Mais uma eleição disputada, mais quebra-quebras ideológicos e mais uma disputa acirrada onde o recrudescimento das paixões transforma o cenário eleitoral num "Fla-Flu de Maracanã lotado". Nada ruim nisso, que na verdade transmite a ideia da "festa da democracia" que tanto o marketing eleitoral quer impor no imaginário coletivo, pois é justamente nesses momentos que a população se politiza, debate francamente, com parco ou reconhecido conhecimento de causa, os problemas nacionais e o debate amadurece. Podemos ver todo tipo de argumentos: dos mais justos aos mais pífios, ignorantes, alienados e desarrazoados; mas também podemos ver e escutar verdadeiras lições cívicas, aulas de civilidade, patriotismo, compromisso ideológico e vinculação sincera e preocupada com os dilemas que realmente assolam nossa nação. E isso é muito bom! Viva a democracia!
Entretanto, não deixo de notar que vira e mexe, saí eleição, entra eleição, percebo nos argumentos e justificativas fajutas pra se votar nesse ou naquele candidato, mais uma vez a expressão genuína da ingenuidade e ignorância que traduzem o pensamento de certos eleitores. Alguns votos são baseados no comprometimento ideológico, seja pelo fato do candidato pertencer a um partido, grupo ou sigla que corresponde aos interesses e ideais de seu eleitores, seja porque outros votam naquele que já lhe prestou algum favor pessoal. Ainda tem aqueles que votam no candidato cujo carisma lhe despertou os sentimentos mais primitivos de adoração messiânica ou simplesmente paixão. O voto, da forma como é manifestado na democracia moderna, é um exercício dos três diferentes tipos de poder e dominação legítima tratados por Max Weber: tradicional, carismático ou legal-racional. Pode-se votar num candidato conforme a disposição de sua imagem numa coletividade, incorporando a figura do "senhor", do "doutor", do "pai", que fez muito por uma região, povo ou cidade (artifícios típicos do tradicional "coronelismo" no Nordeste, do "populismo" nas grandes cidades, ou do "caudilhismo" no Sul do país); ou se vota naquele candidato bonito, carismático, eloquente, empolgante, que só com sua presença física faz multidões se curvarem ante sua oratória brilhante e discursos emocionados (a eleição de artistas, comunicadores de televisão e inúmeros radialistas não me deixa mentir). Ainda temos o voto por força da legislação eleitoral, obrigados a votar naquele que pelas disposições legais ingressou no lugar do outro, tendo que votar porque é obrigatório por lei ou porque a lei diz que tem que se votar nele, por conta de uma determinação legal ( o voto nulo, como forma de protesto, ou o voto na Weslian Roriz, no lugar de seu marido impugnado no DF, são prova cabal de como funciona isso). Mas, fora a categorização weberiana, percebo um voto mais singelo, que em todas as eleições chama a minha atenção.
Trato não do voto, mas do não-voto por antipatia, por rejeição, por nojo. Creio que existem ainda poucos estudos acadêmicos para analisar os motivos que levam alguém não a votar, mas a não votar em um candidato. Sabemos que diveros motivos podem levar uma pessoa a gostar ou não gostar de outra, que são, em sua grande maioria, motivos éticos (não gosto de alguém se esse alguém me sacaneia). Entretanto, existe uma principal forma de antipatia que se vê na política, num pleito eleitoral, que diz respeito aquele eleitor que nunca teve contato direto (e nunca terá) com esse ou aquele candidato; e por uma frase dita por ele num certo contexto, num lugar, num determinado período de tempo, sua aparência, o tom de sua voz, a forma como sorri, deixa de sorrir ou se expressa, pode produzir em alguns verdadeira aversão, uma ojeriza, uma franca rejeição, como se aquele indivíduo que se candidatou a algum cargo fôsse incapaz de conquistar aquele eleitor. É como se um camarada feio ou desengoçado jamais conseguisse conquistar o beijo de uma bela mulher. Por que será assim?
Acompanho pela internet, caminhando pelas ruas, conversando com amigos ou mesmo vendo entrevistas com populares na televisão, como determinados candidatos (por mais consagrados nas urnas ou na opinião pública que sejam) conseguem promover uma antipatia flagrante em certos eleitores. No orkut, por exemplo, vejo algumas campanhas difamatórias, ou simplesmente a pregação do não-voto em Dilma (o que é legítimo numa democracia), fundados tão somente na biografia da candidata, ou no jeito supostamente arrogante, sério ou desprovido de carisma que ela apresenta, como se Dilma fosse apenas um "bibelô do Lula". Não adianta a candidata demonstrar nos debates de TV que não é apenas um "poste de Lula", que tem ideias próprias (por mais que se discorde delas), que chora, ri, enerva-se e se emociona como qualquer reles mortal, e que apesar da inexperiência em campanhas tem um passado respeitável e um currículo de préstimos ao país que revelam uma boa experiência administrativa. Parte desses eleitores que repudiam Dilma, não depositam seu voto nela não porque ela seja de esquerda, de um partido que simboliza o anticapitalismo ou seja adversário dos tucanos, ou porque ela represente um governo contrário aos interesses de uma elite dominante atroz que governou por séculos o Brasil, mas sim porque Dilma é Dilma. Dilma é um candidata que gera antipatias, porque ela não tem a cara de uma mulher que encante esse ou aquele eleitor ou eleitora. Não se vota em Dilma porque Dilma é chata, ou porque ela é séria demais, tem uma postura arrogante; ou seja, não se vota numa candidata porque ela se antipatizou junto a alguns eleitores.
Um exemplo maior de como é questionável e irrisória essa antipatia é o fervor quase religioso que alguns detratores de Lula tem em relação à imagem do antigo "sapo barbudo". Mesmo do alto de seus quase 80% de popularidade nacional e consagrado como um dos maiores governantes da história da república, Lula ainda é antipatizado por milhares de eleiitores de perfil mais conservador ou alienados mesmo, que não deglutiu ainda a imagem de um "operário no poder". Pertencem essas pessoas aos mais diversos segmentos e classes sociais. Podem ser empresários, jornalistas, donas de casa, trabalhadores rurais, religiosos, profissionais liberais, servidores públicos, militares, pessoas do meio artístico, intelectuais de universidades. Mas todos revelam no seu voto e nas suas motivações parte do preconceito que envolve uma imagem da qual antipatizaram. Afinal, quem vê cara não vê coração! E como uma imagem vale por mil palavras, por vezes basta a imagem de alguém que me desagrada para que essa imagem fique marcada para sempre. Vá entender o espírito humano!?
Desde mais jovem, desde a primeira campanha eleitoral para presidente de que participei até hoje, ainda encontro velhos militares, senhores aposentados do tempo de Forças Armadas do meu pai, que detém uma verdadeira ojeriza a Lula. Para esses senhores de pijama, ainda ficou marcada em suas retinas idosas a imagem daquele sindicalista barbudo, raivoso, inimigo da ditadura, promotor de greves, passeatas e paralisações, que marcou sua passagem na história ainda naquele comício da Vila Euclides, desafiando os militares, com helicópteros sobrevoando um estádio repleto de grevistas, produzindo baderna, segundo eles, desrespeitando a ordem e a paz pública. Para esses eleitores, Lula será sempre aquele torneiro mecânico semianalfabeto, oportunista, demagogo, que conseguiu passar a perna em milhões de brasileiros elegendo-se presidente, com sua pregação comunista, mesmo com seus erros de português. No meio artístico, célebre foram as declarações de Caetano Veloso contra Lula, ano passado, que acabou por fazer com que o músico baiano fôsse obrigado a se retratar publicamente, quando disse que antipatizava com Lula por ele não ter aquela cara simpática e barbeada de doutor, e de ser um cara chato, grosso e que ainda por cima falava mal o português. É uma antipatia rasa, anacrônica, autista, demente, senil, baseada numa total cegueira quanto à evolução histórica e a capacidade das pessoas de mudar e se transformar. Mas mesmo assim é uma imagem, e, repito, mesmo assim, pela democracia e pelo direito constitucional, é uma antipatia válida.
Agora, vejo a antipatia de certos setores da comunidade religiosa, de católicos a evangélicos, retribuir com o voto no primeiro turno da eleição, como manifestação de simpatia à candidata Marina, simpatia essa que condiz com a mesma antipatia que sentiram pela candidata Dilma, por não incorporar ela a imagem do semblante zen, contemplativo, cristão, quase filosófico da candidata do PV. Dilma com sua cara feia de ministra-chefe da Casa Civil e defensora do PNDH 3(Plano Nacional de Direitos Humanos, que dentro de suas cláusulas, previa a descriminalização do aborto), não conseguiu no primeiro turno, mesmo com toda a parafernália dos marqueteiros, encantar o eleitorado religioso com a imagem de boa moça, boa cristã, que encarna simpatia e assim evita a antipatia daqueles que separam a humanidade entre os salvos e os perdidos, os "do mundo" e os "de Deus". No cúmulo da confusão imagética de símbolos e sentidos é fácil ser antipatizado por segmentos religiosos mais conservadores, se você não se apresenta de todo barbeado, se a mulher usa maquiagem ou batom chamativos demais ou se o homem carrega um brinco na orelha ou um leão tatuado no braço. Dilma ou Lula talvez possam não incorporar para alguns a imagem daqueles que geram simpatia, seja por Lula aparentar com sua barba ser operário ou pobre demais, ou Dilma se apresentar como atéia de muito e religiosa de menos. O não-voto por antipatia é uma das mais intrigantes armadilhas da política para quem quer se destacar nesse cenário e o mais puro exercício de imaginação e criatividade a ser superado pelos marqueteiros, mas é sobretudo efeito de uma das expressões mais sérias e mais desejáveis para um e um milhão de eleitores que querem votar certo: a autencidade.
Ao ser autêntico, você corre o risco de ser antipatizado. Nem Jesus agradou a todo mundo, que o digam os fariseus, e na política, a arma para se combater a antipatia é a coerência. Não tenho medo de ser antipatizado por alguns alunos meus, leitores ou ouvintes, pela forma como me apresento, o que escrevo ou que falo, pois o que importa é ser autêntico e coerente com tudo o que penso e defendo. O maior trunfo do candidato numa eleição é não esconder sua cara, não adotar a política das "mil caras" como denunciou Dilma contra seu adversário Serra, no último debate eleitoral, mas sim mostrar a sua face como ela é, mesmo que ela não conquiste a adesão de todos. O importante para combater a rejeição antipática é se mostrar por completo, mostrar que apesar de não ter o sorriso dos sonhos de alguém, é possível possuir propostas, ideias e projetos que realmente seduzem o eleitor que lhe antipatizou, mesmo que sua imagem não lhe seja das mais agradáveis. Marta Suplicy em São Paulo, por exemplo, é conhecida por sua notória arrogância, seu jeito meio "perua" de origem quatrocentona e sua impiedosa rispidez com jornalistas e humoristas, o que lhe leva a perder votos com boa parte do eleitorado feminino paulista; mas, ao mesmo tempo, foi ela quem conseguiu uma votação abonadora para o senado por ter realizado grandes obras na metrópole paulista, ter criado os CEUs que são responsáveis pelo atendimento educacional de boa parte da juventude da periferia e por ter realizado uma reurbanização de espaços públicos degradados, que contribuíram para o turismo e reduziram a criminalidade. Se em Sampa já prevalecia o lema do "rouba, mas faz", agora o jargão que deve vigorar é o do "é antipático, mas faz"!
Nesses tempos de eleição que possamos ser capazes de votar segundo nossas consciências, não se deixando levar pela primeira impressão da antipatia, mas sim conhecendo melhor as propostas de alguém, mesmo sem ir muito com a cara dele ou dela. Ao insistir em escrever isso e repassar estas linhas para minha lista de contatos na internet, às vezes posso ser antipatizado como aquele cara chato que escreve demais e que quer obrigar todos a ler o que escreve, enchendo sua caixa de e-mails. Por favor, não me antipatize! Mas se for assim, paciência! A causa é justa!!
Consciente artigo Fernando!
ResponderExcluirDesde de sempre os eleitores tem essa opinião a cada eleição. Votar em fulano porque não gosta ou antipatiza com beltrano, as pessoas precisam entender que o favorecimento pela eleição de um candidato X não é para beneficiar uma só classe de pessoas ou um só tipo de política partidária, vai muito mais além do que isso. Já basta o falho sistema social em que vivemos, que por si só, independente de qualquer governante que esteja no poder, gera diferenças.
Na minha opinião, não existem propostas e projetos apresentados pelos candidatos isso é utópico e somente pra ganhar eleição. Aquele que seja eleito, e digo abertamente, prefiro que seja a Dilma, deve trabalhar para um bem comum, para favorecer não somente a classe A,B,C,D,E,F... sem definições, mas ao povo brasileiro, somos todos uma nação e a obrigação daquele que é eleito é assumir o seu papel como um funcionário entra na sua empresa e tem deveres e os cumpre porque pode ser demitido caso contrário. Um governante tem seus deveres e eles não estão lá realizando favores em troca dos votos que receberam na eleição. É trabalho e ele tem que cumprir com sua jornada diariamente independente de "propostas e projetos".
Valeu pela contribuição ao debate, grande amigo. Que continuemos em nossa caminhada cívica, "sem medo de ser feliz".
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