terça-feira, 12 de outubro de 2010

ELEIÇÕES: O eleitorado de Marina -" esse obscuro objeto do desejo".

No ano passado, quando Marina Silva saiu do PT e ingressou no Partido Verde, eu já tinha comentado que ela iria dar trabalho ao Palácio do Planalto, investindo numa candidatura própria a presidente. Contra todas as expectativas e institutos de pesquisa, no resultado final do primeiro turno da eleição presidencial, Marina saiu dos tímidos 10% do eleitorado que ela já tinha como eleitorado cativo, fiel (artistas, intelectuais desencanados, ecologistas, estudantes universitários) e elevou seu capitall eleitoral para o patamar de quase 20% dos votos válidos contabilizados nesta eleição. Foi um resultado e tanto, o que credenciou a candidata "verde" à projeção como liderança nacional e candidatíssima nas próximas eleições de 2014 (ano da Copa do Mundo).

Em diversos períódicos publicados na última semana e em comentários de especialistas em política, vejo as avaliações, teorias e justificativas para a arrancada final de Marina, que impossibilitou a vitória da candidata do governo Lula no primeiro turno. Certamente, e isto já está comprovado, Dilma não perdeu votos de seu eleitorado para Serra, mas sim para Marina. Foi o voto conservador, de eleitores cristãos e vinculados a igrejas evangélicas, que já constituem cerca de 17% do eleitorado nacional que deixou Dilma Rosseuf e seu padrinho Lula a ver navios, garfando valiosos 5% dos votos que a candidata petista precisava pra se eleger. Não foi Serra quem cresceu, mas sim Marina, e o comitê tucano, que já dava favas contadas essa eleição, fechando a bodega e indo chorar as mágoas com seu candidato, respirou aliviado do limbo de um fracasso eleitoral que se avizinhava, e ganhou força, sobretudo se apoiando não numa suposta "onda verde" da candidata do PV, mas sim numa "onda cristã".

Temas como o aborto e casamento gay pesaram na agenda da candidata do PT, quando uma boataria pela internet, movida a puro preconceito e oportunismo, a partir de um vídeo preparado e divulgado por um pastor da Igreja Batista no Paraná, além de declarações raivosas de um bispo católico contra os petistas,foi o estopim para uma midiática munição pesada que foi direcionada contra Dilma Roussef nos últimos dias do pleito eleitoral. Medo, ignorância, desinformação, contrainformação, fanatismo religioso e fundamentalismo foram usados contra a candidata do governo, numa cruzada antipetista que lembrava as Marchas por Deus e pela Liberdade, lideradas pela TFP (Tradição, Família e Propriedade), nos meses que antecederam o golpe militar que derrubou João Goulart e instaurou uma ditadura nos anos sessenta do século passado. Fascismo e direita religiosa fundamentalista andam de mãos dadas, e, por debaixo de uma agenda moralista calcada no tema da defesa da vida e da família, interesses escusos de setores antidemocráticos da sociedade passaram a tomar vulto, como fantasmas de tempos passados, intolerantes e autoritários, que já tínhamos esquecido, ou que os mais jovens só conheciam nos livros de história. Utilizar o nome de Deus para perpetrar atos violentos, discursos preconceituosos, mentirosos e outras barbaridades, não são novidade na nossa história. O fato novo é como isso se deu com tamanha força no processo eleitoral atual, tendo em vista que desde a eleição de 1989, a primeira depois da redemocratização do país, nunca o voto conservador tinha sido tão disputado, e o discurso para o eleitorado cristão colocado na ordem do dia das candidaturas presidenciais. Afinal de contas, não somos um país laico?

Como crente, sigo a lição do Evangelho: "dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus". Para um intérprete dos textos religiosos esta passagem bíblica ensina que não se deve misturar questões de fé com política, e se fé é assunto de Deus e não dos homens, que os homens cuidem de sua vida em sociedade através da política, em suas mais variadas formas, enquanto que na fé seja permitida a liberdade de crença, confissão religiosa e pensamento. Acredito que esse seja um dos principais ensinamentos da Bíblia que não foi levado em conta por alguns sacerdotes e líderes evangélicos no decorrer dessa campanha, quando precipitadamente condenaram a candidatura de Dilma como sendo a "candidata de Satã", por defender a discussão de temas como a descriminalização do aborto, a união homoafetiva ou mesmo a discussão sobre células-tronco.

Ora, descriminalizar o aborto não significa concordar com ele, mas sim adotar uma série de politicas de saúde pública que impeçam que mães jovens, pobres e totalmente desassistidas deixem de lotar clínicas abortivas clandestinas, arriscando suas próprias vidas e a de seus bebês, sem nenhum incentivo moral, material e psicológico para manterem sua gravidez e educarem suas crianças. A solução conservadora mais fácil não é apenas a de condenar o aborto, mas de punir a abortante, como uma verdadeira assassina, uma criminosa ao invés de ser vítima de uma sociedade excludente, patriarcal,intolerante e desumana com as mulheres. Desta forma, com o aborto sendo crime, milhares e milhares de mulheres vão continuar nas sombras, escondendo sua vergonha e seu sofrimento, pelo medo absoluto de serem presas, pelo fato de serem hostilizadas e intimidadas por uma legislação draconiana e equivocada. Não sou defensor do aborto, muito pelo contrário, assim como não esmoreço nas minhas convicções cristãs de tolerância e amor ao próximo; mas tenho bom senso! Algo que, a meu ver, desapareceu por completo nas mentes bitoladas de muito crente de carteirinha, que do alto de seu dízimo, acha-se o dono da verdade e acredita que quem discorda de seus pontos de vista é uma cria de Satanás!

Entendo piamente que aqueles que embarcaram no discurso alienante de lideranças religiosas retrógadas e oportunistas, apenas assim o fizeram pela completa desinformação que foi seguida durante os últimos dias da campanha eleiitoral, e pela ineficiência da candidatura governista de perceber os efeitos devastadores da difamação disseminada pela internet. Não demorou para que setores mais esclarecidos do segmento religioso no Brasil se pronunciassem repudiando as mensagens fundamentalistas e intolerantes contra a candidata do PT. Em e-mail recebido por mim, contendo pronunciamento proferido oficalmente pela Aliança de Batistas do Brasil, por exemplo, vi comunicado desse grupo religioso informando que não concordava com a estratégia político-religiosa de demonização do Partido dos Trabalhadores, e que primava em seu documento por  "reafirmar o compromisso histórico dos batistas, em todo o mundo, com a liberdade de consciência em matéria de religião, política e cidadania".

A introdução de assuntos de fé no segundo turno de uma eleição presidencial trata-se de uma medievalização da política, como se o país voltasse no tempo e, ao sabor do fundamentalismo religioso (seja católico ou evangélico), retornássemos aos tempos do Brasil Colônia, quando o direito canônico português vigorava por aqui e quaisquer questões de natureza civil eram resolvidas consultando não um juiz, mas sim um padre da paróquia. Ao invés de discutirem os candidatos os grandes temas nacionais tais como: emprego, geração de renda, segurança, estabilidade econômica, políticas públicas, saúde, educaçaõ, progresso e desenvolvimento, o que se viu nos últimos dias foi a tentativa de Dilma de bancar a carola e de Serra o bom moço conservador, defensor da vida e da família brasileira. Ha,ha,ha,ha,,ha,ha,ha! Não sei o que é mais ridículo!! Pra piorar veio à tona a frase infeliz de dona Mônica Serra, esposa do candidato oposicionista, dizendo a um camelô numa caminhada de campanha no Rio de Janeiro que Dilma era " a favor de matar criancinhas!". Pelo amor de Deus! Quanto bobagem! Quanto ignorância! Quanta sujeira! Quanta difamação!Quanto desinformação! Que deserviço grande ao povo brasileiro está fazendo o candidato tucano e sua trupe investindo no obscurantismo! Vamos parar com isso, minha gente!!! Deus, acuda-nos!!!!

Em tempo: para aqueles que, equivocadamente, deixaram-se levar pelo discurso abortista pregado em algumas igrejas, como forma de antipatizar o PT e sua candidata, optando pela votação na evangélica Marina, é bom saber que o estatuto do partido de Marina, o PV, também consta entre suas normas a defesa explícita do aborto, algo que não foi notado nos momentos finais do primeiro turno pelos assessores da campanha de Dilma. Acordem irmãos!!! O pior pecado é se deixar levar pela mentira!

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