segunda-feira, 10 de outubro de 2011

MEMÓRIA: Steve Jobs - morre o gênio, fica a obra.

Fica difícil imaginar aqui o que escrever levando em conta tudo o que já se escreveu, durante toda a semana, sobre a morte do fundador da Apple, Steve Jobs, considerando as homenagens, a cobertura midiática durante um dia inteiro em canais como a Fox e a Globo News, debates e entrevistas falando da contribuição do gênio irriquieto de Jobs para a humanidade, a romaria de fãs, admiradores, viciados em informática e consumidores, que lotaram as lojas dos produtos da Apple em todo o mundo, apontando os seus tablets em sinal de respeito, com a imagem de uma vela acesa no monitor. Parecia que tinha morrido um mártir, um santo, uma estrela de rock, um governante, um ídolo pop. Por trás do fascínio que o homenzinho alto e magro, de óculos de aro fino, nascido em San Francisco, California, exercia, estava um simples homem, mas um homem que mudaria para sempre a face do final de um século e do começo de outro.

Como todo blogueiro oportunista, que escreve de tudo, sobre todos os assuntos, os obituários de gente famosa ou importante são sempre o momento certo pra "tirar uma casquinha" e arrumar o que escrever pra preencher espaço. Confesso! Mas, para que a minha narrativa seja, ao menos, original, creio que devo legar neste texto minhas impressões pessoais sobre Jobs, a admiração que eu poderia ter (e milhares tem por ele) e fazer o honesto reconhecimento de sua contribuição para o capitalismo e para o avanço tecnológico. Sim, porque a tecnologia só se desenvolve no capitalismo (perdoem-me os companheiros socialistas). É preciso que exista algo para vender, algo decente, acessível, disponível para o mercado, para que conglomerados, holdings e empresas liberem financiamento para que pesquisas se desenvolvam, novos artefatos sejam inventados e testados, e assim o bonde da história continue sua caminhada, da evolução da roda até o software, sob o vaticínio do lucro e patrocínio do interesse econômico.


Foi numa das revistas símbolo do capitalismo que vi, pela primeira vez, nos anos oitenta, Steve Jobs, numa entrevista feita à revista Playboy (antes das gozações, afirmo, para quem acredita ou não, que mesmo na minha adolescência eu folheava a revista não só para ver belas mulheres nuas, mas também para ler as entrevistas). Naquela época, eu não tinha a menor ideia do que seria a gigante que se tornou a Apple, de como uma dupla de jovens programadores (Jobs e seu xará Steve Wozniak) tinha revolucionado a tecnologia, criando o computador pessoal, e fazendo com que aquelas enormes geringonças dos filmes de ficção científica e do seriado Star Trek, deixassem de ser usadas apenas por militares e passassem a ser encontradas em qualquer escritório ou casa, na forma do tosco Apple II .Naquela época, o que vi foi mais um jovem com cara de cantor de rock, de banda new wave dos anos oitenta, com uma simpática gravatinha borboleta e um ar triunfante, de quem havia conseguido faturar milhões, a partir do desenvolvimento de uma engenhoca, que seria o primeiro computador pessoal: surgia a era do Macintosh.

Digo que é mentira aqui, se qualquer um dos leitores deste blog que viveu no Brasil nas décadas de oitenta e noventa, disser que passou a vida usando Macintosh. Na verdade, no Brasil e em muitos países da América Latina vivemos uma colonização da Microsoft, impulsionada pelas vendas do Windows, sistema operacional desenvolvido por Bill Gates e que passou a ocupar, gradativamente, todas as mesas das empresas e lares brasileiros, no decorrer dos anos, e que até hoje é o único software disponível em muitas lojas de computadores. O período de esquecimento de Jobs e de seus computadores (muito mais bonitos, modernos e velozes que as máquinas de Gates), tem haver com o período de declínio da Apple, e da saída de seu principal fundador, que, brigado com seus ex-sócios, decidiu sair da empresa que ajudou a fundar, tentando se aventurar (durante um tempo, sem sucesso) na criação da empresa NeXT, até comprar sua "galinha dos ovos de ouro" e mostrar a capacidade de se reinventar como empresário, comprando e revolucionando uma pequena empresa de animação que já se encontrava falida, a Pixar, transformada por ele num gigante  da animação, com direito a filmes concorrentes ao Oscar e o sucesso do desenho Toy Story (quem é que não se lembra?), até ser comprada pela Disney por uma soma bilionária. Foi o suficiente para a Apple chamar seu antigo dono de volta.

Aqui vai minha segunda lembrança de Steve Jobs, agora já nos derradeiros anos da década de noventa, com uma aparência bem diferente daquele moleque cabeludo de 15 anos atrás, agora revelando um senhor maduro, meio calvo, ainda sóbrio e elegante, mas agora vestindo uma camiseta de gola mais informal, uma transada calça jeans, um par de tênis e os indefectíveis óculos. Agora, Jobs passava da imagem de cantor de rock para  a de professor universitário, mostrando com didatismo seus novos inventos, revelando ao mundo aquela que seria, talvez uma de suas maiores criações, após ter criado o primeiro computador pessoal, ainda na década de setenta. Surgia o I-Pod, uma máquininha pitoresca, que mais parecia um telefone celular sem teclas, que revolucionou o consumo de música para sempre, a partir da criação do compartilhamento de músicas em arquivos de MP3. A contribuição de Jobs foi aproveitar o avanço dessa tecnologia, a necessidade de um novo mercado consumidor na internet, ávido por consumir música através de downloads, e sua criação praticamente aposentou o CD, como também fez com que artistas, gravadoras e donas de lojas de discos revissem suas estratégias de mercado, para continuar sobrevivendo. Como se não bastasse, Jobs aproveitou o I- Pod para criar o I-Phone, agora mexendo diretamente nas telecomunicações, revolucionando também, de forma semelhante, a comunicação telefônica, no momento em que no lugar do celular ele desenvolveu os smartphones, aparelhos que combinavam as funções de telefone, com o de tocador de MP3, gravação de áudio e video; ou seja, um I-Pod misturado com telefone. Sucesso arrebatador!

Mas a grande criação de Jobs ainda estava por vir, na terceira vez que eu vislumbrei o genial criador da Apple. Agora muito mais magro, abatido e sem o visual viril da juventude. Um Jobs já doente, mesmo corroído pelo câncer, anunciava ao mundo seu retorno ao jogo por cima da  computação, através da criação do I-Pad; inaugurando a era dos tablets, que viriam a substituir os formais notebooks, assim como esses substituiram na vida doméstica, acadêmica e empresarial os antigos computadores de mesas, chamados de desktops. Através de uma dessas engenhocas, tão fina quanto a folha de um caderno, podiam ser unidas as funções de computador, comunicador e entretenimento multmídia. Foi o canto do cisne de um inventor que, num comovente discurso na Universidade de Stanford, em 2005, reprisado à exaustão nos canais de televisão após a morte do palestrante, demonstrou que distante da aura de gênio divino, estava um homem com todos os conflitos e inseguranças de uma pessoa comum,  filho de pais adotivos e que largou a faculdade seis meses depois de ter entrado, e que, num momento tão delicado da vida ao descobrir a doença que o mataria, sabia da efemeridade de nossa passagem pelo tempo, e do fim de uma etapa convertida num ciclo vital de tantos êxitos, poucos fracassos e muitos sucessos. Não seria a fama, a fortuna ou a avalanche de bilhões de dólares que conseguiu com suas invenções, que Jobs driblaria a morte, evitando o fim iminente. Pelo contrário, o inventor do Apple II e do I-Pad, num raro momento de humildade, reconheceu a trajetória inteira de uma vida como errante e enigmática, e ao invés de glorificar a si próprio, percebeu o quanto a vida é passageira, enquanto que as obras que deixamos para trás podem durar uma eternidade. Assim se deu com outros grandes inventores, desde Arquimedes, passando por Tomas Edison e Santos Dumont. E assim se deu com Steve Jobs.

Jobs era programador de profissão, mas um artista por vocação. Sua grande contribuição para a tecnologia passa longe da simples criação de máquinas eficientíssimas e modernas, mas sim pelo design inspirado que reservou a todas elas. Foi isto que o tornou um ícone pop, transmutando as viagens lisérgicas da juventude, com a experiência com LSD e a adesão ao budismo, às suas obras tecnológicas. Não interessava apenas a Jobs o bom funcionamento de seus produtos, mas também a beleza de seus formatos, o requinte, e o conforto das formas, como que passando tranquilidade para seus usuários. Foi assim com o monitor de seus primeiros Macintoshs, foi assim com seus I-Pods, I-Phones e I-Pads, revelando os traços de alguém que mesclava ciência com arte. Se, como executivo, Jobs tinha a fama de chefe durão e quase insuportável, cobrando horas intensas de trabalho de seus pupilos, acompanhando rigidamente cada etapa do processo de criação de seus aparelhos, tal conduta pode ser justificada pelo perfeccionismo do artista que não se preocupava apenas em vender um bom produto no mercado, mas também encantar seus consumidores com verdadeiras obras de arte. E nesse sentido, o norte-americano teve sucesso absoluto.

Com a morte de Steve Jobs, ele passa de ídolo para lenda, recebendo homenagens até de seus concorrentes, como um aposentado Bill Gates, que outrora idolatrado pela mídia (até a Microsoft ser acionada na Justiça por acusação de monopólio), também reconheceu a genialidade do colega. Ou, afinal, o Windows seria ou não seria uma cópia simplificada do Macintosh? Polêmicas a parte, dificilmente aparecerá um gênio da computação com a versatilidade de Steve Jobs, mas também sabemos que os gênios, assim como as pessoas comuns, não são eternos. Felizmente, o que sobra para nós, pobres mortais, é a contribuição que esses grandes homens deram para a humanidade, e não foi pouco. Para os que acreditam, talvez Steve Jobs esteja num plano espiritual melhor, em outra dimensão ou então se converteu em alguma nova fonte de energia vital, que além da eletricidade, anima seus computadores. Quem sabe? A única coisa que sei é que cada vez que ligo um desses aparelhinhos não me esqueço de seu criador, aquele homenzinho de camisa preta, calça jeans, tênis e óculos de aro, que agora ficarão para posteridade, até o próximo "Click"!!

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GAZA

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Até quando teremos que ver isso?