

Enganam-se quem pensa que o gaúcho seja o representante do povo brasileiro mais separatista do país. Bairrismo não se confunde com separatismo, e nisso, nem os gaúchos e nem os pernambucanos (assim como os gaúchos, um povo altamente fiel as suas tradições locais) podem ser considerados como brasileiros que querem deixar de ser brasileiros pra ser outra coisa (um novo país, uma nova nacionalidade, uma nova cultura). Na verdade, atribuo aos paulistas o mérito de ser o povo mais separatista da nação e explico isso sem temer as vaias da brava população bandeirante; seja de palmeirenses, santistas, são paulinos ou corintianos.

Pra quem não acredita ou duvida de mim, basta fazer uma pesquisa rápida no google ou ler a matéria do jornalista Fábio Fujita, da revista Piauí, http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao_40/artigo_1220/Kosovo_bandeirante.aspx
para ver que não estou dizendo nenhuma bobagem ou aleivosia direcionada à terra de Oswald e Mário de Andrade, Adoniran Barbosa ou Marío Covas. Existe em São Paulo o tal de MRSP (Movimento República de São Paulo), com página na internet e tudo (somente acessível a quem for convidado), que prega, entre outras coisas, a separação de São Paulo do resto do Brasil. O movimento, localizado na Vila Esperança, Zona Leste de São Paulo-capital, reune-se mensalmente com a proposta de virar partido político e de ter representantes que efetivamente despreguem São Paulo do restante da nação. Alegam seus militantes que a "locomotiva histórica" da nação que é São Paulo já descarrilhou do trem do atraso nacional e deve tomar rumos próprios, devido ao descaso que diversos governos federais tiveram com o estado e com a metrópole paulista.  Assim como os militantes nazi-fascistas culpavam os judeus pelo desemprego e pela crise econômica, para os separatistas o problema são os nordestinos, que ao fazer a vida na cidade grande, deixaram a ver navios os verdadeiros paulistas, nascidos de berço, ocupando os empregos  que os paulistas teriam o direito inato de ocupar e  prosperar, na sua própria terra. Em sua luta regional, não são apenas os nordestinos o alvo, mas também os mineiros; pois, diga-se de passagem: foram eles que surrupiaram uma iguaria culinária tipicamente paulista e que foi usurpada por Minas Gerais como prato local: a feijoada é paulista!! Reclamam ainda da carga tributária injusta que é reservada ao estado pela federação, e da insuficência da representação parlamentar no Congresso Nacional, já que pelo seu tamanho, o estado de São Paulo deveria ter muitos mais parlamentares (e não os 55 que lhe outorga a Constituição). Afirmam que o crescente processo de injustiças por que sofre o estado e sua capital apenas prejudicam o crescimento e a pujança econômica de uma região que nasceu para brilhar e conquistar a meca do capitalismo latino-americano.Afinal! São Paulo não pode parar!!

É bem verdade que essa lógica provinciana de defender o local não é atributo apenas de São Paulo e já atingiu diversas regiões no país no decorrer de sua história. Quem nunca abriu os livros para se recordar de revoltas contra o poder central como a Cabanagem no Pará, a Balaiada no Maranhão ou a Sabinada na Bahia, ou ainda a Confederação do Equador, em Pernambuco, todas constituídas de revoltas de cunho separatista contra um poder central, e que pregavam o desligamento total de uma região e sua independência enquanto Estado-nação? A Guerra dos Farrapos, liderada por Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, demorou uma década, e foi resolvida na base de um armistício, onde latifundiários foram agraciados com o perdão de dívidas, enquanto negros escravos serviam de bucha de canhão nas batalhas como lanceiros, revelando que as comemorações que se fazem até hoje, no sul, na semana farroupilha, apenas servem pra turista comer  churrasco e conhecer melhor a cultura gaúcha, do que comemorar efetivamente um fato cívico, já que a revolta daquela época foi gerada por elites fundiárias que perdiam lucros e privilégios junto à Coroa.

Já outros movimentos, dentre eles, o desencadeado em São Paulo no período republicano, que derrubou os interesses das oligarquias paulistas, com a ascensão ao poder de Getúlio Vargas, já recorreu a uma maior mobilização popular, de um povo sujeito a discursos políticos de identidade regional ,que quase equivalem a um nacionalismo.Durante décadas, políticos carismáticos tentaram resgatar certos "valores paulistas" como à dedicação ao trabalho, o mito da ascensão social e acumulação de riquezas, extraídos plenamente da ideologia liberal-burguesa, como uma forma de "educar" o eleitorado paulista aos ditames de um "modo paulista de ver" a realidade nacional. Nesse sentido, a figura do político que "rouba, mas faz", herdada da década de 50 do governo de Ademar de Barros e recepcionada nos anos oitenta e noventa por Paulo Maluf, fez com que o paulista visse a imagem do governante como a do gestor, do bom administrador, que mesmo "metendo a mão na cumbuca" de vez em quando, realiza grandes obras. Eu já disse aqui  no ano passado, num dos artigos deste blog, que, a meu ver, analisando a cena política em São Paulo, eu digo que por ser a referência do capitalismo nacional, a política é vista como uma extensão da fábrica no cenário eleitoral paulista, e por isso, o eleitor tende a votar em partidos e políticos que vendam a ideia da austeridade, da racionalidade weberiana da empreitada capitalista,  presa à figura do bom gerente; pois a prefeitura, assim como o governo do Estado, seriam "empresas públicas"( a exemplo do empreendimento privado), que necessitariam de figuras virtuosas, bons pais de família (como a figura carola de Alcmin procura encarnar) e efetivos gestores que conduzissem o Estado rumo ao lucro, à prosperidade, ao desenvolvimento.

É nesse momento que o discurso separatista dos gatos pingados do MRSP soma-se ao discurso do bom gestor, quando percebemos que, nessa eleição para a presidência e governos dos estados, partidos como o PSDB procuram vender a imagem do bom administrador, ressaltando os feitos de Serra na condução do governo de São Paulo, a fim de arrecadar tímidos votos, difíceis no momento em que se avizinha uma derrota retumbante para a oposição, e a vitória da candidata de um presidente vitorioso, que, "nunca antes na história desse país", tinha conseguido fazer uma sucessora com tanta facildade, diante do alto de seus 80% de popularidade. Para os eleitores paulistas serristas, a vitória de Serra é também a vitória de São Paulo, a vitória de um candidato que é a cara e a alma do paulista, pois, além de nascido na região, ainda percorreu todo o trâmite do mito ideologizado do self made man do pensamento liberal-capitalista: foi o cara que "saiu de baixo", de origem humilde, que sofregamente com seu esforço e dedicação próprios conseguiu chegar até a universidade (coisa que Lula não fez), tornou-se um doutor e depois da passagem por um ministério, e pela prefeitura e governo paulistas, agora estaria talhado para ser o governante do país. "Serra governou bem São Paulo e agora governará o Brasil", poderão dizer seus acólitos bandeirantes. Para uns, é inadmissível que um candidato que represente tão bem São Paulo seja derrotado por uma candidata mineira, que fez carreira no Rio Grande do Sul e é patrocinada por um presidente nordestino. Creio que para os separatistas, a derrota de Serra na eleição para presidente deverá ser a derrota paulista, dentre muitas e muitas intempéries e injustiças que vem sofrendo o povo paulista graças ao impiedoso Leviatã da União Federal. Seria mais um caso de injustiça com os paulistas, de tantos outros que servem apenas para justificar o sentimento paulistocêntrico de querer deixar de estar no Brasil. Parece delírio, mas é só utopia, mas uma utopia perigosa! Como disse uma militante do movimento separatista: "diga qual paulista ou paulistanto nunca pensou na ideia de São Paulo separado do Brasil?".

O paulistocentrismo na verdade é um vírus ideológico, uma bactéria mutante que surgiu do aproveitamento demagógico dos aspectos mais alienados de uma cultura local em formação. Como poderia dizer finado Paulo Francis: "São Paulo é uma província com elefantíase". É apenas no provincianismo barato que podemos encontrar as razões de um falso regionalismo que busca, pelo bairrismo e pelo preconceito, alienar todo um povo local dos reais problemas que assolam uma população. Assim como Nova York ou os Estados Unidos inteiro, São Paulo (seja mais na capital e também em seu interior) é uma das regiões mais miscigenadas do planeta, onde pode se encontrar de tudo, de todas as raças, regiões do país, etnias e nacionalidasdes. São Paulo é ao mesmo tempo de brasileiros, brancos, negros, indígenas, judeus, católicos, muçulmanos, nordestinos, orientais, italianos, árabes, portugueses, imigrantes argentinos, bolivianos, peruanos e latino-americanos, numa multiplicidade de convivências que gera várias cidades dentro de uma só. São Paulo é também uma cidade de guetos, tribos, turmas, clãs, comunidades, mas também é formada por uma miríade de supostos diferentes que apenas se identificam como pessoas ecléticas, sem se identificar como paulistas ou brasileiros, mas apenas "cidadãos do mundo". É impossível estar em São Paulo sem desfrutar de sua cultura, encantar-se com seu pluralismo, dialogar com suas várias multiplicidades e fazer parte dela de alguma forma. A globalização, ao invés de fazer mal, fez muito bem a São Paulo; mas isso, para aqueles que se fecharam  provincianamente a esse processo, é apenas um fator de medo e insegurança, e não uma benção, para um povo que efetivamente vive o desenvolvimento.

Acredito, naturalmente, que o separatismo não é um sentimento que engloba todo o simpático povo paulista e acomete só uma minoria, apesar de não deixar de ser curioso que, a exemplo da comunidade conservadora wasp nos EUA, aqui também temos uma parcela da população branca, quatrocentona, de família tradional, nascida e criada num determinado lugar, que invoca o exemplo dos antepassados para resgatar algum tipo de pertencimento a uma região ou etnia. Isso é antropologicamente previsível. Apenas o que questiono é como um estado da federação, num momento eleitoral onde a polarização entre governo e oposição nunca foi tão alta, pode possuir parte de um eleitorado que estabelece um discurso às beiras do separatismo. É como se ser pró-Serra, no interesse da oposição, seria votar por São Paulo, enquanto que os votos pró-Dilma significariam a renúncia do ideal paulista em prol da União. Nessa "Guerra da Secessão" tupiniquim entre os paulistas confederados e os paulistas da União, eu diria que quem perde é o cidadão brasileiro, num momento em que uma disputa nacional se resume a uma briga de uma região com um país inteiro. Temo que o "oba-oba" eleitoral provocado por  alguns assessores do PSDB comece a pregar o fantasma golpista da Revolta de 32, e logo vejamos paulistas pegando em armas para defender a identidade local.Se alguns paulistas já manifestam preconceito contra nordestinos ou com o fato de um torneiro mecânico ter chegado à presidência, o que dizer quando um dos maiores expoentes políticos do estado é humilhado nas urnas por uma mulher que já foi terrorista, uma inimiga do capitalismo?

Contra meus argumentos acerca do paulistocentrismo, alguns podem dizer que meu antipaulistismo vem de berço, já que meu avô materno lutou na Revolução Constitucionalista de 32, e muito a contragosto foi um nordestino que teve que dar uns tiros nuns "uaii" , "porrrta e porrrteira" , "ôrra, meu" e "manos" da vida. Outros que me conhecem, podem alegar que minha crítica ao separatismo paulista vem de meus traumas quando vivi na capital paulista, já que ao morar por três anos em Sampa, decidi posteriormente sair da cidade por não aguentar seu excesso de urbanização. Mas não é o caso! Respeito e admiro São Paulo pelo fato daquela região do Brasil ser tão brasileira, porque é impossível deixar de pensar no Brasil quando se está em São Paulo. Para meus olhos que já conheceram quase todo o país, a imagem de São Paulo pela visão da Avenida Paulista  me faz refletir o Brasil, assim como a imagem do Rio provoca a mesma coisa, do Rio Grande do Sul,  onde recentemtente vivi, do Distrito Federal, lugar de minha adolescência, ou do Nordeste, onde passei tantos anos. Para mim, assim como São Paulo em sua singularidade é multifacetada, também o Brasil assim o é, com suas várias regiões, sotaques e culturas. Portanto, não me peça para ser separatista assim como não me pedes pra renegar ser brasileiro. Gostar de São Paulo é gostar do Brasil e vice-versa. Por isso, meu recado aos eleitores chatos, preconceituosos, racistas e eleitores de Maluf, do PSDB, e defensores do separatismo paulista: procurem a Albânia ou ex-Iugoslávia, talvez em Kosovo vocês consigam ser felizes separatistas!!

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