Neste momento, o presidente norte-americano Barack Obama retorna para sua terra natal, após ter sido saudado por brasilienses e cariocas. Num teatro de uma Cinelândia lotada, vi ontem, no domingo, um chefe de Estado se apresentar como popstar, apesar de receber, durante a semana, uma série de críticas, tanto no espectro político da direita, quanto da esquerda.
Aos meios de comunicação, de praxe, e como lhes soa mais claro, coube amenizar, por demais, a visita do presidente norte-americano, e seu impacto para a economia e para as relações internacionais do Brasil (principalmente a tão sonhada vaga no Conselho de Segurança na ONU), enfatizando muito mais sua família, os penteados e a moda dos vestidos da primeira-dama, Michelle Obama, além das simpáticas filhas do casal, que na sua pureja juvenil, o que queriam mesmo era curtir a viagem e conhecer um país diferente. Um Obama sorridente apareceu cumprimentando, com a mesma elegância e eloquência, tanto ministros e deputados, nos salões palacianos do poder, como também o povo, na comunidade carioca de Cidade de Deus, numa escola pública, na Cinelândia e até no morro do Corcovado, onde se dirigiu ao final de seu périplo presidencial. Que é simbólica a vinda de um presidente dos EUA ao Brasil, isso sempre ocorrerá. O que me chama atenção são as reações.
Perto de onde Obama discursava para a plateia brasileira, um grupo de 200 gatos pingados, à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas, representava movimentos sociais, sindicatos, centrais sindicais e associações estudantis, e dos carros de som podíamos ouvir gritos de repulsa, e protestos contra a visita de um presidente norte-americano, como se fosse uma afronta alguém que represente uma nação genuinamente capitalista, vir dar pitaco por essas bandas. Se congelássemos a cena no tempo, poderíamos nos lembrar de que, há mais de quarenta anos atrás, esses mesmos grupos se aglomeravam, aos milhares, discursando contra a ditadura, pregando a revolução, com seus "vários Vietnams" e primaveras de 68, denunciando o imperalismo yankee, o inimigo mortal, representado pelo mais emblemático líder da terra do Tio Sam: o presidente dos Estados Unidos da América.
O problema é que, hoje, não é mais Kennedy ou Nixon que estão no poder, e George W. Bush já saiu (felizmente) de cena, com seus tristes oito anos de retrocesso político e democrático no mundo globalizado, na sua guerra ao terrorismo com seus Patriot Acts e seriados de Jack Bauer na televisão. Quem está lá agora é Obama, e apesar de ser bastante diferente de seu antecessor (a começar pela cor da pele), parece que o encantamento mundial que surgiu com a vitória do primeiro afrodescendente a governar a nação mais poderosa do planeta, apagou-se com o último disparo de canhões e mísseis na Líbia, governada a mão de ferro por Kaddaffi, e agora, a bola da vez a ser chutada pelo tal "imperialismo yankee".
O bonde da história passa, e algumas frases, slogans ou palavras de ordem ficam datadas. Apesar disso, é muito comum, ao abrir as páginas de uma Caros Amigos ou ler alguns blogs de gente da esquerda, observar-se as mesmas críticas (fundadas ou não) sob a maléfica influência norte-americana nos rumos da economia e na condução da política global. Sabemos que Obama e seu governo não são bobos, e de boas intenções o inferno está cheio, mas o que me chama mais atenção é de como Obama, até então saudado pela esquerda moderada, como um representante dos seus, pôde naufragar como uma promessa vazia, assim como o fajuto trabalhismo de terceira via de Tony Blair, na Grã-Bretanha, também afundou após a farsa sobre a existência de armas de destruição em massa, num Iraque de Saddam Hussein. Obama chegou a Casa Branca como uma promessa autêntica de renovação, com seu irresistível slogan midiático: Yes,We can!, que conquistou toda uma juventude norte-americana para as urnas, numa bem orquestrada campanha que se iniciou na internet. Obama parecia ter tudo para dar certo: carisma, elegância, currículo acadêmico invejável, histórico de lutas como advogado de causas populares, posicionamento mais à esquerda dentro do ambiente político do Partido Democrata, pregações pacifistas contra a guerra e a defesa de uma rede de saúde pública, popular e gratuita para todos; uma biografia invejável de um filho de uma branca com um africano, que nasceu no Havaí e viveu na Indonésia, revelando o quanto o novo presidente era, ele mesmo, um grande representante do novo mundo globalizado.
"O homem certo na hora e no país errado". Essa foi a afirmação de reportagem da última semana da revista Carta Capital, que na sua capa mostrava um Obama deprimido e errático, dentro de um governo que não deu certo, naufragou diante da ofensiva republicana, ficando refém da mais reaçonária, racista, intolerante e alienada direita conservadora. Obama não soube ouvir os sinais de seu zeitgeist, e com isso, acabou por correr o risco de ser atropelado pelo bonde da história, quando caberia a ele mesmo fazer essa história. Nas razões bem explicitadas, na reportagem do semanário do jornalista Mino Carta, Obama não leu Roosevelt. Aquele que, assim como ele, pegou uns Estados Unidos no auge de uma crise econômica ( a Grande Depressão de 1929), soube peitar os empresários capitalistas, especuladores, e a partir da intervenção do Estado conseguiu reerguer a economia, restituir empregos, responsabilizar tributariamente os mais abonados e com isso levar a nação norte-americana, novamente, ao caminho do desenvolvimento. Obama, ao contrário, não cumpriu com suas promessas de campanha, como fechar a base militar de Guantánamo, onde pululam denúncias e mais denúncias de violação dos direitos humanos. Demorou mais do que deveria para retirar as tropas do Iraque e afundou num conflito no Afeganistão, onde até hoje não se sabe, se algum dia, definitivamente, a guerra contra os talibans será realmente vencida. Obama não conseguiu frear a ganância e o ímpeto destrutivo da grande indústria, não conseguindo impedir a continuação da emissão de gases tóxicos, que destroem o meio ambiente e comprometem a qualidade de vida no planeta, e ao propor uma rede de saúde pública e democrática para toda a população, acabou sendo acusado de comunista (coisa que ele não é), apanhando nas urnas com a vítoria do Partido Republicano sobre o Democrata, nas eleições parlamentares do ano passado, e tendo sua recente lei de saúde, aprovada no Congresso, questionada por juízes e tribunais neoliberais, em quase todos os estados norte-americanos, sob acusação de que sua lei de saúde pública é inconstitucional.
Resumindo o governo Obama em uma palavra, poderíamos dizer: desastre. Infelizmente, para muitos que torciam para que o charme de um negro simpático pudesse fazer chover e mover moinhos, parece que o mandato do presidente norte-americano caminha tropegamente para o fracasso, para a tristeza mundial, que acreditava que com a volta do Partido Democrata ao poder, caso não se visse o apogeu e a vitória dos direitos civis com Kennedy e Lyndon Johnson, ao menos poderiam ser vistos, quem sabe, os pragmáticos anos da era Clinton, nos anos noventa, com ou sem charutos envolvendo ex-estagiárias e escapadinhas no local de trabalho. Ao invés disso, parece que o mandato de Obama tende a se encerrar da mesma forma que o de seu companheiro de partido, Jimmy Carter, no final dos anos 70: com o término da vida política de um cara legal, comprometido com as causas democráticas, mas que não chegou a lugar nenhum , num país e num governo de alienados, consumistas, autoritários e gananciosos; pois, afinal: That is the american way of life!
Resta a Obama a satisfação pessoal de um pai de família, de ter garantido à esposa e às filhas um belo passeio por uma linda cidade, localizada nos trópicos, num litoral paradisíaco como é o Rio de Janeiro, em seu lindo horizonte da América do Sul. Se não conseguiu mudar o mundo, as relações imperiosas de submissão e sacanagem que sempre fizeram parte do vínculo entre Brasil e EUA, e se não conseguiu encantar com sua viagem seu eleitorado nativo (que já acha meio manjado esse papo de save the world do presidente norte-americano), Obama ao menos jogou para a torcida e fez o que sabe melhor fazer, como político e como pessoa pública: encantar. Restará na memória dos brasileiros, não melhorias substanciais ou transformações alvissareiras, por conta da visita do presidente norte-americano ao Brasil, governado por Dilma Roussef, mas sim a recordação dos sorrisos, do charme e da elegância de um presidente e de uma primeira dama, que mais pareciam modelos saídos de uma gravadora de soul music, do que de um chefe de Estado da nação mais poderosa do mundo.
Obama ainda terá pela frente seus próprios calos, seus próprios espinhos, através da direita raivosa e meio rottweiller do Tea Party, em solo norte-americano, além da demagogia explícita de canais como o Fox News ou os meios de comunicação a serviço do grande capital. Enquanto isso, nas ruas, ainda se verão gatos pingados clamando contra Obama, como se ainda estivéssemos nos tempos da Guerra Fria ou da ditadura militar no Brasil, queimando bandeiras dos EUA e bonequinhos do Tio Sam ou do presidente norte-americano. Só um detalhe: criticar o bombardeio à Líbia de um canalha como Kaddaffi? Aí, já é demais!! Não confundamos esquerdismo com burrice!! É pena, Obama, mas teu jargão se inverteu, diante da realidade global grotesca que vivemos: NO, WE CAN'T!!
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