terça-feira, 12 de julho de 2011

HQs: O jornalismo em quadrinhos de Joe Sacco é um chute no saco da hipocrisia generalizada das guerras.

Histórias em quadrinhos são algumas de minhas paixões, tendo a estante recheada de livros, CDs, DVDs, jornais, revistas em geral e, é claro, HQs. É uma arte literária que vem ganhando reconhecimento nos últimos anos, sobretudo pela chegada ao Brasil  de grandes editoras internacionais como a Panini e a Conrad, que distribuem em grandes livrarias, e não apenas em bancas de jornal ,uma forma de leitura que deixou de ser monopólio do público infanto-juvenil e conquistou um grande segmento social adulto, intelectualizado e de formação universitária. São os chamados quadrinhos adultos ou de temática social, e nesses, obras-primas como Maus, do quadrinhista norte-americano Art Spiegelman, ou  Gen-pés descalços, do japonês  Keiji Nakasawa, são apostas certas de vendas, nas prateleiras dos vendedores de livros. Ambas são obras que tratam de conflitos mundiais: o primeiro, da história da briga entre gatos e ratos para retratar, na verdade, como pano de fundo, o horror do holocausto e da ditadura nazista; o segundo se refere às memórias do autor, criança na época em que a bomba atômica explodiu em Hiroshima e Nagasaki.

Nesse horizonte de histórias em quadrinhos tão interessantes e didáticas, eu destaco o papel do jornalista e desenhista, nascido em Malta e radicado nos Estados Unidos, Joe Sacco, que esteve no Brasil recentemente, na FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty), passando por São Paulo, onde deu algumas palestras. Os quadrinhos de Sacco também retratam o horror dos conflitos bélicos. Nesse caso, o conflito árabe-israelense e a tragédia dos palestinos, nas graphic novels "Palestina", de 1996, ou "Notas sobre Gaza", de 2010. Sacco esteve nas principais áreas de conflito do globo, convivendo com famílias de refugiados e todas as sofridas vítimas dos últimos sangrentos conflitos mundiais, capturando nas suas histórias as imagens de dor, sofrimento, ódio e esperança que nutrem todos esses povos.

Joe Sacco conseguiu aliar a profissão de repórter com sua grande paixão:os quadrinhos, criando um novo gênero literário, segundo alguns, chamado de "reportagem em quadrinhos". Através de suas gravuras, Sacco consegue transmitir amplamente a notícia, de uma forma que não consegue ser captada pelas câmeras, até porque equipes de televisão são proibidas nos territórios ocupados, e qualquer jornalista que se arrisque a ir muito longe, nesse tipo de terreno perigoso, pode pagar com a própria vida. Pois foi enfrentando o medo, a intimidação de fuzis, a pressão de soldados e a desconfiança de simpatizantes de grupos terroristas, que Joe Sacco entrou em lugares tão díspares, mas semelhantes no cenário de caos e destruição, como Gaza, na Palestina, ou Goradze, nos Balcãs, na antiga Guerra da Bósnia, conseguindo transmitir histórias impressionantes. Foi nesses lugares que ele conviveu com diversas pessoas, e fez amigos que vivenciaram o conflito, ouviu e relatou conversas de mães que perderam seus filhos, jovens com pouca fé no futuro ou nutrindo algum tipo de ódio no coração. Ouviu os dois lados do conflito, conversando com jovens e intelectuais em cafés, em Israel ou Tel-Aviv, como também presenciou cenas dantescas, como a ação da repressão, num Estado-Policial que finge ser democrático.

Mas, o que há de mais interessante nos livros em quadrinhos de Joe Sacco é a fidelidade jornalística que ele tem com a informação, não deixando que sua obra se transforme numa peça de propaganda, preferindo retratar as imperfeições dos dois lados do conflito, permitindo que o leitor faça um julgamento isento. Ora, se o conflito é narrado do ponto de vista das pessoas palestinas que vivem nos territórios ocupados, essa é uma opção estética válida, tanto quanto para aqueles que preferem relatar o cotidiano das famílias judaicas, vítimas cotidianas do terrorismo em Israel. É difícil não ter uma certa compaixão e até mesmo cultivar um sentimento de revolta diante do sofrimento passado pela população palestina, uma vez que eles podem ser comparados a tantos povos vítimas da opressão ou da injustiça, vivendo em favelas ou bairros miseráveis, como são muitos que desfrutam o cotidiano da periferia das grandes metrópoles na América Latina ou mesmo nos Estados Unidos, com seus guetos étnicos, entre hispânicos, negros e asiáticos. A experiência de ter conhecido de perto esses povos marcou profundamente  a experiência do quadrinhista e jornalista, afetando suas crenças na humanidade e sua esperança na resolução há curto prazo de graves conflitos globais, adotando sempre o ponto de vistas dos excluídos.

Discordo, portanto, quando alguns patetas da "nova direita", do alto de sua pose intelectualóide, de intelectual burguês, com seus cachimbos refinados, saem nos meios de comunicação propagandísticos do pensamento neoliberal, como a revista Veja ou Folhas da vida, achando que é reducionismo de esquerdista satanizar os israelenses e beatificar os palestinos, como se antissemitismo e antissionismo fossem a mesma coisa. Na verdade, lamento o holocausto sofrido pelos judeus, assim como lamento o governo de um Estado judeu massacrar bairros e famílias inteiras, com lançamentos de mísseis, invasão de tanques e tiros de metralhadora, em Gaza e na Cisjordânia, sob o pretexto de combater o terrorismo. Se não retratam apenas os traços mais brutais da violência, os quadrinhos de Sacco também servem para demonstrar o terror psicológico que vivem essas famílias, quando passam pelo sentimento de impotência de ver um ente querido seu, detido pela polícia, sem saber se ele retornará, ou quando temem que seus filhos saíam à noite pelas ruas, principalmente quando há toque de recolher, pois não tem a certeza de que eles voltarão vivos para casa. É realmente uma situação muito triste!

Mas é o fascínio revolucionário de adotar a causa dos injustiçados, que faz tão bem para certas pessoas fazerem jornalismo, denunciando ao mundo atrocidades e tentando mostrar um lado que as grandes emissoras não vêem. Para isso é que o trabalho, a escrita e os desenhos de Sacco seguem como referência obrigatória, para quem quer entender melhor os motivos de conflitos como os entre israelenses e palestinos, e torcer sempre para que um dia exista um final feliz. Afinal de contas, se nos contos de fada, contados antigamente nos mais pueris gibis, contentávamos-nos com o mundo de faz-de-conta da Turma da Mônica ou das histórias do Tio Patinhas, agora se o mundo é triste e feio, pela dura realidade relatada nas graphic novels, ao menos podemos esperar se algum Super-homem pode aparecer, senão com uma sunga vermelha por cima de uma ceroula azul, que ao menos seja de paletó e gravata, numa grande sala oval fechada, acompanhado ou não de seu staff de assessores, mas que tenha ali à disposição uma caneta, já que não tem a visão de calor ou superforça, e ao menos tenha a dignidade de assinar um acordo de paz, ou um tratado, reconhecendo mutuamente o direito de exitir um Estado palestino, ou de que tantos povos possam ter definitivamente a paz, nem que seja para constatar tristemente que a necessidade de reconstrução de suas vidas vai depender de reconhecer seus próprios erros, e que essa reconstrução poderá levar vários anos. Torçamos para que, enfim, a Liga da Justiça consiga se sobrepor à Legião do Mal. Os quadrinhos de Joe Sacco estão aí para demonstrar isso.

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