segunda-feira, 25 de junho de 2012

POLÍTICA: Não é só o whisky, mas no Paraguai, até a democracia é falsificada!

Um sorumbático ex-presidente, retirado à força do
poder, num processo de impeachment que não durou
nem 24 horas.
Fiquei atônito ao saber da deposição do presidente paraguaio, Fernando Lugo, nos últimos dias, não obstante acreditar que o ex-bispo católico e líder dos movimentos sociais perdeu em parte sua credibilidade, logo no início de seu governo, ao ser descoberto que ele tinha sido acusado de assédio sexual a fiéis de sua igreja, e de ter filhos clandestinamente com várias mulheres, revelando todo o seu lado de latin lover.

Mas o fato  de ter sido pego em estripulias sexuais logo no começo do mandato, não era motivo para apeá-lo do poder. Ainda mais no final do mandato, nos nove meses restantes de seu governo, abruptamente encerrado por um ato unilateral do Congresso, num ruidoso (e suspeito) processo de impeachment. Lugo teve menos de vinte e quatro horas para se defender, e mais rápido do que uma concessão de liminar na Justiça brasileira, o presidente paraguaio foi destituído do poder, assumindo em seu lugar um deputado da oposição, um sorridente e elitista Federico Franco, representante do Partido Liberal. Não adiantou sequer ao ex-presidente recorrer a Suprema Corte paraguaia, que numa falta de boa vontade incrível, sequer recebeu seu pedido de decretação da ilegalidade do ato golpista que o retirou atabalhoadamente da presidência. Certamente, um fato muito triste para a democracia latino-americana!

Sabe-se que o agora ex-presidente Lugo chegou ao poder dentro de um movimento maciço que tomou conta da América do Sul, com a eleição de candidatos progressistas, identificados com um discurso de esquerda e com o forte apoio de sindicatos e dos movimentos sociais (assim como se deu no Brasil, com Lula no começo deste século e com Evo Morales na Bolívia). Por quase o século passado inteiro, o Paraguai viveu sob o jugo oligárquico de dois grandes partidos direitistas nacionais: o Liberal (também chamado de Blanco)) e o Colorado. Na jogatina do poder, o espaço para a sociedade civil e os movimentos democráticos naquele país era quase nulo, quando não, inexistente, num país que se acostumou a ser uma republiqueta de bananas, dominado em toda sua história por ditaduras (a última, do general Alfredo Stroessner, exilado no Brasil há vinte anos atrás, e que governou o país com mão de ferro por décadas) ou por governos de direita totalmente dependentes das diretrizes econômicas norte-americanas. A ascensão de Lugo, e de seu partido de centro-esquerda ao poder, marcou uma nova era para a sociedade paraguaia, tão massacrada por sua economia dependente do capital externo, suas diferenças sociais abissais e níveis de pobreza e miséria altíssimos, e, sobretudo, tendo uma população no campo revoltada, cada vez mais agitada em conflitos agrários, sobretudo nas áreas de fronteira, tendo como adversários, inclusive, fazendereiros brasileiros.

Foi por conta dos conflitos agrários, movidos pelo movimento dos sem-terra local, que Lugo caiu. Ficou notório o amplo apoio que o ex-presidente paraguaio teve desses movimentos sociais, já que sua carreira eclesiátisca foi toda definida em torno da obediência às interpretações da Teologia da Libertação e do apoio clerical aos trabalhadores do campo. Lugo foi taxado pela imprensa golpista de inábil, e subserviente aos interesses dos camponeses por conta de sue programa radical (e, para muitos, inexequível) de reforma agrária, e sua derrota final foi anunciada quando, na última semana, em um dos vários conflitos ocorridos entre lavradores sem-terra e a polícia, num mandato conturbado por ocupações de terra em todo o país, o saldo negativo do último confronto foi o de 17 trabalhadores e 6 policiais mortos, num episódio que chocou a nação.

Foi aqui, no Senado paraguaio, que a democracia do
país vizinho revelou ser mais frágil do que se imaginava.
Instaurado um mais do que rapidíssimo processo de impeachment no Congresso Nacional paraguaio, sob a alegação de que o presidente havia descumprido artigos da Constituição (foi acusado de negligência no exercício do cargo), em menos de um dia Fernando Lugo foi deposto, sem ter direito ao menos a um amplo processo legal e ao contraditório, retirado do poder pela mesma elite latifundiária, presente no Legislativo, que o ex-presidente insistia em atacar nos seus discursos políticos. Agora, só resta a Lugar espernear, jogando para a plateia, atiçando seus apoiadores e convocando os instrumentos da mídia latino-americana, para afirmar que não reconhece o governo recém-instalado após a sua veloz queda, montando um imaginário governo paralelo, a fim de comover a opinião pública mundial.

Não demorou para que os movimentos sociais e progressistas
do Paraguai tomasses as ruas de Assunção, reclamando da
deposição do presidente democraticamente eleito, para
exercer seu mandato até o final.
Até o momento, das grandes nações, apenas os Estados Unidos (como convencionaria ser), reconheceu o novo governo paraguaio, tão rápido quanto os inimigos políticos de Lugo o retiraram do poder. Enquanto isso, a UNASUL, entidade representativa dos países que compõem o continente, representada, entre outros, pelos governos do Brasil, Argentina, Equador e Venezuela, não reconheceu o governo sob a presidência de Federico Franco, e ameaça estabelecer sançoes externas, retirando o nome do Paraguai da lista de membros integrantes do Mercosul, aprofundando-lhe os problemas econômicos, numa tentativa de punir a oposição política rebelde, que de forma golpista, derrubou um presidente legitimamente eleito pelo povo,  num processo democrático de eleição; pois um presidente eleito teria o direito de ser retirado pela força das urnas, não pelas baionetas ou pelas canetadas de parlamentares descontentes com o governo. 

Ao presidente deposto, só resta o apoio popular.
O processo político no Paraguai preocupa, porque outras nações, como a Bolívia, já sentem os reflexos da crise paraguaia pela imprensa local, que alerta para os riscos da persistente greve dos policiais no país andino, que já dura meses na terra do presidente Evo Morales, e que, caso se aprofunde, também pode lhe custar o mandato. O maior risco é de que surja um verdadeiro efeito dominó, iniciado agora não mais pelo exército, mas pela própria classe política oposicionista e pela imprensa elitista com ímpetos golpistas (qualquer semelhança com a editora Abril, aqui no Brasil, e a revista VEJA, não é mera coincidência), que se aproveitando oportunisticamente de uma crise institucional, opte pelo caminho do impeachment de seus governantes, tão somente para satisfazer o apetite das velhas, podres e antiquadas elites econômicas locais, que ao perderem anteriormente o poder nas urnas, tentam ao menos não perder sua capacidade autoritária de querer subjugar uma sociedade inteira aos seus interesses de classe.

No Brasil, com uma democracia, instituições e partidos políticos mais consolidados, ao menos, por enquanto, não se vê nem sequer quaisquer respingos de que drama semelhante possa acontecer por aqui, a exemplo do Paraguai. De qualquer forma, é bom ficar de olho nas tentativas inconsequentes de certos golpistas de plantão, representantes de uma certa classe política retrógrada, que já passou o bastão, a contragosto, a governos mais progressistas, por conta de suas derrotas eleitorais.  Senão, correremos o risco de, um belo dia, sermos surpreendidos, pegos de surpresa, com a ação intolerante de uma classe política inconsequente e reaçonária, que assim como no filme dos Transformers, emplaque as manchetes do noticiário político com o triste título: A Vingança dos Derrotados. Xô, espírito golpista! Xô!!

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