quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

EGITO: Revoluções por minuto-na tela do seu celular,no twitter ou olhando pela TV!

Hosni Mubarack é um tirano! Até pela cara feia dele, olhando pela TV, podemos reparar nisso (apesar de que quem vê cara, não vê coração). Durante 18 dias, o Egito e o noticiário do mundo todo foram sacudidos por um gigantesco levante popular, que cobrou democracia e a saída do velhor ditador, de 82 anos, do poder. Parece que 30 anos foi tempo suficiente para que toda uma juventude, crescida e educada conhecendo apenas um governante, enchesse o saco, e quisesse botar o velho faraó para correr. Mubarack já vai tarde! Mas quem vai ficar no poder?


Um dos maiores estudiosos da causa árabe, do pan-arabismo e da história das lutas anticoloniais do povo islâmico foi o finado pensador e ativista político palestino, Edward Said. Tenho em casa um de seus livros, o clássico Orientalismo, um livro que trata da história e da religião do povo árabe, feito por um palestino de uma família que abandonou o islamismo, tornou-se cristão (anglicano), e foi residir nos Estados Unidos; mas nunca renunciou as suas origens árabes e nem à defesa do povo palestino. Said tinha uma visão aguçada sobre a vida e a cultura do povo árabe, conhecia as ideosincrasias de pessoas acostumadas ao sol do deserto e aos cânticos do islamismo. O oriente tem sua sensibilidade, características próprias, um modo de vida singular, e para muitos de nós, ocidentais, é uma sociedade totalmente estranha e nova. A cultura árabe não se resume aos tabules, esfihas e quibes que comemos nas lanchonetes, graças à influência da imigração em nosso país e da presença de simpáticos senhores bigodudos ou senhoras de véu nas capitais do sudeste, e nem apenas na dança das  belas odaliscas, retratadas na caricatura de traços culturais de uma sociedade, apresentada nas novelas de Glória Perez. Os árabes são, até certo ponto, uns verdadeiros "ETs" para a nossa "civilizada" e Iluminista cultura ocidental. Uma sociedade altamente machista, conservadora, patriarcal, mas também com um forte sentimento de coletividade. É com esse sentimento que o povo egípcio ocupou as ruas do Cairo, querendo a renúncia de seu presidente.

Em certo sentido, utilizando-se o jargão sociológico, pode-se dizer que o mundo árabe vive uma revolução (em termos). Em primeiro lugar, deu-se no mês anterior a queda do ditador da Tunísia, Zein al Abidine Ben Ali, e, após, vive-se a conturbada cena política no Egito, que culminou com a queda de Mubarak.  Enquanto isso, em outras nações árabes, processos semelhantes começam a se agigantar. Se isso irá resultar em sucesso a longo prazo, só a história dirá.

Hegel, filósofo alemão do século XVIII, dizia que a razão conduz à história, e por debaixo desse conceito racional existe um espírito coletivo, que pode ser traduzido, no jargão popular, como a força do povo. Não é à toa que seduzido pela filosofia de Hegel, Karl Marx acabou por desenvolver sua teoria do materialismo histórico-dialético, trabalhando o conceito de luta de classes e revolução como fundamento básico. Hegel tornou-se um filósofo conhecido por subordinar o direito à política, e esta às peculiaridades culturais de cada povo, no seu processo revolucionário. Nesse sentido, para um hegeliano ou marxista desavisado, parece que o processo político no Egito assemelha-se a outros processos revolucionários que conduziram a humanidade no século passado, como a revolução soviética, chinesa e cubana. Ledo engano!

Vive-se hoje no mundo uma realidade globalizada distinta da primeira metade do século passado. Fora o aspecto econômico, com a situação de desemprego, miséria e preços altos por que vive o Egito, o processo político que parece se delinear naquele país árabe apresenta tinturas que envolve menos dimensões culturais e diferenças de classe do que aspectos superficiais da política. Apesar de quase metade da população egípcia hoje ter menos de 30 anos, e ter vivido toda uma existência com a figura de somente um presidente, é difícil para uma cultura fortemente enraizada no islamismo, pensar uma democracia em termos estritamente ocidentais. Os manifestantes nas ruas do Cairo pediram muito mais a saída de Mubarack do que uma transformação radical no sistem ou alteração abrupta de seu modo de vida. Afinal, com toda a crise econômica e política, o Egito ainda é tido como um dos roteiros turísticos mais visitados do planeta, com uma universidade bem desenvolvida, um comércio exterior nada desprezível e uma forte sociedade capitalista e de consumo, que convive ao largo da tradição. A melhor saída política para o Egito, se quer mesmo sair de uma ditadura e não chegar a se tornar uma teocracia, como se dá hoje no Irã (após uma conturbada revolução política há mais de 30 anos atrás), seria tornar-se um modelo de democracia islâmica, como hoje é na Turquia, e tenta ser (de forma mais turbulenta) o Líbano, após sucessivas crises internacionais.

E os Estados Unidos com isso?! É importante salientar que a manutenção de Mubarack no poder foi de interesse dos norte-americanos, pela sua clara guinada favorável ao poderio yankee e sua submissão ao acordo de paz com Israel, firmado por seu antecessor, Sadat, que pagou com a vida por isso. É de fundamental relevância para os americanos, que permaneça no poder um regime títere de seus interesses, como fiel da balança e motivo principal de equilíbrio na região, face à relação conturbada de Israel com seus vizinhos. A chegada ao poder de grupos religiosos radicais, no estilo do palestino Hamas ou do libanês Hesbollah, a partir de segmentos mais extremistas da Irmandade Muçulmana egípcia, seria um verdadeiro desastre na promoção das políticas de paz (e de submissão político-econômica aos EUA, leia-se: petróleo) nos países da região.

Além da Irmandade Muçulmana, único grupo político extremamente organizado dentre os fragmentados grupos de oposição ao governo, no Egito, algo que se tem a temer é a influência dos militares, como estamento dominante na política egipcia desde a sua independência da dominação britânica (todos os ex-presidentes do país eram militares ou tiveram apoio da caserna). É verdade que o processo político no Egito tem suas semelhanças e extremas diferenças com os processos ditatoriais que ocorreram na América Latina, no século passado. Mas também é verdade que a Junta Militar, que assumiu o governo após a saída de Mubarak, já disse que não tolerará mais distúrbios, e alertou a população de que os manifestantes deveriam voltar para casa, abandonando as ruas, aguardando o desdobramento do processo político, com novas eleições livres e democráticas, no mês de setembro vindouro. Poucos analistas acreditam que os militares, através do general Mohamed Tantawi, cumprirão a palavra, caso o processo eleitoral não seja acompanhado de perto pelo povo e por observadores internacionais. É muito cedo para se dizer o que acontecerá com o Egito nos próximos meses e nos próximos anos, para um povo que recém descobriu (ou ainda não descobriu de fato) o que é uma democracia, após tantos e tantos de dominação poderosa e submissão pelas armas, num governo extremamente corrupto e que fazia valer sua força pelo uso de eleições fraudadas, simulacros de um real processo democrático, ou por meio de regimes de exceção. A antiga terra dos faraós ainda parece temer o poderio magnético de suas esfinges, e ter meio que uma organização monárquica de viver, cultivada numa política baseada num extremo personalismo de seus líderes.

De qualquer forma, saúdo a iniciativa de milhares de jovens, homens e mulheres, que através das redes sociais na internet, organizaram-se em movimentos militantes, ocuparam as ruas, e por meio de celulares ou frases no twitter conseguiram impulsionar toda uma sociedade, para mudanças mais do que necessárias. Anseio que a juventude do Egito possa encontrar o seu caminho, ter a oportunidade de, ao menos, ser chamada para os processos decisórios e participar do debate democrático, construindo líderes e elegendo representantes. É tudo o que nós queremos em nossa mentalidade racionalista e ocidentalizada. Espera-se saber se isso que querem também os nossos parceiros árabes, sem que percam sua necessária e essencial identidade enquanto povo e nação. Que Alá os proteja!!

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