sábado, 9 de junho de 2012

HQS: As constantes reviravoltas do Universo DC, redefinindo as histórias em quadrinhos no século XXI

Histórias em quadrinhos são para crianças?? Quanta bobagem!! Há mais de vinte anos, os antigos gibis, muito comuns em bancas de jornais e revistas, disputados arduamente por crianças e adolescentes como eu fui há trinta anos atrás, há tempos foram substituídos pelas graphic novels (ou "romances gráficos"). São edições encadernadas, volumosas, com acabamento mais refinado e páginas de melhor qualidade (e por isso, mais caras). Geralmente, nessas revistas as histórias invariavelmente gravitam por temas adultos, complexos, até intimistas, mesmo que protagonizadas por mascarados uniformizados e dotados de superpoderes, seguidos por uma arte bem elaborada e complexa, que já destoou décadas dos antigos desenhos feitos em econômicas gravuras situadas em pequenos quadros desenhados em cada página, da época de desenhistas como Jack Kirby, Sal Buscema, John Romita e Jim Steranko, cujo trabalho e formatação de suas estórias deram o nome desse tipo de literatura ("quadrinhos").

Na verdade, acredito que as histórias em quadrinhos envelheceram junto com o seu público; amadureceram há ponto de hoje, cada vez mais, serem vistos trintões e quarentões lotando não mais a banca do jornaleiro, como faziam outrora seus alteregos mais jovens, mas sim povoando as livrarias em busca de novas e cada vez mais elaboradas coleções. Faço parte, com orgulho, dessa última categoria de leitores, tão apaixonadamente nerds, que entre um ou outro seriado de Big Bang Theory, divertem-se e muito, deixando seus livros de mestrado e doutorado de lado, para se deleitar com as histórias de seus heróis, sejam eles da editora "A" ou "B".

Por falar em editoras, estou acompanhando avidamente os últimos acontecimentos desenvolvidos na clássica editora norte-americana, Detective Comics, mais conhecida como DC, a grande concorrente mundial da Marvel, comprada há alguns anos pelo grupo Time-Warner, enquanto que a Marvel acabou pertencendo a Disney, Esta última montou um estúdio cinematográfico próprio e agora colhe as glórias de levar seus super-heróis para a telona do cinema, como bem demonstra a bilheteria de bilhões de dólares do filme Os Vingadores e do êxito de filmes anteriores como Thor e Homem de Ferro. Enquanto isso, a DC, procura reformular sua linha de personagens e redimensionar seu próprio universo quebrando tabus (como revelar que um dos heróis de seu catálogo clássico é gay), matando e ressuscitando mitos antigos da editora (como foi o caso do Super-Homem, Flash e Lanterna Verde), tentando sair do atoleiro de suas dívidas e da baixa de vendas de seus gibis nas últimas décadas, acompanhando a crise econômica. Gosto dos títulos da DC porque seus diretores não tem medo de arriscar, mesmo afetando a mística de personagens tão conhecidos do público há tantos anos (como o Batman), mas procurando sair da mesmice, dando liberdade criativa aos seus roteiristas e escritores, trazendo até a DC um time de gênios da literatura como Brian Azarello, uma espécie de "Martin Scorcese dos quadrinhos", talentos  Grant Morrison ou Geoff Johns.

Para quem curte quadrinhos e fica ligado no tema, não deixa de ser interessante as reviravoltas que se dão no Universo DC, com suas múltiplas "terras paralelas" e a infinidade de destinos diferentes que podem ter seus personagens, que deixam até tonto o mais tradicional dos leitores. Entretanto, as alterações das histórias da DC não vem de hoje; e assim como a Marvel, passaram por bons momentos de transformações que vale a pena recordar.

O grande salto nas histórias de ambas as editoras se deu nos anos oitenta, no século passado, quando o amadurecimento do público que já me referi fez-se sentir nas novas abordagens de cada um dos personagens das sagas da DC. Sendo fã de quadrinhos quem é que não se lembra da Crise nas Infinitas Terras, em que um envelhecido Super-homem de uma Terra paralela, lutava junto com o Super-homem mais moderno, numa aventura que redefiniu o universo de heróis da editora? Existiu também o pragmatismo dos editores em tentar dar linearidade e coerência a um universo bagunçado de personagens que iam e voltavam nas diferentes décadas, desde a década de trinta (visto que a DC é mais antiga que a Marvel) e que se reencontravam novamente em diversos episódios da Liga (e antiga Sociedade) da Justiça. Era preciso explicar ao grande público, e, principalmente, às novas gerações, porque um personagem como Batman ainda merecia ser lido em plena era do surgimento da cultura digital, quando o herói foi criado ainda na época da Grande Depressão Americana. E mostrar que um Super-Homem não seria tão vetusto a ponto de não conquistar novos e ardorosos fãs. Para isso foi necessário reinventar, recontando a história desses personagens. A partir daí, em cada nova década que surgiu a partir de então, a DC não parou mais.

É bem verdade que a Marvel também fez suas alterações, e expandiu seu universo, seja através da saga Guerras Secretas, ou do surgimento do selo Ultimate, onde os personagens eram apresentados com suas histórias recontadas, ou com novos alteregos para as novas gerações. Porém, atrevo-me a dizer que nenhuma delas conseguiu ter o impacto e a relevância editorial que as histórias que sua rival começou a publicar. Talvez uma das grandes sacadas da Marvel foi ter publicado na década passada a série Dinastia M, onde a personagem Wanda, a Feiticeira Escarlate, irmã de Mercúrio e filha de Magneto, enlouquece com a morte de seu marido, o Visão, e o aborto de seus filhos gêmeos, criando em seu delírio uma realidade alternativa, onde os mutantes governam a humanidade, vários super-heróis tiveram sua história recontada, e Magneto é o seu principal soberano. Tudo bem, a série é muito legal, porém, ainda parece uma série dos X-Men e não uma saga que envolva todos os personagens da editora, redifinindo seu status, e mesmo seu futuro. Voltando a DC, lembro-me, recentemente, de Crise de Identidade, talvez uma das mais sombrias e adultas séries da editora a ilustrar o histórico de edições da Liga da Justiça, mostrando a dor de heróis clássicos como o Homem-Borracha, ao descobrir que sua esposa foi brutalmente assassinada por um serial killer, e de como a morte de alguns personagens me impactou. Até hoje, estórias como a morte de Jason Tood, o segundo Robin, conseguem me deixar emocionado, na saga escrita por Jim Starlin e desenhada por Jim Aparo, em 1989, onde vemos um Batman perplexo (e posteriormente paraplégico), diante de seu inimigo Coringa, autor do terrível assassinato de seu jovem parceiro. Seguiram-se obras-primas como A Piada Mortal, também sobre o homem-morcego, escrita por um genial e inspirado Alan Moore, que recontou a história do Coringa, bem como A Morte do Super-Homem, nas mãos do vilão Apocalipse.Divulgada exaustivamente pela mídia, na época de seu lançamento, a revista serviu para reaquecer as vendas dos gibis da DC, bem como na série de retorno, quando o super-herói ressuscitou.

Um comentário especial ao selo verdadeiramente adulto da DC: o Vertigo. Através dessa divisão da editora, responsável por obras recomendáveis somente para maiores de 18 anos, vemos que a DC ganhou mais destaque, conquistando o público adulto de vez, uma vez que suas estórias envolvendo terror, contos policiais, mistério, ficção científica, violência e sexo, com narrativas bem cinematográficas, mereceram destaque (e prêmios) pelo mundo, mantendo o caixa da editora em alta, apesar dos percalços com seus personagens clássicos entre o público infanto-juvenil. Destaque para a série Hellblazer, com o icônico personagem Johnny Constantine (interpretado no cinema por Keanu Reeves, numa péssima versão em filme), ou as séries do Monstro do Pântano, Casa dos Mistérios, 100 balas (do escritor Brian Azarello, como disse e não canso de repetir: um Martin Scorcese ou um Tarantino dos quadrinhos, junto com o competente desenhista argentino Eduardo Risso), a premiada série Fábulas e a recente série de contos de terror, Vampiro Americano , com o charmoso vilão Skeener Sweet.

Voltando a DC Comics, as reviravoltas da última temporada de histórias começou com a interessante saga A Noite mais Densa, que percorreu todo o universo de revistas da DC, tendo como protagonista Hal Jordan, o Lanterna Verde mais famoso. Numa série onde parte dos personagens morre violentamente para retornar como zumbis (a DC acabou por imitar a Marvel Max, selo adulto da editora concorrente, que tinha os personagens monstros da série Zumbis Marvel), a mudança de personagens, com a morte de personagens mais jovens e o retorno de alguns antigos, considerados mortos, é uma das grandes chamadas do épico escritor por Geoff Johns (responsável pelo retorno do personagem Hal Jordan, outro ressuscitado no esquema de mortes e ressurreições de heróis, bem típico das séries da DC Comics), quando então, após a derrota do vilão Nekron (responsável pelo surgimento dos zumbis), surge a nova série O Dia mais Claro, tendo agora, como personagem principal, o Desafiador, um antigo personagem, oriundo dos anos setenta, meio esquecido pela editora, e que ganhou uma nova e interessante cara, a partir das ideias do mesmo roteiro. Com o final dessa série, descobrimos que, na verdade, as reviravoltas do universo da DC Comics são, na verdade, uma trilogia, com a nova série que estreou no Brasil no começo deste ano, Ponto de Ignição, tendo como personagem o Flash, com seu alterego mais famoso, Barry Allen, colocado agora numa realidade paralela criada pelo vilão Flash Reverso, onde todos os personagens da DC tem suas histórias reescritas, como que refundando o universo de todos, em mais uma iniciativa que parece ser, em parte, uma cópia das ideias trazidas pela Marvel (qualquer semelhança com Dinastia M, pode não ser mera coincidência).

Por fim, entre idas e vindas, alguns surtos de genialidade critativa e outros de mero plágio, para concorrer com a editora rival, creio que o grande objetivo dos editores e roteiristas das histórias em quadrinhos foi o de atualizar personagens já conhecidos do público por décadas (ou quase um século, como é o caso do Super-Homem ou do Batman). Entretanto, creio que parte do magnetismo desses personagens é não perder as características que os fizeram tão conhecidos do público e amados por seus leitores, porque, afinal, kriptonita é kriptonita e Bruce Wayne tornou-se o que se tornou por ter ficado órfão. Acho que as novas gerações tem todo o direito de conhecer versões paralelas e mais modernas de alguns heróis, mas também tem o direito de serem tão seduzidos por esses personagens em suas histórias originais, como foram os leitores mais antigos, das gerações antecessoras. Afinal, o que faz os quadrinhos eternos não é sua aura de novidade, mas sim o predomínio de uma leitura tradicional que, com tablets ou com papel, continua sendo a principal referência de maravilhosas histórias, contadas não apenas com texto, mas também com imagens. Por isso amo tanto as HQs. Viva as HQs!! Que continuem existindo!

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