Para alguns, uma imagem vale mais do que mil palavras. |
O noticiário político dessa semana bombou com a imagem de um constrangido Lula, mediado por um sorridente Haddad, a cumprimentar um animado Paulo Maluf, numa foto que, com certeza, vai ser exaustivamente explorada na campanha eleitoral deste ano. Sabe-se que com a adesão do PP de Maluf à candidatura a prefeito de Haddad, do PT, em São Paulo, vai aumentar sensivelmente o tempo do candidato petista na TV, numa candidatura que necessita, sobretudo, de tempo para se firmar, tornar-se conhecida e se mostrar ao eleitorado paulistano. Mas será que, realmente, valeu a pena??
O intenso pragmatismo de nossos políticos, que chega a corroer de ódio os eleitores mais éticos, não é característica somente do ex-presidente Lula. Na verdade, não é característica nem só do PT, mas de toda a esquerda brasileira. Quem leu os livros de história ou leu o livro Olga (ou a adaptação para o cinema) do jornalista Fernando Moraes, sabe que na década de trinta, o presidente e ditador Getúlio Vargas enviou a mulher do líder comunista Luis Carlos Prestes, uma judia alemã e comunista, para um campo de concentração na Alemanha nazista, onde esta veio a morrer na câmara de gás. Isso não impediu que uma década após, em 1945, Prestes apoiasse Vargas, na tentativa de redemocratização do país, elegendo-se senador numa aliança com o partido de seu ex-rival e inimigo, assassino de sua mulher. Não é curioso??
Em seu ótimo livro Teoria Geral da Política, o saudoso filósofo italiano Norberto Bobbio, faria a distinção entre ação moral e ação política, ao estudar Maquiavel. Na primeira, a ação humana teria um fim em si mesma, pois a moralidade já está intrinsicamente ligada ao ato; ou seja, a ação já é moral em si mesma, independente do resultado (ex: ajudar uma velhinha a atravessar a rua, pela simples condição de achar correto ajudar alguém em condições de necessidade). Já na ação política não existe moralidade alguma na ação praticada, e o que se objetiva, na verdade, é a obtenção de um resultado, pois a ação é movida a resultados, só existe por causa deles, seja com fins morais ou não (ex: ajudar essa mesma velhinha, do exemplo anterior, na esperança de ser gratificado por ela com alguns trocados, por conta da boa ação). O universo da política, portanto, é povoado por resultados e não por ética, e segundo teóricos do utilitarismo, como John Stuart Mill (muito cultuado pelo também ex-presidente, Fernando Henrique Cardoso), o que vale na política não é satisfazer a todos, obtendo a felicidade geral (um imperativo da ética), mas sim satisfazer a um número maior possível de pessoas, a fim de obter maiorias que se sintam minimamente realizadas (a realidade da política). Desta forma, não vejo com grandes sobressaltos o escandâlo que a mídia nativa vê com a adesão de Maluf ao candidato do PT, apoiado por Lula. Pode ser incoerente, mas não é nada imprevisível ou fora do comum.
O Partido dos Trabalhadores de Lula peca pela incoerência, e arrisca-se a pagar o preço de perder seus fiéis eleitores mais éticos, por conta de alianças que, para muitos, podem parecer totalmente espúrias (ou safadeza mesmo). Não tiro a razão de quem pensa desse jeito! Afinal, assim como eu, toda uma geração viu um PT nascer nos anos oitenta, embalado pelo discurso da ética, da defesa intransigente dos trabalhadores, "contra tudo o que está aí", como dizia o jargão dos panfletos da época. Há vinte anos atrás, nos meus tempos de movimento estudantil, o PT era um dos principais partidos que criticava o pragmatismo dos outros, o aliancismo, denunciado à exaustão nas portas de fábrica e sala de aula como sinônimo de capitulação ao inimigo, de rendição ou de degenaração política. Passou-se o tempo, e assim como muda a política, mudam os homens, e ao se tornar poder, o PT apressou-se a modificar o discurso, a estabelecer novos modelos de aliança e a financiar suas campanhas com Caixa 2, assim como faziam todos os outros partidos; tornando-se, afinal, apenas mais um, uma legenda política igual a qualquer outra. Apesar de seu enorme capital eleitoral, baseado em parte na liderança emblemática de uma figura quase mítica, do metalúrgico que chegou ao poder, o PT não escapou das armadilhas do poder, dentre elas, daquelas tão decantadas por Maquiavel, que se traduzem nas ações necessárias de todo governante: o poder de barganhar e negociar com o próprio inimigo.
Enganam-se aqueles que acham que a criticável aliança com Maluf, a antítese de tudo que o PT defendeu em São Paulo (com duas eleições ganhas contra o mesmo candidato, seja com Erundina, em1988, ou com Marta Suplicy, em 2000), seria resultado de um fenômeno que se observa somente agora: o pragmatismo exacerbado de um partido e de um líder partidário em torno de alianças políticas. O PT nasceu como uma colcha de retalhos, reunindo o mais extenso leque político de opções ideológicas, desde o trotskismo mais radical até o mais contemporadizador do moderadismo de linha católica ou social-democrata. A corrente majoritária a qual pertence Lula, por exemplo, é formada por ex-sindicalistas, que durante o período de lutas sindicais na ditadura, já trabalhavam com a linha de negociação ao invés de confronto, e de uma aliança possível com seus adversários dentro da fábrica, com o objetivo de obter êxito numa luta política maior. Era assim que pensavam os sindicalistas daquela época, e é assim que pensa até hoje Lula, em seu perfil agregador de conciliador nato, cuja liderança foi construída na base de muito carisma, mas também de muita negociação, adotando opções políticas, que por vezes, pareciam ser altamente incoerentes. É o preço que se paga pelo poder.
Quando redigiu a "Carta ao Povo Brasileiro", em 2002, Lula já anunciava a mudança de rumo na campanha presidencial que o elegeu, diferente das tentativas anteriores, mal sucedidas, de se chegar ao poder, optando pelo aliancismo com os liberais nacionalistas, numa verdadeira união do capital e trabalho, tendo o metalúrgico um vice empresário, na figura de José Alencar. Era o sonho de qualquer conciliador: o operário da fábrica e o dono da fábrica unidos em prol do Brasil. Não é bonito? Ao menos para os marqueteiros Lula soube jogar para a plateia, e por meio de uma aliança, para muitos, difícil de engolir (como bem salientou a ex-senadora e ex-petista Heloísa Helena), Lula e o PT acabaram chegando ao poder, conquistando a presidência da república. Assim como, hoje, um Lula agora, ex-presidente, tenta novamente chegar ao poder, ao fazer emplacar seu candidato, na maior metrópole da América Latina, e uma das maiores do mundo, tentando desbancar a hegemenonia de seus oposiotres na metrópole paulista, impondo mais uma amarga derrota à nêmesis do partido de Lula, o candidato tucano José Serra.
Não sei se Lula sairá mais uma vez vitorioso, demonstrando seu acerto político nas suas apostas eleitorais, em candidatos escolhidos por ele a dedo, em detrimento da democracia partidária e de outros nomes que poderiam ser viabilizados pelo partido. Lula já demonstrou sucesso na indicação e formidável vitória de sua pupila, Dilma Roussef, até então inexperiente em campanhas eleitorais. Resta saber se ele obterá sucesso também com as fichas apostadas em seu novo escolhido, o ex-ministro da educação Fernando Haddad, também um neófito em campanhas, que confia somente na extraordinária competência de seu líder, enorme puxador de votos, para que se obtenha uma nova vitória eleitoral do petismo, com ou sem Maluf a dar apoio. Para uma raposa da política como Lula, ter a indesejável companhia de um político consagradamente corrupto como Maluf, se não serve para angariar votos mais à esquerda, ao menos serve para neutralizar o eleitorado mais conservador, tradicionalmente avesso ao petismo. É pagar pra ver dentro do pragmatismo eleitoral brasileiro. Quanto à ética?? Ahh, a ética!!! Que vá pras cucuias!!!
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