quinta-feira, 18 de junho de 2009

FILOSOFIA: OS 80 ANOS DE HABERMAS

Neste ano, em 18 de junho, o filósofo alemão Jurgen Habermas completa 80 anos de idade. Ele, considerado o maior filósofo alemão ainda vivo, retoma uma tradição de grandes pensadores, egressos da chamada "Escola de Frankfurt", integrada por teóricos como Walter Benjamin, Theodor Adorno, Horkheimer e Herbert Marcuse. É muito provável que a atração e curiosidade pela teoria filosófica de Habermas seja diretamente proporcional a sua aparência estranha, tendo em vista uma mal sucedida operação labial na adolescência, que lhe trouxe uma certa deformidade de rosto.



Recordo-me de uma tirada cômica num seriado do grupo de humoristas ingleses do Monty Pyton, em que se apresentava uma partida de futebol entre os filósofos gregos de um lado, e os filósofos alemães de outro. Ao invés de jogar, chutando a pelota, os jogadores filósofos permaneciam parados, nos dois lados do campo, e ambos tentavam refletir sobre a bola, inventando sistemas filosóficos para explicar sua existência e trajetória. Fora a brincadeira do grupo inglês, a piada serve para justificar a importância dos pensadores alemães na história da filosofia, após seus colegas gregos, e de como, até hoje, a tradição filosófica germânica contribuiu para o desenvolvimento do discurso racional na humanidade.

No caso de Habermas, ficou ele conhecido como um pensador da razão pública. Entretanto, eu diria que Habermas é um filósofo interdisciplinar, assim como foi seu colega francês, Michel Foucault, transitando por diversas áreas do conhecimento, mas mantendo uma unidade filosófica em seu pensamento. Habermas se notabilizou não apenas como um professor, um acadêmico de sala de aula, mas também como um intelectual engajado em polemizações acerca dos mais diversos assuntos políticos, científicos e culturais. Nesse sentido é que este filósofo alemão dá profundo destaque ao espaço público, lugar privilegiado para ele, pois é nesse espaço que se realizava o debate democrático. No espaço público Habermas tornava-se um filósofo da razão comunicativa, colocada no lugar da razão prática, ou seja, para quem não é conhecedor do vocabulário filosófico, como Habermas foi seduzido pela chamada filosofia da linguagem, ele acredita que antes de reger as ações dos homens, a razão rege seus discursos, suas comunicações. Antes dos atos vem o discurso, vem a comunicação. Os indivíduos para se conduzirem na sua vida em sociedade teriam que, antes de tudo, dialogar, participar de um debate democrático.

A defesa da democracia para Habermas é uma verdadeira filosofia de vida, uma vez que ele retrata na sua filosofia uma boa parte do trauma da sociedade alemã com o totalitarismo nazista da Segunda Guerra Mundial. Daí uma certa aversão desse filósofo alemão ao Judiciário, uma vez que os tribunais eram "comprados" pela ideologia nazista, nos tempos da guerra, aplicando suas decisões "de cima para baixo", de forma nada democrática. Ao mesmo tempo, Habermas revela sua crença num Legislativo forte e democrático, donde o direito poderá surgir como um direito de um Estado absolutamente democrático, pois as normas viriam de uma "aceitabilidade racional" do povo, que delibera diretamente ou através de seus representantes, num Estado Democrático de Direito. Desta forma, Habermas retoma a tradição iluminista de pensadores contratualistas como Rousseau ou Montesquieu, enfatizando o papel da soberania popular e dos direitos do homem. Mediante o princípio discursivo, segundo Habermas, é estabelecida a relação entre a autonomia privada e a autonomia pública, ou seja, onde toda a liberdade do homem, seja ela regida por normas morais, religiosas ou jurídicas, é fruto de um critério de aceitação criado pelo discurso; quer dizer, pensando bem como teórico da modernidade, Habermas acredita que a validade das normas e das instituições de uma sociedade só é estabelecida, quando aqueles que aderem a elas, manifestam sua adesão, após terem sido convencidos pelo discurso, num ambiente aberto e democrático de debate e discussão.

A justiça, para Habermas, é eminentemente procedimental, uma vez que ela decorre da aplicação de normas pelos tribunais que sejam resultado de uma deliberação pública, que ocorre antes mesmo dos representantes do povo serem eleitos, num procedimento gradual de discussões e deliberações. Num Judiciário Brasileiro onde agora predominam as súmulas vinculantes, para um pensador como Habermas tais documentos jamais prosperariam num ambiente democrático, uma vez que as decisões ficariam presas a um único órgão que se revestiria do poder de conter toda a verdade, e não sujeito a uma ampla discussão democrática que resultaria em normas. Sobre isso, e para entender as concepções de Habermas acerca do papel do Judiciário, cabe a leitura do interessante livro do professor da PUC/MG, Álvaro de Souza Cruz: Habermas e o direito brasileiro (Lumen Juris Editora).

Ao se aplicar o pensamento de Habermas no Brasil, segundo matéria assinada por Luiz Bernardo Leite Araújo, na edição 136 da Revista Cult, necessariamente se pensa em nosso passado colonial, em nossa cultura agrária e feudal e na inexistência de uma esfera pública cidadã e crítica, na formação da nação brasileira. A extrema desigualdade social entre pobres e miseráveis de um lado, e ricos e poderosos, de outro, no antigo esquema social da "casa grande & senzala", dificultava acentuadamente a possibilidade de se formar condições iniciais de comunicação, que propiciassem um ambiente democrático no país. Somente agora, após duas décadas e meia de uma ditadura militar e de uma democracia inicialmente incipiente, com a mal sucedida experiência eleitoral de um povo, ao eleger um mal fadado Collor, e após os fusquinhas e os pães de queijo de Itamar, é que a sociedade brasileira, hoje, mais amadurecida, pode experimentar pouco a pouco os traços recomendados pela teoria política habemasiana. Hoje em dia, no Brasil, já é possível se falar em valores políticos e morais compartilhados entre os cidadãos, a ponto de serem mantidos ou derrubados governantes, e de um ex-torneiro mecânico ter galgado a impressionante evolução social de ter se tornado presidente da república. Outrora uma "ex-república de bananas", agora o Brasil emerge como potência regional no Hemisfério Sul, fazendo parte de um dos blocos mundiais alternativos à crise econômica, integrando o chamado BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), onde se encontram os maiores potenciais alimentícios, energéticos e econômicos do planeta. É claro que muito ainda tem de ser feito, no tocante ao combate à miséria, a exploração do trabalho, à formação educacional de um povo, e o controle da criminalidade. Porém, pela teoria habemasiana, já se delineia um claro espaço de discussão para uma sociedade recentemente amadurecida, onde a "Lei do Gérson" e o famigerado "jeitinho brasileiro" cedem espaço ao jargão de "ser brasileiro, mas não desistir nunca".

Feliz Aniversário Habermas! No sopro de suas oitenta velinhas!

Um comentário:

  1. Grande Habermas! Adorei a tese da invasão do mundo do sistema no mundo da vida, que vi na aula de sociologia. Chegue à conclusão de que nunca deixarei o sistema se transformar na minha vida: o Estado não vai se apoderar inteiramente de mim. Existe 'necessidade', mas existe também 'opção'! hhsuahusha!

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