segunda-feira, 30 de agosto de 2010

TRAGÉDIA DOS 33 MINEIROS NO CHILE: A vida no buraco ou a vida é um buraco??

Podem me chamar de maricas, mas meu coração de fato dá um aperto e as lágrimas descem quando vejo na TV as imagens de 33 mineiros chilenos de San José, soterrados em mais de 700 metros de profundidade no fundo da terra, em pleno deserto de Atacama, totalmente desorientados, esquálidos, barbudos, suados e com seus olhos esbugalhados, enquanto esperam um socorro que pode durar até cinco meses. A tragédia que se iniciou (pasmem!) no dia de meu aniversário (foi em 5 de agosto que a entrada da mina desabou começando o calvário dos trabalhadores soterrados), parece que fez a mim e a uma boa parte do mundo o momento de despertar  para um sentimento humano, tão genuinamente humano: a compaixão!

Foi com o coração repleto de compaixão, mas também por um digno sentimento de justiça e revolta, que Neftali Ricardo Reys Basoalto, mais conhecido como Pablo Neruda (1904-1973) escreveu em 1939 e publicou em 1950, o poema épico Canto Geral, em homenagem aos mineradores de carvão da região andina, que Neruda conheceu quando atuou como senador e ativista do partido socialista.  Diplomata, militante político, senador da república, jornalista e poeta, Neruda foi um dos mais importantes poetas do século XX, e suas poesias que combinavam tanto um amor intenso quanto um sentimento de justiça, encantaram o mundo, fazendo com que ele ganhasse, enfim, o prêmio Nobel de Literatura, não sem antes ter quase concorrido à presidência do Chile, em 1969, ano em que declinou do convite em prol daquele que viria, assim como Che Guevara, a se tornar um mito: Salvador Allende. Canto Geral é considerado um das obras de Neruda onde se encontra mais presente sua consciência política e ideal de transformação de uma sociedade gritantemente desigual, além de seu clamor por justiça social, denunciando o abuso e a exploração do homem, em versos como Minerais, que retrata bem a situação dos 33 mineradores enclausurados numa caverna, no Chile de hoje:

"Mãe dos metais, te queimaram,



te morderam, martirizaram,


te corroeram, te apodreceram


mais tarde, quando os ídolos


já não podiam defender-te."
 
A mineração é uma das atividades principais da economia capitalista no Chile e todos os anos, centenas e mais centenas de trabalhadores são vítimas de acidentes nas minas de carvão, zinco e cobre da região. A mina de Chuquicamata, ou simplesmente chamada Chuqui, há 1.240 km de Santiago, por exemplo, é considerada a maior mina a céu aberto do mundo e até hoje, mesmo com as sucessivas crises econômicas e os refluxos da economia capitalista, milhares de pessoas são empregadas por mineradoras para realizar atividades extremamente difíceis, insalubres e muitíssimo perigosas.
 
Aqui se revela a ganância do capital, e assim como no poema de Neruda, minha indignação quanto às reais condições das minas chilenas, e de como o trágico acidente envolvendo os 33 mineiros que padecem de angústia e desolação debaixo da terra, poderia ter sido evitado. Durante muitos anos organizações internacionais do trabalho criticam as condições de trabalho dos mineradores chilenos, mas nenhuma intervenção severa é feita pelo Estado, no sentido de coibir abusos. Os anseios da economia capitalista e a ambição da acumulação de capital prevalecem sobre o bom senso, fazendo com que homens e mulheres se subordinem à condições desumanas, a fim de conseguir um emprego e sustentar suas famílias. Essas mesmas famílias que choram o sofrimento de seus entes queridos presos no subsolo, agora são distraídas pela política de pão e circo do governo chileno, que montou um acampamento para os familiares dos mineiros em pleno deserto, com direito à praça de alimentação, telão para assistir novelas e até música ao vivo. Com tantos curiosos ao redor da mina onde ocorreu o acidente, só falta surgir pacotes turísticos além daqueles destinados a Bariloche, onde endinheirados turistas europeus podem tirar fotos da mina soterrada, e quem sabe, até bater um papo com um dos mineiros através de uma sonda cravada no solo, perguntando como é viver como ratos, embaixo de toneladas e toneladas de areia e granito. A cena lembra o filme A Montanha dos Sete Abutres, de 1951, quando um jovem ator Kirk Douglas interpretava um repórter sensacionalista, colhendo os dividendos com a notícia de um minerador soterrado, após um desabamento. É o circo midiático voltado em torno do sofrimento alheio. Enquanto isso, as mineradoras lucram.
 
É justamente a busca incessante do lucro o que mais me aterroriza, pois se transformou num episódio do descaso com a vida e a dignidade humana, no caso dos mineradores chilenos. Desabamentos em minas são comuns desde que o homem começou a desenvolver essa atividade econômica, mas nos países de Primeiro Mundo tais acidentes são prevenidos através de sistemas de segurança altamente eficientes. Um dos princípios básicos na construção de uma mina, com a perfuração da rocha e criação de canais para escoamento de pessoas e objetos, é o de se construir uma rota alternativa, uma trilha de segurança no caso de soterramento, com elevadores, estrutura revestida e tamanho adequado para locomoção, que não foi prevista no projeto de elaboração da mina de San José. O local só possuí(pasmem) uma única entrada e saída para os mineradores, e somando-se a isso o fato de que a região é propícia a abalos sísmicos, o que se tem como resultado é a crônica de um desastre anunciado.
 
Agora só resta aos mineiros esperar e esperar, enquanto fragmentos se sua sanidade vão indo embora a cada passar dos minutos angustiantes e claustrofóbicos de quem está lutando pela vida, mas não sabe se vai ver a luz do dia novamente. O caso dos mineiros chilenos é quase como o de uma condenação, pois o castigo que lhes foi afligido pela incompetência e avareza humana não é previsto nem para o pior dos criminosos. A situação é tão desumana, que nem adianta o sorriso fraterno do atual presidente chileno, Sebastian Piñera, no sentido de transmitir otimismo e esperança para uma nação abismada com o absurdo, do alto de sua cabeleira grisalha de empresário riquissimo e porte jovial de cantor de churrascaria. A imprensa noticia que caso aqueles pobres coitados soterrados sobrevivam a essa apocalíptica intempérie, seu caso servirá ao menos de fonte de estudos para a psicologia e a psiquiatria, já que todos garantem que, se algum deles sair de lá onde se encontram, provavelmente saíram todos com algum distúrbio psíquico severo. Ah, tá!! Fico me colocando na posição de alguém que se encontra soterrado porque estava tentando simplesmente sustentar sua família, e me pergunto: "quer dizer que esse perrengue todo que estou vivendo é pra virar um rato de laboratório?? ". Eu poderia dizer: "Quero é que me tirem daqui!!!".
 
Imagino quantos dos mineiros minimamente saudáveis que ainda existem no local (cinco deles já estão prostrados, catatônicos, com graves sinais de depressão) vão ter forças para tentar se distrair enquanto o socorro não vem. Uns vão praticar algum exercício físico, outros vão se debruçar sobre  a leitura ou a escrita, enquanto outros vão passar o tempo jogando dominó. Fico pensando: quanto absurdo, quanta tristeza!! Parafraseando Neruda, termino com mais de um seus versos, traduzindo a tristeza daqueles que não podem mais ver a luz do sol, e que nesse exato momento, seu contato com o mundo e com seus entes queridos se dá tão somente através de uma sonda, da espessura de uma lata de refrigerante: "Posso escrever os versos mais tristes esta noite.A noite está estrelada e ela não está comigo. Isso é tudo!" Boa noite, mineradores chilenos!

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