quinta-feira, 9 de setembro de 2010

RELIGIOSIDADE: Intolerância religiosa, gente chata e outras bobagens que se fala em nome de Deus.

Com a decisão da comunidade muçulmana de Nova York de instalar uma mesquista nas proximidades do Marco Zero, onde outrora se situavam as Torres Gêmeas do World Trade Center, derrubadas nos atentados terroristas de 11 de setembro, há nove anos atrás, e cujo aniversário acontece daqui há alguns dias, o pastor evangélico Terry Jones teve como ideia uma singular forma de protesto: sinalizou por meio da internet uma campanha anti-islã em que prometeu queimar um exemplar do Alcorão, livro sagrado dos muçulmanos, no próximo final de semana, sob o olhar perplexo de milhões de pessoas em todo o mundo. Jones alegara que seria uma afronta ao povo norte-americano e aos familiares das milhares de vítimas do atentado terrorista, deixar que fosse instalado perto do local da tragédia um templo religioso da mesma crença dos assassinos terroristas que aterrorizam o mundo no 11 de setembro. Mediante um suposto acordo com o imã da comunidade local, Jones abdicou (ao menos temporariamente) de seu bizarro plano, deixando de tacar fogo no livro sagrado do profeta Maomé. O presidente Barack Obama antecipou-se no episódio, antes de outros líderes, condenando a atitude intolerante e desrespeitosa do pastor com a religião alheia, considerando que gestos como esse apenas incentivam a intolerância religiosa, o fanatismo, o fundamentalismo e acirramento de ânimos entre culturas, além de servir de fomento para o recrutamento da Al Quaeda, já que radicalismo se responde com radicalismo. Será que é dessa forma que os diferentes podem conviver entre si? Será que Deus tolera a diferença?

Inicialmente, somos todos iguais, como também somos diferentes, , e no cristianismo, nas escolas dominicais e cursos de catecismo, aprendemos que o chamado “Corpo de Cristo” ( a comunidade da igreja) é uno e ao mesmo tempo, múltiplo. Nessa dialética que congrega diferentes seres é que aprendemos a ser tolerantes, a respeitar o outro, mesmo não compartilhando das idéias dele, mas parece que, no caso do fundamentalismo, mais e mais intolerância pode e está sendo gerada.



Já pude acompanhar, participando de comunidades religiosas, diversos atos de intolerância em condutas absolutamente desrespeitosas e agressivas contra a fé alheia, ou com a simples opção do outro de não expressar os mesmos sentimentos religiosos. Tenho amigos de diversas crenças e opções religiosas, de católicos a umbandistas, e nunca tive problema algum em conviver com ateus, agnósticos, espíritas, ocultistas, ou qualquer um que, a exemplo das Testemunhas de Jeová ou dos Adventistas, proíbe a transfusão de sangue ou é contrário ao trabalho nos sábados. Posso achar a crença de alguns esquisita, mas como, segundo o dito popular: futebol, religião e política não se discute, acredito que ao menos discutir sobre o respeito e a tolerância religiosa é de bom tom, se quisermos um dia nos salvar de uma pós-modernidade tão desintegradora de uniões, conciliações e fraternidades.


Por falar em pós-modernidade, para o fundamentalismo religioso, o tempo em que vivemos é tão assustador e maléfico que falar em evolução histórica, renovação ou reformulação de conceitos, liberalização de costumes ou temais mais complexos e delicados, como aborto, eutanásia e casamento gay, parecem absolutamente fora de discussão, como se espiões a serviço de Satanás estivessem à espreita, com suas ideias perigosas contaminando as mentes mais débeis e puras. É como se, em nome da crença, fôssemos proibidos de pensar. E pensar, como uma dádiva divina, seja um expediente apenas dos mais eruditos, dos iluminados, detentores da verdade profética e da chama sagrada, que sabem como ninguém conduzir o seu rebanho.


E por falar em rebanho, divulgo aqui no meu blog, dentre os blogs amigos,  o blog pertencente à jornalista e militante religiosa  Marília de Camargo César, autora do livro Feridos em nome de Deus, da editora Mundo Cristão. Uma excelente obra de pesquisa acadêmica e jornalística, em que a autora nos brinda com um novo conceito, bem adequado a casos de intolerância revelados pelo pastor norte-americano Terry Jones, e que encontramos em muitas igrejas e denominações religiosas no Brasil: o chamado “assédio espiritual”.


Por assédio espiritual podemos entender a forma esdrúxula, e porque não dizer desonesta, que algumas pessoas se valem para se aproveitar da fragilidade emocional de certas pessoas, submetendo-as a uma aflição moral e psicológica através do emprego do discurso religioso. Noções como culpa, arrependimento e redenção são utilizadas por estas pessoas (em boa parte pastores e líderes evangélicos) para atormentar os integrantes de suas comunidades, num verdadeiro policiamento espiritual, a fim de que essas pessoas se dediquem integralmente as “coisas de Deus” e reneguem completamente as pérfidas e pecaminosas “coisas do mundo”. Será que esse discurso é obra realmente de um ente divino, ou criação imaginária de sujeitos aproveitadores e oportunistas, que se valem da pregação como uma forma de dominação social? Ou será ainda que a rigidez de certos discursos moralistas de cunho religioso não serve apenas para demonstrar o nível de desacerto e patologia de mentes inquietas e perturbadas?



Detesto as atitudes de pessoas que se valem de um discurso moralista-cristão, para esconder suas próprias dificuldades e debilidades emocionais e psicológicas. Conheço um determinado rapaz, outrora brilhante intelectualmente, com sérios problemas afetivos e familiares, e dotado de uma imaturidade típica de quem ficou sujeito por vários anos a um estado de alienação mental por conta de uma formação altamente conservadora, que, ao integrar uma comitiva de estudantes, numa viagem para participar de um congresso acadêmico, simplesmente não aceitava o fato de que um casal de namorados pertencente a nossa excursão, pudesse dormir na hospedagem do evento num quarto de casal, separados dos outros, posto que eles ainda não eram formalmente casados. Quanta bobagem, quanta babaquice, quanta intolerância e alienação!



Como que vivendo decididamente numa bolha de plástico, alguns crentes efetivamente adotam uma postura de largar a vida, de cair num ascetismo desvairado, o que por si só é opção individual de cada um, e não reclamo; mas o que me faz refletir é quando esse estilo de vida passa a ser obrigatório para todos os outros que não compartilham esse modo de ver a vida.Fico me perguntando, assim como se pergunta o pastor presbiteriano, professor da Universidade Mackenzie e teólogo Ricardo Quadros Gouvea, em seu Manifesto Antifundamentalismo, até que ponto milhares de crentes de diversas igrejas lotam os consultórios de médicos e psicólogos com toda sorte de distúrbios associados a uma fé distorcida e mal canalizada. São esses os chatos e fundamentalistas, que por trás do coro moral do arrependimento, carregam consigo as chagas da desunião, da desordem afetiva e da falta de amor. Fico pensando na leitura de Rubem Alves acerca do cântico dos urubus, querendo silenciar o canto dos demais pássaros na floresta, como se o seu canto fosse o único bonito aos ouvidos de Deus. Concordo com Gouvea quando ele diz que o fundamentalismo só leva a mais intolerância, à guerra e destruição. Alguns sabidos neoconservadores tentam voltar à etimologia das palavras, querendo nos fazer crer que a palavra “fundamentalista” é mal interpretada, e que somente desatenciosos ou quem nunca estudou teologia pode acreditar que o fundamentalismo religioso seja apenas uma invenção das mentes dos “homens de pouca fé” da teologia liberal. Não fico nem com liberais, nem com fundamentalistas, pois prefiro a “turma de Deus”, que pode e deve ser encontrada não em alguma igreja, mas em qualquer canto, em qualquer lugar, como deve ser todo aquele que é uno, e ao mesmo tempo plural, num mesmo Corpo de Cristo. Queira Deus que eu não esteja errado, mas que também não seja eu a apontar o certo, pois o certo está em que verdadeiramente acredita, e abre seu peito a Deus não só de mente, mas de coração, a ponto de se preencher de tanto amor, que se torna incapaz de agredir alguém, ignorar ou não tolerar o credo de quem quer seja. Aprende isso, Terry Jones!!

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