segunda-feira, 16 de agosto de 2010

CINEMA: Em "À Prova de Morte", Tarantino é freudianamente pela vingança feminina.

Carros são objetos fálicos. No frenesi do automóvel já sabemos, nos melhores compêndios de psicologia, que veículos são transformados em extensão do falo masculino, como um exercício tosco de virilidade. Quantas e mais quantas propagandas e comerciais de televisão passam todos os dias, em que nós vemos que um carro novo, bonito e possante é visto como símbolo de prazer, exercício de autoestima e satisfação sexual? Lembro-me dos versos da música da banda Mundo Livre S/A, na voz de Fred Zero Quatro, quando ele canta: "todo mundo deveria ter um carro. Senão nem precisava ter testículo. De que serve um testículo, sem carro? Sem o carro, o testículo é um saco!".

Sobre testículos e carros é que me refiro ao filme "À prova de Morte" (Death Proof, no original), de 2007, tardiamente lançado nos cinemas brasileiros, do cineasta renomado e arrebatador Quentin Tarantino. O filme, tendo o ator Kurt Russel como protagonista e vilão, é a mais sublime homenagem aos filmes cult de perseguição de carros dos anos 70, e tem mostrado o inabalável talento de Tarantino nas releituras cinematográficas e na linguagem pop que o consagrou.

Tarantino de fato é o John Ford da pop art cinematográfica. O rei das colagens e metáforas subliminares revelando seus dez anos como balconista de videolocadora. O cara é um esteta, sem dúvida nenhuma. Mas é em prol de sua estética no ritmo de história em quadrinhos  que conhecemos a cada flme personagens interessantes, e estórias tão inverossímeis quanto fascinantes. Tudo nos filmes desse diretor norte-americano é feito para chocar, para estimular nossos sentimentos mais juvenis e pueris num êxtase de video game, de ver vilões caricatos, sangue exageradamente espirrado, malabarismos excêntricos de tiros, lutas e danças; mas o que mais me chama a atenção na obra de Tarantino é o maior expediente que traduz o talento deste cineasta: os diálogos.

É nos diálogos que Tarantino demostra sua fama de ótimo roteirista e cinéfilo, além do existencialismo encontrado na sua forma de fazer cinema, que elevam seus filmes à obra de arte. Quem é que não viu certo lirismo e homenagem tanto a filmes japoneses de ação como aos de faroeste americano, ao ver Kill Bill, volume 1 e 2? Assim como Woody Allen, Tarantino tem as suas musas, quase sempre beldades loiras ou negras, como Uma Thurman na citada saga de violência e espadas de samurai, ou com Pam Grier no elogiadíssimo e cult Jackie Brown. A Shoshana judia,  vingativa e sedenta de sangue nazista de Melanie Laurent, em Bastardos Inglórios, ou a mesma sexy e totalmente underground Thuram em Pulp Fiction, demonstram isso. Agora temos Rosario Dawson, outra sereia de ébano, no sensual e carniceiro Á Prova de Morte, É Tarantino puro. É cinema de qualidade.

Death Proof é um projeto original montado por Quentin Tarantino, justamente com o diretor Robert Rodriguez, no projeto que não deu certo chamado Grindhouse. Este, tratava-se de uma homenagem aqueles velhas sessões duplas de fim de noite, dos cinemas de bairro, nos anos setenta, em que a plateia comprava um ingresso para ver dois filmes, um seguido do outro. Era uma verdadeira maratona só pra quem é aficcionado por filmes, não namora, e ficava lá sentado por horas a fio, sem um mísero trocado nos bolsos, além daquele usado pra pagar o ingresso, só pra ver os filmes de ação de que gostava. É claro que as novas gerações, embaladas na internet, jamais ouviram falar disso; mas é justamente dessas velhas referências históricas ao nascedouro da cultura pop que se debruça Tarantino, e com essas referências, juntamente com Rodriguez, ambos lançaram simultaneamente nos cinemas yankess: Death Proof e Planeta Terror (esse já lançado no Brasil e muito subestimado). Por conta exatamente da baixa aceitação de público acerca do velho formato apresentado pelos diretores, ao serem lançados no mercado internacional os dois filmes foram distribuídos separadamente, demorando À Prova de Morte, quase três anos pra chegar no circuito comercial brasileiro. Até que enfim!!

O filme, apesar de supostamente se passar nos dias de hoje, é todo montado na estética dos anos setenta (do figurino aos carros) e trata da estoria de Dublê Mike (interpretado por Kurt Russel), um ex-dublê de filmes de ação que se tornou um andarilho psicopata que passa os dias com seu carro, um Chevy Nova todo preto, estilizado com uma caveira no capô; circulando pelos bares das highways norte-americanas, procurando suas vítimas.Estas, são sempre mulheres jovens, bonitas e farristas, que em grupos de amigas saem pra festejar, beber, ouvir música, namorar e fumar maconha, enquanto seu algoz fica à espreita, aguardando a oportunidade de seduzi-las para um passeio de carro. É nessa hora que Stuntman Mike exerce sua fome assassina de terror e velocidade. Mike possuí um carro de testes,reforçado na lataria, totalmente à prova de acidentes, literalmente à prova de morte, e nele o assassino leva suas vítimas, satisfazendo-se em vê-las morrer estraçalhadas com o impacto da colisão. É nessa combinação de carne, ossos, sangue, óleo e metal, que Dublê Mike tem sua satisfação. É nela que o serial killer  tem, verdadeiramente, o seu orgasmo.

É aqui que reside toda a reflexão freudiana no comportamento do personagem de Tarantino, e que revela também as próprias taras desse diretor de cinema; como, por exemplo, a obsessão pelos pés femininos (a cena da perna de uma das garotas sendo decepada, no momento da colisão dos automóveis é incrível). Tarantino faz uma elegia à sensualidade e o erotismo da mulher, com a cena da dança da personagem Butterfly (mais uma alusão à danças eróticas, como a de Uma Thurman em Pulp Fiction ou Salma Hayek, em Um drink no inferno (de Rodriguez, mas com colaboração de Tarantino). As mocinhas do filme são autênticas pin-ups da autoestrada, "anjos lindos" como diz o personagem do filme, que podem conhecer a morte por debaixo das rodas de Dublê Mike, ou se tornarem os anjos vingadores. "Há poucas coisas tão lindas quanto um anjo ferido em seu orgulho!", diz Stuntman Mike. É! Dublê Mike! Com mulher não se brinca!!

É aí que reside a outra face das heróinas de Tarantino. Apesar de estar por cima o tempo todo e castigar suas vítimas, valendo-se do carro como um falo para estuprar e massacrar suas vítimas, Dublê Mike não contava com a mesma fúria pela velocidade de outro grupo de garotas perseguidas pelo assassino, também como ele fanáticas por automóveis e com pé pesado no acelerador. Nessa hora, o filme até então voltado aos diálogos vira um autêntico cult movie de perseguição automobilística, bem ao gosto do cineasta, fã de clássicos dos anos setenta como Bullit, Perseguidor Implacável ou Encurralado de Steven Spielberg. Se Freud estava certo em 1922, quando disse que algumas mulheres tinham inveja do pênis, ao tratar do chamado "complexo de castração"; no filme, as mulheres de Tarantino tornam-se autênticas "pintudas" do volante, quando em sua sede de vingança invertem o jogo de gato e rato, quando transformam o caçador em caça. Em alguns sites de cinema, alguns críticos dizem que, na verdade, Death Proof trata da solidão feminina. Bom, vai entender a cabeça de mulher! Talvez tenha sentido, e todas aquelas mulheres perseguidas e dilaceradas, sob as rodas de Dublê Mike, sejam apenas mulheres jovens, bonitas e solitárias, que largadas pelo namorado, perambulam perdidas pela noite, como românticas almas sofridas, a bordo de seus carros e de sua tristeza, impediosamente esmagadas pelos pedais do acelerador de seu algoz. Sempre há filosofia nos filmes de Tarantino, por debaixo dos diálogos escrotos, sangue e pancadaria. Sempre dá o que se pensar ao ver esses filmes. Mas, de qualquer forma, cuidado ao sair pela estrada à noite, garotas! Principalmente se derem de cara com algum "barza azul ao volante". Aceleeeraaa, Airton!!!!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Coloque aqui seu comentário:

Gates e Jobs

Gates e Jobs
Os dois top guns da informática num papo para o cafézinho

GAZA

GAZA
Até quando teremos que ver isso?