A atriz Jennifer Lawrence é a mais nova grande sensação das jovens atrizes de cinema norte-americanas, como de todas que aparecem todos os anos, numa indústria que nunca cansa de se refazer. Com apenas 22 anos, ela foi indicada ao Oscar deste ano, de melhor atriz, pelo filme "O Lado Bom da Vida" (Silver Linings Playbook). Bem diferente da personagem que a fez concorrer anteriormente no mesmo prêmio há três anos atrás, no drama "Inverno da Alma", aqui, Lawrence participa de uma comédia dramática, onde as agruras dos personagens servem como tema para uma bem humorada estória contando de coisas ruins.
Mas como é que isso? É possível falar bem humoradamente de coisas ruins que nos acontecem, principalmente se elas se dão no aspecto afetivo? O mote principal do filme dirigido por David Russel ( de "O Vencedor") é exatamente esse: o de colocar o espectador na condição daquele segundo observador que já se passou pelo primeiro, vivendo um certo drama já vivido por ele mesmo, em situações de desemparo ou abandono. Afinal de contas, quem nunca lamentou a perda de um estilo de vida ou de um relacionamento e teve que recomeçar do zero, reconstruindo tudo de novo?
Esse é o fio condutor principal do roteiro de "O Lado Bom da Vida". Não se trata de um filme absolutamente original, pelo contrário, é até previsível (meio "feijão com arroz" para alguns); mas o que o marca em sua previsibilidade é a riqueza de detalhes que podem ser explorados no roteiro e que tornam o filme tão charmoso e interessante, como num longa-metragem de sessão da tarde que nos deixa com sorrisos no rosto. O filme trata da história de Pat Solitano Jr., um professor de história desempregado, e com transtorno bipolar, que ao flagrar a esposa em casa, transando com outro homem, entra em surto, causando-lhe consequências nefastas. Meses após o incidente, ao sair de um manicônimo judiciário, Pat é levado aos cuidados da família, especificamente de seu pai, Pat Senior (interpretado por Robert De Niro) e sua mãe Dolores ( a veterana Jacky Weaver). Recusando-se a tomar sua medicação, Pat vive em delírio, obcecado por reconquistar a mulher, mas impedido disso por conta de uma ordem judicial proibindo-o de vê-la. Sob ameaças contantes de retornar ao isolamento psiquiátrico, ele vive então situações para lá de constrangedoras, associadas com seu estado mental e nas discussões com seu psicoterapeuta indiano, que revelam, na verdade, uma imaturidade emocional angelical ou quase pueril, pois Pat ainda é um dos daqueles adultos que vive um romantismo adolescente de que tudo levará a um final feliz.
É em suas peripércias na busca do reencontro amoroso que Pat encontra Tiffany, a personagem de Jennifer Lawrence, cunhada de um de de seus amigos que é tão ou mais perturbada emocionamente do que Pat. Tiffany é uma jovem viúva, sem filhos, que ao perder o marido muito cedo, também perde o controle de sua vida, e levada pela carência perde o emprego, após ter se relacionado sexualmente com todos os funcionários da firma onde trabalhava. Pat e Tiffany se completam, mas ainda não sabem disso, e quando Tiffany conta a Pat detalhes de como se relacionava com os colegas da firma numa lanchonete, vemos uma das cenas mais hilárias (e também bastante fortes emocionalmente) do filme. Pat e Tiffany firmam pacto de amizade, onde decidem se ajudar mutuamente, dentro das paranoias de cada um, e a partir daí se desdobra toda uma bela história.
Assim como "Melhor é Impossível" que rendeu pela terceira vez o Oscar de melhor ator para Jack Nicholson e revelou a atriz Helen Hunt, também em "O Lado Bom da Vida", o casal de protagonistas apresenta uma boa química, suficiente para sólidas indicações ao prêmio máximo da Academia, caso a premiação deste ano resolva homenagear, novamente, uma boa comédia. Em ambos os filmes fala-se de doença mental (no filme de Nicholson, o transtorno era obssessivo-compulsivo e no filme atual, um dos protagonistas é bipolar e a outra, ninfomaníaca), e neles temos personagens emocionalmente perturbados, mas que vão melhorando gradativamente à medida que conhecem outras pessoas e a si próprios, obtendo sua redenção. Não são apenas Pat e Tiffany quem precisa de ajuda, pois o pai de Pat é supersticioso, viciado em apostas e vê partidas de futebol americano todos dias, sendo proibido de frequentar os estádios por provocar brigas. Um dos melhores amigos de Pat tem um casamento disfuncional, que, segundo ele, nas horas sufocantes o faz se trancar na garagem com seu I-pod, ouvindo Metallica e Megadeth, enquanto que um dos amigos que Pat fez no hospício vive fugindo do internamento, indo para a casa de seus pais. No final das contas, com as loucuras de cada um, todos querem, apenas, ser felizes.
Ora, para os que acusam o filme de ser um tanto óbvio quanto à busca de um final feliz, será que não é isso que todos procuramos? A cena em que Pat acorda seus pais de madrugada, após ler "Adeus às Armas" de Ernest Hemingway, jogando o livro pela janela, ao reclamar de seu final é uma das grandes tiradas do filme. Já passei por momentos complicados da minha vida, assim como vi amigos queridos passarem por situações semelhantes ou até piores, sentindo a experiência da perda, simplesmente para poder recuperar a autoestima e conquistar a maturidade, obtendo experiências novas. Foi assim que conheci minha esposa, por exemplo, e foi assim que muitos amigos meus obtiveram a felicidade, no momento em que souberam dar a volta por cima, e, como diz no título original do filme, conseguir "ler nas entrelinhas", as silver linings que dão toda a diferença na vida de Pat e Tiffany, no decorrer do desenvolvimento da estória.
Indicado a 8 (oito) Oscars, inclusive de melhor filme, diretor, ator para Bradley Cooper, atriz para Jennifer Lawrence, além de concorrer também De Niro como ator coadjuvante e Jacky Weaver como atriz na mesma categoria, o filme também é forte favorito na categoria de roteiro adaptado, podendo sair da noite de premiação como um dos grandes vencedores (ou compartilhar prêmios com outros filmes tão bons quanto). Como pode se ver, não é à toa que o filme concorre em todas as categorias principais de interpretação (tanto para ator e atriz principal quanto para coadjuvantes), pois, se o roteiro trata de um simples história de amor, é a atuação dos atores que segura o filme, dando-lhe toda uma cor especial, podendo ser "O Lado Bom da Vida" o típico "filme de ator", em que seus personagens atuam prazeroamente, dando brilho em suas interpretações, provocando cenas e diálogos memoráveis, que deixam seu lugar na história do cinema. Além de linda e adequada ao papel, Jennifer Lawrence dá todo o contorno da heroina romântica, quando aparece na tela, e sua desenvoltura diante de um consagrado Robert De Niro, num divertido duelo de interpretação em que o velho ator, ao final, entrega os pontos, é de cair o queixo. Ela pode até não ganhar o Oscar, por concorrer com outras atrizes mais maduras e igualmente talentosas (como Jessica Chastain por "A Hora Mais Escura" ou a veterana atriz francesa, Emanuelle Riva, por "O Amor"), mas, com certeza, já ganhou nossos corações ao interpretar a carente, mas adorável Tiffany. Se ainda não viu o filme, EXCELSIOR para você, meu (minha) caro(a)!
Então, se você ainda não o assistiu, vale a pena ver que "O Lado Bom..."merece ser assistido, ao menos para se ter a certeza de que o lado ruim a gente pode conhecer, mas o lado bom, muitas vezes a gente não percebe que se encontra bem debaixo de nossos narizes, além das entrelinhas. OBS: Dica para a música-tema do filme, Always Alright, da banda norte-americana de folk e blues, Alabama Shakes, que se apresentará no Brasil no festival Lolapalooza, em março de 2013, que representa bem o espírito do filme.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Coloque aqui seu comentário: