quinta-feira, 12 de agosto de 2010

EDUCAÇÃO: Um tapinha não dói. Sobre a Lei da Palmada.

Dentre alguns dias será votada a Lei da Palmada. A mensagem enviada pelo governo, baseada na iniciativa de projeto inicial da deputada Maria do Rosário (PT/RS), visa extinguir em definitivo uma instituição milenar: o castigo físico imposto pelos pais a seus filhos menores por conta de malcriação. Será que a lei pega??

O projeto visa alterar a Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), e dentre outras medidas, prevê a proibição de castigos físicos tais como: palmadas, beliscões ou qualquer outro meio ou castigo físico que implique em dor na criança ou adolescente. As sanções vão desde acompanhamento psicológico ou psiquiátrico obrigatório até destituição da guarda ou do poder parental, impondo-se ao pai ou mãe severos o artigo 129 do Estatuto, que prevê quais são as medidas legais adotadas contra pais ou responsável. Fico me perguntando qual será a postura daqueles pais estressados que vão ao supermercado com as crianças após um dia estafante de trabalho, no momento em que os meninos começarem a pedir as coisas, o pai ou a mãe nega, e a criança começa a fazer um pleno escarcéu dentro do estabelecimento, sem que ninguém possa lhe dar um pito, ou mesmo um beliscão ou uma chinelada. É, tá faltando palmada, mas pode sobrar permissividade.

No seu livro clássico, A Cidade Antiga, publicado no século XIX, Fustel de Coulanges trata de diversas instituições sociais dos povos antigos, em especial a família. Na família romana, por exemplo, o pater familias, senhor de sua casa, autoridade patriarcal e chefe do lar, tinha poder absoluto sobre seus filhos. Ele poderia, inclusive, matar um filho se o desejasse, em caso de desonra ou desobediência. Dependendo do caso, os filhos poderiam até ser vendidos como escravos, para fins de cumprimento de uma dívida. É claro que o expediente desumano de se humilhar ou torturar filhos foi desaparecendo na era moderna, principalmente quando, após a Revolução Industrial e o advento do século XX, passaram a ser reconhecidos os direitos da criança e do adolescente, mediante tratados e convenções internacionais. As crianças não poderiam mais ser maltratadas e sua mão de obra não poderia mais ser utilizada na fábrica. É claro que o modelo de sociedade anglo-saxônica, simbolizada pelo padrão wasp da família norte-americana, era simbolizado nos anos 50 pelo seriado de televisão Papai sabe Tudo, em que no modelo conservador os pais combinavam severidade, respeito, mas obediência incondicionadas dos filhos, sob pena de levar umas boas palmadas.

Ocorre que o projeto de lei encaminhado pelo governo e que conta com uma boa alta de rejeição popular (ao menos entre os internautas, na última pesquisa, cerca de 70% dos ouvidos são contra a aprovação da lei) mexe com uma questão antiga, revisitada pela ideologia liberal: até que ponto pode o Estado se intrometer em assuntos privados, relacionados à educação dos filhos por seus pais, ingressando nas querelas típicas do ambiente familiar? Muitos pais se perguntam se não tem mais o direito de educar seus filhos como lhes convém, e alguns, baseados até em preceitos religiosos, justificam sua rigidez na educação de filhos, impondo-lhes, inclusive, maus tratos, como uma forma legítima de orientação de seus pimpolhos, baseada no poder parental tradicional.

Sobre autoridade e legitimidade do poder parental, é interessante fazer menção ao livro do educador Içami Tiba, intitulado Quem ama, educa. No livro, Tiba nos informa que na educação dos fihos não basta apenas o amor, pois o amor por si só não educa, mas sim a consciência que os pais incutem nos filhos de responder por suas próprias responsabilidades. "Com grandes poderes vem grandes responsabilidades", como diria o personagem do Tio Ben a seu sobrinho Peter Parker (alterego do Homem Aranha, nos quadrinhos); e desta forma vemos que pais tem que se equilibrar na função de genitores, na corda bamba de nem ser autoritário demais, e nem permissivo demais. Onde está a justa medida? Talvez a resposta seja dada pela própria experiência de vida e de como nos sentimos enquanto crianças no tratamento que recebemos de nossos pais, e o que de positivo e negativo podemos extrair disso, para assim  pensar uma forma de educar os nossos filhos, de modo que eles não se transformem em monstros carentes ou pedras de insensibilidade.

Penso que a dedicação do governo em ver aprovada a Lei da Palmada, deve-se muito ao próprio histórico do presidente, narrado de forma interessante e transformado em filme na elogiada biografia de Lula, escrita por Denise Paraná (Lula, o filho do Brasil). Hoje sabemos e é público e notório que nosso presidente não teve uma das infâncias mais felizes. Ao contrário, diante de um pai severo, alcoólatra e que lhe dava sucessivas surras, é natural que hoje Lula defenda a extinção dos castigos físicos em crianças e adolescentes até porque sentiu isso na pele, mas resta saber até que ponto os pais podem efetivamente castigar os seus filhos ou não.

Lembro-me de uma conversa interessante que tive com meu querido amigo Roger Rocha, hoje músico talentoso em Curitiba e pai de família, que me disse que em sua infância passada em sua cidade natal, o Rio de Janeiro, ele fez amizade com crianças pertencentes a uma família de chilenos que morava no mesmo condomínio em que residia. Ele me disse que numa das travessuras comuns praticadas no universo infantil, onde crianças promovem algazarras para querer chamar atenção, ele foi repreendido por um dos pais dos meninos, chegando a ser, inclusive, puxado pela orelha pelos corredores do prédio. Ele me falou que era comum no Chile os adultos repreenderem as crianças, mesmo que não sejam seus filhos. Fico imaginando essa cena nos corredores do Congresso Nacional, diante dos pasmos legisladores defensores do projeto da Lei da Palmada. Imagino a mesma cena em uma das diversas escolas católicas, de padres e freiras onde já estudei, onde a palmatória, as palmadas, os puxões de orelha e os beliscões são naturais dentro de um ambiente conservador e imensamente tradicional.Será que vamos reprimir também a educação severa nas escolas?

Pode-se dizer que tive uma educação rígida, pelo fato de ser filho de militar, mas quem na verdade me impôs mais castigos através de surras de cinturão, na minha infãncia, foi minha amada mãezinha. Hoje, compreendo enormemente as palmadas sofridas, até porque fico imaginando minha mãe, coitada, sozinha com um marido embarcado cheia de afazeres, tendo que administrar um lar com dois filhos pequenos e uma criança altamente hiperativa como  eu fui. Daquele menino irascível que gostava de jogar pedras em ônibus e tacar fogo em casas e animais eu necessitava realmente de um corretivo, e a forma que minha mãe utilizou após muita conversa sem resultado foi realmente apelar para o cinturão. Não a recrimino, creio que hoje, depois de algumas chineladas, pude refletir o quanto ter passado ou não por castigos físicos fez o homem que agora sou. É claro que aqueles que lêem estas linhas deste blog devem ter histórias diferentes para contar, e muitos aqui sequer levaram um beliscão de seus pais ou tiveraam um modelo de educação bem diferente. Que bom que seja assim! Agora revelo que o fato de ter levado umas palmadas na infãncia não me tornou, por conta disso, um indivíduo traumatizado, doente ou que necessitasse de cuidados especiais por conta disso. Pelo contrário, até certo ponto, o castigo físico imposto se não foi desnecessário, ao menos contribuiu de certa forma para a minha formação de caráter. Posso ter agido sem limites, mas os castigos afligidos por meus pais me deram consciência desses limites.

O problema de estabelecer uma política punitiva de coibição de abusos, sem levar em conta uma legislação que promova um giro educacional, é o grande problema da produção de leis no Brasil. Tentou-se coibir o consumo desenfreado de álcool e os acidentes de trânsito com a Lei Seca, assim como foram atacados os casos de violência doméstica, com a Lei Maria da Penha, ou o fumo dentro de estabelecimentos fechados, com a Lei Antitabagismo, agora me pergunto até que ponto pode ser eficaz uma lei que lida com aspectos eminentemente privados e de foro íntimo das famílias brasileiras e até certo ponto insignificante do ponto de vista legal, como se trata do caso de meros puxões de orelha, palmadas ou beliscões. O que irá acontecer com os pais que resolvem dar umas palmadinhas nos filhos desobedientes, que se comportam mal? Teremos uma pilha de processos de destituição de guarda nas Varas da Infância e Juventude? Haverá um batalhão de psicólogos à disposição nos postos de saúde, para atender pais perturbados que decidiram dar um puxão de orelhas nos seus filhos? Na hora em que alguém se estressar com seu filho malcriado, será que vai ter olhar para os lados, para ver se não tem na espreita algum conselheiro tutelar? Ou será que birra de criança malcriada vai virar caso de polícia?

Conheci mães que de tão enérgicas com seus filhos chegavam a resolver a parada na base do tapa no pé do ouvido, como outras que de tão permissivas, chegavam a amolar a vizinhança inteira com a falta de autoridade perante seus filhos peraltas, que azucrinavam pessoas como eu que tentavam estudar em casa, com gritos e choros convulsivos de malcriação. Acredito que o ECA já esteja aí para impedir graves violações aos direitos das crianças e adolescentes, e tem feito bem seu o seu papel, agora não posso comparar à tortura ou violência física o simples fato de dar uns tapas no traseiro de uma criança desobediente, mimada e malcriada. Acredito que pais que agridem seus filhos geram adultos inseguros, medrosos ou revoltados, assim como pais permissivos contribuem no desenvolvimento de filhos que se tornam adultos inconsequentes, irresponsáveis, imaturos e insensatos. Não sou adepto da pedagogia da palmatória e longe de mim oferecer qualquer mal físico a quem quer seja, mas não tiro a razão dos pais que para manter sua autoridade, se valem da força física como meio de exercício da autoridade. Mesmo aqueles que não tem religião não conhecem o mandamento bíblico: "respeitarás teu pai e tua mãe"? Basta de agressões, basta de maus tratos, mas também não vamos incentivar a impunidade infantil!

Em tempo: não tenho filhos. Deve ser por isso que estou escrevendo este artigo!

Um comentário:

  1. Quando olhamos para a história da humanidade, e não raras vezes, o Estado impôs a sua ideologia sobre a população, e na maioria das vezes as gerações futuras pagaram o preço de tais decisões. Creio que a base da educação familiar deve se dar pelo amor e o diálogo mútuo, mas explica isso para uma criança de dois anos - como é o caso do meu filho - então, em certos momentos há necessidade de atitudes corretivas um pouco mais rígidas. Aprovem a lei e veremos no futuro uma geração de brasileiros sem referencias, sem saber como administrar uma família, devido a falta de limites claros e tão necessários para formação do caráter humano.
    A Super Nani terá emprego garantido daqui para frente!!!

    ResponderExcluir

Coloque aqui seu comentário:

Gates e Jobs

Gates e Jobs
Os dois top guns da informática num papo para o cafézinho

GAZA

GAZA
Até quando teremos que ver isso?