quarta-feira, 15 de setembro de 2010

ELEIÇÕES:Artistas e política: A Tonga da Milonga do Kabuletê

Na campanha para presidente de 2002, na disputa entre Lula e Serra, a veterana atriz Regina Duarte, outrora uma "ex-namoradinha do Brasil", impressionou o país pagando o mico histórico de detonar a campanha do candidato rival (no caso, o vitorioso Lula), propagando no horário eleitoral da TV a difusão de uma campanha do medo, nefasta e antiética, dizendo na televisão que tinha medo do que seria do Brasil com a eleição de Lula. Oito anos depois, parece que o presságio nefasto previsto pela atriz global não se concretizou; ou, ao contrário, ocorreu o inversamente previsto, com o êxito do mandato presidencial do candidato do PT, no auge dos seus mais de 80% de popularidade no fim do segundo mandato, e o país irreversivelmente colocado numa onda de prosperidade, autoestima e otimismo, que "nunca antes na história desse país" se tinha visto.

Agora, em 2010, mais uma vez, como faz parte da democracia, artistas de diferentes matizes e colorações ideológicas aparecem no horário eleitoral gratuito ou nas inserções televisivas, pedindo voto, de forma justa e legítima para seus candidatos, ou eles mesmo sendo candidatos. Veja-se o caso do palhaço Tiririca, execrado por parte da opinião pública e por um bom segmento da classe política, ao aparecer caracterizado na sua propaganda na TV e se tornando conhecido pelo questionável jargão :"pior do que está não fica". Polêmicas a parte, o fato é que não é de agora que nas eleições brasileiras, artistas de renome, com elevado prestígio social e uma imensa corrente de fãs, aparecem para pedir votos para seus candidatos ou se apresentam como uma alternativa real no cenário eleitoral, largando os palcos ou mudando de cenário, para um outro palco que não é o de um show, ou de um estúdio de TV. E como disse, isso é justo. Trata-se de um direito democrático e de uma opção que tem e deve ser respeitada. Apenas teço algumas considerações sobre esse curioso fenômeno político-social, e faço aqui alguns comentários, que podem ser compartilhados com os leitores deste blog.

Em primeiro lugar, na eleição de Collor em 1989, derrotando um então politicamente imaturo Lula, vimos uma das campanhas mais esperadas e mais apaixonantes no início do processo de redemocratização do país, e que muito marcou minha juventude, não apenas pela minha participação militante na campanha (e a participação de milhares de brasileiros), mas também pelo séquito de artistas e intelectuais que acompanharam o pleito eleitoral. Lembro-me da acirrada polarização entre bem e mau, entre esquerda e direita, entre o "sapo barbudo" e o "caçador de marajás" das Alagoas, e de como algumas celebridades do meio artístico se posicionaram. Jamais eu poderia me esquecer da adesão de verdadeiros ícones da música brasileira, como Chico Buarque, Djavan, Gilberto Gil, Luiz Melodia, Beth Carvalho, e tantos outros na campanha de Lula, assim como de músicos sertanejos e atores e atrizes de talento questionável, como Alexandre Frota e sua então mulher, Claudia Raia, na campanha de Collor. Na época dos ânimos politicamente acirrados e do patrulhamento ideológico, vi que alguns personagens do meio artístico foram absurdamente colocados na marginalidade por seus próprios pares de profissão,  por conta de sua predileção eleitoral. Já na eleição de 2002, achei correta e respeitável a atitude da atriz Marília Pêra, defendendo sua amiga e colega de profissão, Regina Duarte, devido às vaias da opinião pública, favorável a Lula, por conta da desastrosa participação da atriz na campanha eleitoral. Ora, artista pode errar feio na escolha de seus políticos, mas ainda tem o direito de escolha, e não se pode, de forma alguma, repudiá-lo por conta disso!!

Ocorre é que vi, ao menos na categoria dos músicos, fatos interessantes. Enquanto que na campanha de 89 a polarização poderia se encontrar situada entre os reais e portentosos artistas, representantes da MPB, com seu passado de luta histórica de esquerda e perseguição na ditadura, apoiando a campanha de Lula; por outro lado, o artista-eleitor do candidato do estabilishment, desse outro Brasil real capitalista, de mentalidade neoliberal e ansioso por ascensão social, defendia as candidaturas de Collor, e posteriormente FHC. Ocorre que, logo após Chitãozinho e Xororó dizerem que estavam na campanha de Fernando Henrique em 1994 e 1998 por adesão espontânea as ideias do candidato tucano e não por grana; na campanha de 2002 foi a vez de Lula receber o maciço apoio do meio artistíco situado na música sertaneja, através de seus dois principais ícones: Zezé de Camargo e Luciano. Lembro-me de ter assistido um comício de Lula naquele ano, no Campo de Marte, em São Paulo, e ter assistido entusiasmado a um show dessa dupla sertaneja em homenagem ao seu candidato, em fotos que possuo até hoje. Eu, do alto de meus francos conhecimentos e predileções pelo rock, jazz, MPB e música erudita, estava ali curtindo dois artistas de origem humilde e cantando canções de amor de apelo fácil e letras risíveis, apenas porque aqueles caras estavam apoiando o candidato que eu gostava. É uma das maravilhas da democracia: gostar daquilo que não se suporta ouvir, só porque os caras que cantam são bacanas e compartilham dos teus compromissos ideológicos.

Esse ano, na campanha presidencial atual, percebo que a participação dos artistas em comícios e na televisão (até por conta da legislação eleitoral) encontra-se rarefeita e poucos são os que participam efetivamente e declaram seu apoio de público a esse ou aquele candidato. Com exceção de Marina Silva na propaganda eleitoral, apresentando artistas como Lenine ( que gosto muito) ou do cineasta premiado Fernando Meirelles, são poucos os que se apresentam dedicados, declarando empolgadamente seu apoio a um candidato numa eleição presidencial. Ainda é válido ver as declarações do rapper Mano Brown, do grupo Racionais MC, cujo video do youtube está disponível aqui neste blog, eleitor declarado de Dilma Roussef e fã de Lula, que expõe suas razões de porque não apoia Serra e de como ele vê o contexto político-eleitoral no país. No tocante a opção de alguns hoje por Marina, tais como Caetano Veloso, entendo que a predileção pela candidata verde tem muito haver com a visão que o artista tem da política, um pouco romanceada e até dotada de uma certa poética, talvez por possuírem certos candidatos um encanto arquétipo que seduz determinados artistas a se engajarem na política.

Dos artistas candidatos nesta última eleição, de longe o que assombra as mentes mais escolarizadas e está se configurando como o "Macaco Tião" do pleito eleitoral atual é o palhaço Tiririca. Encarnando, por uma veia oportunista, o chamado voto de protesto, Tiririca corre o risco de ser eleito o deputado federal mais votado do estado de São Paulo, assim como foi outrora o ex-apresentador e estilista Clodovil, e o ex-candidato à presidência Eneás Carneiro (ambos falecidos, mas, ao menos, o Eneás tinha uma plataforma política bem estabelecida). Isso demonstra um pouco o quanto,para muitos eleitores em sua alienação ideológica, a política se torna um desdobramento da televisão, um novo palco para o espetáculo, e no caso de Tiririca, de um show de humor de gosto duvidoso. Outras figuras da música ou da teledramaturgia já tentaram cavar seu espaço em mandatos políticos, como o finado Carlos Imperial, como vereador no Rio de Janeiro, ou Gilberto Gil como vereador em Salvador e Ministro da Cultura, mas das nuances que podemos encontrar em todos esses artistas-candidatos é que, sempre de certa forma, podemos ver uma certa estética, que pode ou não ser de boa qualidade.

Parodiando o filósofo Kierkgaard, eu diria que o arista vê a política muito mais numa dimensão estética, do que numa dimensão ética, como vêem os intelectuais, pois para ele o político representa muito mais o universo platônico do mal ou do bom, do que aquele perfeitamente razoável ou possível. Marina com seu semblante zen, e passado de militância histórica pelo meio ambiente, além da biografia admirável, seduz aqueles que consideram em termos imagéticos a candidada do PV como a representante "do bem", e com ela seguem acreditando piamente num novo mundo possível, moderno e globalizado, não mais nas tintas do velho marxismo ou do esquerdismo histórico, tão sedutor, outrora, aos artistas que militavam contra a ditadura e que vivenciaram as passeatas e movimentos civis de 68. O neotropicalismo embalado na candidatura de Marina anima os "bicho-grilos" e faz com que eles defendam a candidata como algo cool e perfeitamente adequável a um partido que promove uma renovação de costumes, valores e posturas em relação à sociedade e o meio ambiente, mesmo que, contraditoriamente, a candidata seja integrante de uma igreja ultraconservadora e que não compactua de forma alguma com as bandeiras defendidas pela agremiação a que ela pertence, tais como o casamento gay ou a legalização das drogas.

Ainda tenho saudade dos tempos em que a cantora Fafá de Belém cantava em lágrimas o hino nacional nas campanhas das Diretas Já, em 1984 e no funeral do recém-empossado presidente Tancredo Neves, numa época em que o mundo era diferente, bipolarizado, e quem fosse artista ou intelectual só podia se agrupar em ou outro grupo, sem tergiversações, ou de esquerda ou de direita. Se hoje, diferentemente do que previa Bobbio, ou conforme o pensamento de Antony Giddens, vivemos uma era em que, ser de um lado ou de outro no espectro político, já não significa grande coisa, acredito que a participação de artistas, nos grandes momentos políticos de uma nação, ainda seja interessante no sentido de uma formação de opinião, mas não fundamental nos rumos de uma democracia. Artistas trabalham com o espetáculo, mas não podemos fazer espetáculo da política e sim analisá-la friamente em seus aspectos éticos e com a hombridade necessária, pra quem vai depositar, com um mínimo de consciência, o seu voto. Pelo menos é assim que penso antes de votar num Netinho de Paula para Senador ou em Agnaldo Timóteo para deputado, ou para garantir uma vaga na Câmara a um finado Clodovil, ou promover a ascensão política de Romário ou do Tiririca. Bons artistas podem ser bons ou maus políticos, e tudo isso depende não do talento na interpretação ou da bela voz, mas sim do talento que devermos ter na hora de dar o nosso voto, pra não sermos taxados de otários. Portanto, usando o velho e batido jargão: NESSA ELEIÇÃO, VOTE BEM, MEU BEM!!

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