quinta-feira, 19 de maio de 2011

METRÔ EM SÃO PAULO: O mundo e suas pessoas "diferenciadas".

São Paulo é a terra da garoa, dos sambas clássicos e adoráveis de Adoniran Barbosa, da Avenida Paulista e do "progressiu" do sotaque ítalo-brasileiro de bairros como a Mooca, Brás e Pompéia, ou da graça japonesa das ruas da Liberdade. É o palco histórico da célebre Revolução de 32, assim como dos comícios da Praça da Sé, do movimento das Diretas Já, em 1984, como também revela, entre prédios, pontes e viadutos, a beleza verde do parque do Ibirapuera, a modernidade nas pistas do autódromo de Interlagos ou dos prédios coloridos desenhados por Tomie Ohtake, a majestade do Edifício Martinelli, bem como também é um celeiro de cultura global, com seus museus, ateliês, teatros, cinemas, casas de cultura, livrarias, sebos, bibliotecas, shows, os músicos de rua do bairro de Pinheiros e uma centena de faculdades e universidades, espalhadas pela metrópole bandeirante.

Mas São Paulo também é a meca do capitalismo selvagem brazuca, a prova inconteste e exposta a olho nu das acirradas desigualdades sociais, do jogo de gato e rato de quem tem mais e de que tem menos. São Paulo é uma megalópole, uma metrópole global, onde circula a maior parte do capital na América Latina; mas São Paulo tem outra particularidade: seus meios de transporte, em especial o metrô.

Uma das maiores chagas ou um verdadeiro câncer em metástase eterna na metrópole bandeirante é sua deficiência de meios de transporte, implantados numa cidade cujo crescimento urbano foi intensamente desordenado, ao sabor dos caóticos processos de ocupação das urbes nos países latino-americanos de modernidade tardia. Pelo tamanho da cidade e a quantidade de sua população, as distâncias são imensas, os meios para se chegar de um lugar ao outro são dos mais dificultosos, e a extensa malha viária da cidade sempre foi altamente deficiente. O dilema que muitos países do Primeiro Mundo enfrentaram de maneira satisfatória, equilibrando investimento público em transporte coletivo de massa, junto com a contenção conscientizada do tráfego de veículos particulares (mormente em dias de semana), parece que nunca ecoou bem na cidade paulista. Ao contrário, sempre se investiu em mais e mais carros, e num momento histórico de transformação social, onde nos últimos 8 anos o poder aquisitivo da classe trabalhadora aumentou, e os postos de trabalho avançaram, incluindo os excluídos, todos os indivíduos integrantes, outrora, das classes "E" e "D", agora decidiram ter um carro, no momento em que galgaram de posição social,  transformando-se numa festiva classe "C".

Mas não há meio de transporte mais conflituoso e que expressa bem a cara de São Paulo que o metrô. Fundado tardiamente no Brasil na década de setenta do século passado (levando-se em conta que a Argentina já contava com metrô desde as primeiras décadas do século XX), o sistema de transporte público de metrô em São Paulo sempre necessitou de uma atualização, não apenas com o aumento de sua malha viária, mas também a partir de uma distribuição racionalizada de estações por toda a cidade, que propiciasse o acesso a um meio de transporte mais rápido e acessível, a milhões de trabalhadores que todos os dias deslocam-se de sua casas ainda de madrugada, no começo de cada dia, para encarar a labuta diária de ônibus lotados, vagarosos, num trânsito que é a antesala do inferno. Tudo isso para, após horas, poder chegar finalmente aos seus postos de trabalho, reiniciando o calvário no final de cada expediente.

Eis que na atual reforma do metrô, após a badalada inauguração da estação Pinheiros, toda com apoio da iniciativa privada ( após os tétricos desabamentos há dois anos atrás, com vítimas fatais, que mostraram a deficiência da obra), o atual governador do estado, Geraldo Alckmin e o prefeito Gilberto Kassab se vêem as voltas com uma nova polêmica: uma polêmica de classe.

Há poucos dias atrás, sabedores de que iria ser construída uma estação de metrô na rua Sergipe, nas proximidades da Avenida Angélica, moradores do elegante e tradicional bairro de Higienópolis enviaram um abaixo-assinado, com mais de três mil assinaturas ao governo do estado, revelando o protesto de quem, por sua condição de classe, não admite a convivência entre diferentes. No manifesto, os grã-finos e intelectulizados vizinhos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (que mora no bairro), revelaram seu medo de que a construção de uma estação do metrô em Higienópolis culminaria com dantescas cenas vistas em outros lugares, por onde passam as linhas do metrô, tais como: camelôs com suas bancas de bugigangas ao redor das estações, vendedores de churrasquinho, mendigos, proxenetas interessados na venda de passagens falsas, viciados em drogas, assaltantes trombadinhas e outros vagabundos de plantão. Curioso foi o teor até singelo da carta endereçada ao governador Alckmin, onde no decorrer do texto, segue-se a transcrição literal  das palavras que sintetizavam o porquê da ojeriza dos moradores de Higienópolis da chegada do novo meio de transporte em seu bairro: a presença futura de "gente diferenciada". Este também foi o entendimento de uma psicóloga, moradora do bairro, que numa entrevista a uma rede de televisão, fez crer que ida do metrô para o tradicionalíssimo bairro acabaria atraindo as classes populares, para o entorno tradicionalmente conhecido como point de uma clientela selecionada, de pessoas de classe alta e classe média alta. Pessoas também "diferenciadas", só que, nesse caso, diferenciadas para o bom e para o melhor.

O fato despertou a atenção da mídia brasileira, com notícias e manchetes que pululuram nas duas últimas semanas nos meios de comunicação, chamando a atenção da imprensa e dos grandes jornais. Não tardou para que até o ex-presidente Lula se pronunciasse sobre o acontecimento, chamando de preconceituosos os moradores do bairro, que não querem a construção do metrô, para que isso não atraía gente pobre para a região. Já alguns gaiatos na internet, logo iniciaram uma campanha nas redes sociais, conseguindo convocar centenas de manifestantes para participar de um "churrascão da gente diferenciada", onde estudantes, artistas e repórteres do CQC divertiam-se com o mote das piadas que se seguiam diante de estupefatos olhares de reprovação da elite paulistana. Sobrou até para o ex-candidato à presidência, José Serra, do partido de oposição ao governo, citado em algumas charges como principal representante de um eleitorado, que não gosta do "cheiro do povão".

Pois se cheiro de povo é o cheiro de churrasquinho feito nas banquinhas de camelô, à beira da escadaria das estações de metrô nas grandes cidades, parece ser esse o destino da futura estação Higienópolis, mesmo que o governo tenha alterado o plano inicial de construir a estação na Avenida Angélica, nas proximidades da Universidade Mackenzie, e ter decidido começar as construções na mais afastada rua Sergipe. De qualquer forma, o episódio que ocorreu em São Paulo reacendeu o debate sobre a luta de classes, segundo alguns jornais paulistanos, mas revelou principalmente, de maneira escancarada, o real preconceito que até então encontrava-se enrustido em numerosas comunidades de classe média da metrópole paulistana, que quando são atingidas diretamente, não medem esforços para destilar verbalmente toda sua carga de preconceito e discriminação social. Em recente pesquisa feita pelo Instituto Datafolha, a maioria dos entrevistados pertencentes às classes "D" e "E", trabalhadores subalternos, e que prestam os mais diversos serviços como empregados em condomínios luxuosos, garçons, zeladores, porteiros, empregadas domésticas e motoristas, concordam com a existência de metrô no bairro de Higienópolis, como forma de garantir um transporte mais barato e acessível para todos os trabalhadores que se deslocam para região. Afinal, transporte público é de interesse de quem, cara-pálida?

Nas maiores metrópoles do mundo, o sistema do metrô é bem vindo, geograficamente espalhado por toda a cidade e visto como uma iniciativa apoiada por todas as classes sociais, tendo em vista que num ambiente urbano, com trânsito desenfreado, poluição e uma quantidade imensa de veículos, ver o metrô funcionar é quase uma benção para quem defende um meio de transporte alternativo, organizado, não-poluente e que emprega milhares de pessoas, além de transportar milhões. Parece que no seu provincianismo, oriundo de um conservadorismo latente, em que os altos prédios  e mansões em Higienópolis, no passado abrigavam imensas xácaras e fazendas, os ricos moradores da região parecem às vezes se comportar como senhores feudais, ou como antigos membros da Casa Grande, onde os habitantes da senzala deveriam ficar bem afastados, de preferência, do outro lado da cidade. Mas eis que hoje a realidade é bem diferente, o Brasil é diferente.

Resta saber se irá prevalecer o bom senso, se o governo do estado de São Paulo não irá ceder aos mesquinhos interesses econômicos de uma elite insossa, e, ouvindo o clamor popular e a reprovação da opinião pública, finque de vez a estaca pela construção de uma estação de metrô em Higienópolis. A população pobre e trabalhadora de Sampa agradece. Já para o eleitorado serrista e tucano residente em São Paulo, mormente no bairro pivô do controvérsia, é no mínimo mais um revés para seu estilo de vida, ter que conviver com  pessoas feias e pobres, que podem sair de qualquer lugar, a partir do metrô. Enquanto isso, os trabalhadores que se dirigem para lá, encaixotados como sardinhas dentro dos ônibus vão à luta, pegando no batente, com a dor e a delícia de serem...................."diferenciados".

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