
Não demorou para que o resultado da eleição fosse imediatamente questionado pelo candidato da oposição. Milhares de manifestantes seguiram para as ruas, enfrentando à polícia, questionando o resultado e não aceitando a reeleição de seu governante. A ONU, e diversos governos estrangeiros, como os EUA, manifestaram sua preocupação com os rumos da eleição iraniana, uma vez que as imagens de conflitos de rua e eleitores da oposição sendo espancados pela polícia, não é bem a demonstração de uma "festa da democracia", que se deseja ver numa eleição.
Mas o que faz o presidente iraniano ser tão comentado, tão polemizado e tão combatido no Ocidente? Ahmadinejad tornou-se uma celebridade internacional (assim como seu colega venezuelano Hugo Chavez), pelo jeito fanfarrão de se pronunciar, a retórica populista e antissemita, a aparência de sindicalista do PT nos anos oitenta, mas sobretudo pelo conservadorismo islâmico, que encarna com perfeição o perfil do eleitor popular em solo iraniano. Assim como políticos conservadores e ao mesmo tempo populistas do Ocidente, como George W. Bush, Ahmadinejad se fez uma versão islâmica de um "Bush às avessas", ao também conquistar o eleitorado mais pobre, conservador e menos alfabetizado do Irã, com seus trejeitos de candidato "identificado com o povo". Outrora engenheiro civil e prefeito de Teerã, Ahmadinejad foi o primeiro político iraniano a galgar à presidência sem pertencer ao clero xiita de aiatolás, que são os que, na verdade, comandam com mão de ferro o país desde a Revolução Islâmica de 1979. Um capítulo a parte, para que possamos tecer nossos comentários, nessas conexões:
Era só o que faltava para o idoso, baixinho, carrancudo, porém carismático, líder religioso, o aiotolá Khomeini, retornar do exílio na França e ser recebido de braços abertos pela população revoltosa, como novo líder político do país e símbolo da revolução. Os xiitas logo se viram numa enorme encrenca, quando as forças contrarrevolucionárias, apoiadas pelo país vizinho, o Iraque, de imediato iniciaram um sangrento conflito, que custou milhares de vidas de jovens soldados iranianos, que pela fé no Islã tornaram-se mártires de uma nova revolução. Os anos oitenta foram marcados pelos horríveis conflitos entre iranianos e iraquianos, com Khomeini, de um lado, liderando o novo regime com seu discurso islâmico fundamentalista, exortando o povo a combater os "chacais infiéis", inimigos de Alá, a serviço do Grande Satã, enquanto o Iraque, do outro lado, era liderado por um jovem Saddam Hussein, também um terrível ditador, financiado naquela época, assim como seu colega Pahlavi, pelo dinheiro dos Estados Unidos (o mesmo Saddam que se tornaria o "inimigo número um" do governo de Bush pai e Bush filho).
A rigidez das transformações culturais impostas por decreto pelo novo governo islâmico contrastavam com uma juventude universitária, urbana e letrada, que já tinha tido contato com os costumes e modas ocidentais, e que consideravam todos aqueles excessos um absurdo, uma intromissão indevida num modo de vida que começava a preservar a individualidade. O comunitarismo islâmico, com a primazia do interesse coletivo sobre o individual, e seu forte moralismo, não se conciliava com o individualismo da cultura do povo iraniano, até então permeável à influência ocidental. Tanto o graphic novel, quanto o filme de animação Persépolis, baseado nos quadrinhos da escritora e fotógrafa iraniana Marjani Satrapi, demonstram muito bem o que foi a crise de valores na juventude iraniana dos anos oitenta e noventa, que no pós-guerra teve que viver com toda sorte de regramentos, fiscalizações e repressões. A ponto de até hoje, jovens universitários fazerem comunidades no orkut e no facebook, onde combinam festas clandestinas no país em locais distantes da cidade ou clubes subterrâneos, únicos lugares onde o álcool, maquiagem nas mulheres, música eletrônica, paqueras e namoros são liberados.
É nessa realidade social, nesse contexto local e com essa divisão da população que Mahmoud Ahmadinejad contou com apoio político, conquistando seu eleitorado. A divisão de classes no país reflete bem o panorama eleitoral que levou o atual presidente à reeeleição, num Irã dividido entre um lado: formado por um segmento popular de agricultores, operários, funcionários públicos subalternos e militares, e de outro: mulheres, universitários, jovens urbanos, artistas, minorias étnicas e a classe média, formada por advogados, médicos e engenheiros. O primeiro grupo é formado pelos eleitores do atual presidente, o outro, formado por um segmento mais letrado, jovem, que reivindica abertura política e mudanças culturais, é que apóia o candidato da oposição, o moderado Mousavi.
Como um "Antony Garotinho" de Teerã, Ahmadinejad sabe manipular bem o discurso conservador e desenvolvimentista para as massas, articulado desde o tempo em que advogava para interesse populares, antes de ingressar na política, ressaltando sua origem humilde e compromisso com os mais pobres. Ver o Irã de hoje, é pensar hipoteticamente como seria o Brasil se um candidato como Garotinho, ou outro, de matriz religiosa semelhante, como o bispo Marcelo Crivella, assumissem a presidência, num discurso eminentemente voltado para uma população pobre, de baixos salários e acentuadamente religiosa. Assim como o casal Garotinho tentou estimular o ensino do criacionismo nas escolas da rede pública municipal do Rio de Janeiro, numa clara incursão do fundamentalismo religioso na política, no Irã, políticos como Ahmadinejad sabem que não podem desvencilhar seu discurso populista de um forte apelo religioso, que assume, quase sempre, ares messiânicos, como nas pregações em palanques de que os "abençoados servos de Alá"colocados à disposição do povo, estão prontos para atacar os infiéis que querem prejudicar a nação.
Além disso, assim como Hugo Chavez na Venezuela e o ditador Kim Jong-Il da Coréia do Norte, o presidente do Irã faz o tipo fanfarrão (apesar da aparência franzina, mal ajambrada e até anti-higiênica), com um discurso radical, cheio de bravatas contra o Ocidente (particularmente os EUA), mas com especial dedicação em avacalhar Israel, chegando o governante iraniano ao cúmulo de defender a eliminação do Estado Judeu, varrendo-se o país do mapa, bem como declarando o absurdo de negar o holocausto judeu, bem na época que o presidente norte-americano Barack Obama visitava antigos campos de concentração na Alemanha. Se as declarações de Ahmadinejad pecam pela falta de bom senso e pelo mau gosto, ao menos o principal o baixinho iraniano conseguiu ao aparecer na mídia internacional, em todas as câmeras de TV e monitores de internet, como o presidente linha-dura, de uma nação de mártires, que não temem ser humilhados pelo gigante americano ou pelo vizinho israelense. A diferença de Ahmadinejad para Bush é só de nacionalidade e biografia, mas não de estilo. Assim como o ex-presidente norte-americano, o governante do Irã faz o tipo populista, buscando se identificar ao máximo com as classes populares, com um discurso belicista e nacionalista cheio de chavões, e com uma retórica religiosa como pano de fundo, como se o seu povo fosse aquele abençoado, habilitado por Deus para repelir e reprimir todas as nações contrárias às causas divinas.
Foram esses argumentos que Bush utilizou para invadir o Iraque, e são os mesmos que Ahmadinejad utiliza para se perpetuar no poder. Por causa de suas declarações bombásticas, não demorou muito para que o governo brasileiro fosse criticado por ter convidado o presidente iraniano a visitar o nosso país, numa série de acordos comerciais e enérgicos desenvolvidos entre o Brasil e vários países do Oriente Médio. A notícia da vinda de Ahmadinejad pegou tão mal, que não deixou de ser um alívio para a diplomacia brasileira a notícia de que o polêmico iraniano não viria mais ao país, cancelando sua visita oficial, numa providencial conjuntura onde sua presença não era bem vista nem em festa de aniversário.
Por outro lado, de uns meses para cá, a mídia internacional, especialmente àquela vinculada aos interesses do liberalismo, acabou por ver com bons olhos o líder oposicionista Mousavi, apesar de em termos de fé islâmica ele ser tão conservador quanto seu adversário governista (talvez porque ao menos, este tem cara de quem toma banho). É bem provável que a única diferença que resida na candidatura de Mousavi, e que rendeu até agora violentos protestos, manifestações e conflitos de rua entre seus partidários e a polícia, em função do resultado das eleições, seria o de que seu discurso (diferente de Ahmadinejad) é mais cauteloso em relação a nova gestão presidencial na Casa Branca, sob a liderança de Obama, e soma-se a isso o desejo de boa parcela da sociedade iraniana em promover reformas que levem não apenas a uma abertura política e cultural, mas sobretudo a uma abertura econômica do país. Nesse sentido, o bem vestido e intelectual Mousavi, assemelhando-se a uma espécie de "FHC islâmico" cai como uma luva para os interesses da classe média emergente de Teerã. Até agora, Mousavi se apresenta bem na mídia internacional como vítima de um complô eleitoral, orquestrado pelo governo, para impedir a mudança de poder no Irã, apresentando-se como o "vencedor moral" do pleito presidencial; mas não se sabe até que ponto seu discurso de vitimização fará efeito no sisudo Conselho dos Guardiães que investigará e julgará o caso (chefiado pelo ultraconservador chefe religioso supremo da nação, o aiatolá Ali Khamenei), assim como será determinante para a confirmação ou não de mais quatro anos de Ahmadinejad no poder.
Vale salientar que Mosauvi recebeu o apoio de parte do clero xiita, com posições mais moderadas e reformadas, como a do aiatolá Mohammad Khatami, ex-presidente do país. Também conta o fato que a população iraniana, já cansada de tantas guerras, conflitos e privações, não estaria disposta a permanecer revoltada nas ruas por muito tempo, correndo o risco de gerar um novo e indesejável banho de sangue, quando esta sociedade, herdeira do povo persa, começa a se reerguer.
A questão é se saber qual será o posicionamento dos religiosos integrantes do Conselho de Guardiães, uma vez que apoiar Mousavi seria, tão e simplesmente, acenar para uma abertura política, desejada na política internacional, sobretudo pelos Estados Unidos, numa nova era em que o atual presidente, Barack Obama, faz de tudo para acertar um novo tipo de relacionamento com as nações islâmicas
. Como se diz no Alcorão (2:255): "Que seja feita a vontade de Alá, o altíssimo e misericordioso! Ele sabe o que está antes deles e atrás deles, e a eles não abrange nada do Seu conhecimento exceto o que Ele quer!"
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