Os aviões são nossas construções apocalípticas. Criados por Santos Dumont como uma das invenções modernas mais sublimes do conhecimento humano (afinal, o homem finalmente podia voar), o que deveria ter vindo como benção, acabou se tornando maldição para o inventor brasileiro, que acometido de forte depressão, acabou se matando, após ver que seu engenhoso invento (que nunca foi reconhecido como criação sua pelos norte-americanos, que atribuem a criação do avião aos irmãos Wright), terminou nas mãos das forças armadas, transformando o avião em máquina de guerra, num instrumento atroz utilizado para matar vidas, como as centenas de aviões que bombardearam Guernica, na Guerra Civil Espanhola, traduzindo o horror das guerras e da carnifica, no clássico quadro de Picasso, de 1937.
Com o fim das guerras, os aviões se tornaram o principal meio de transporte para interligar o mundo. Como poderia haver globalização se não tivéssemos aviões? Como seriam possíveis as trocas globais se as transações comerciais ainda dependessem de navios? Como ficariam os correios e a transferência de tecnologia que nos permitiu os computadores e a internet, se os objetos não fossem trazidos por meios de transporte alados?
Nos anos 80, os aviões voltaram a tomar conta do inconsciente coletivo, celebrando a imagem heroica do piloto a conduzir o imaginário popular, quando víamos um jovem Tom Cruise bancando o mocinho, no filme Top Gun-Ases Indomáveis. Vivia-se o auge da Guerra Fria, e na cultura de massa, ver os indomáveis F-14 americanos duelarem no ar com os sombrios MIG soviéticos era, para adolescentes como eu, naquela época, uma cena sublime de filme de aventura. Aviões eram o sonho adolescente, aviões eram rock'n roll! Lembro-me bem da canção Dreams, cantada a plenos pulmões por Sammy Hagar, na bela introdução ao piano, da banda de rock norte-americana Van Halen. O clipe da música que passava na Tv era formidável, e até hoje pode ser visto no youtube, no sublime bailado aéreo dos caças da esquadrilha Blue Angels, enquanto a câmera filmava as enlouquecidas e rodopiantes manobras dos aviões, tendo ao fundo a bela música de Van Halen. Quem nunca um dia, ao menos uma vez na vida, pensou em pilotar um avião? Em ter asas e sair voando como anjos? Todos já tiveram esse tipo de sonho, e todos também já tiveram o pesadelo, de ver um avião cair.
Quedas de avião são assuntos delicados. São temas apocalipticos, como me referi, pois sempre estão associados à destruição intensa, à cenas aterradoras de destroços, espalhados por quilômetros, explosões, fumaça, mortos às centenas, pedaços de ferro retorcidos e corpos carbonizados. Quem nunca sentiu náuseas e repulsa, ao ver pela internet os corpos mutilados dos músicos da banda brasileira Mamonas Assassinas, num desastre aéreo na Serra da Cantareira, que até hoje aparecem em sites na rede, ou das vítimas do voo da GOL, destruído após a desastrada manobra dos pilotos norte-americanos do jato Legacy, que se chocou contra o avião, demonstrando o caos de nosso tráfego aéreo a confusão com a greve dos controladores de voo. Além disso, soma-se nessa macabra aritmética o terrível acidente que vitimou, no ano retrasado, os passageiros e a tripulação do voo da TAM em São Paulo, que, após vir de Porto Alegre, se espatifou no chão ao aterrissar, numa triste conjunção de falha humana, incompetência governamental e péssimas condições de uso, no aeroporto de Congonhas.
Desde o chocante acidente do Fokker 100 da TAM (que acabou aposentando esse tipo de aeronave) em São Paulo, nos anos noventa, proibindo de vez o uso de celulares ou aparelhos eletrônicos ligados nas decolagens, sendo, na época, o maior acidente aéreo da história da aviação brasileira, parece que a cada ano, contabilizamos os nossos acidentes, as quedas de nossos aviões ou dos aviões estrangeiros que partem daqui, imaginando quem vai ser o próximo. Para alguns, aterrorizados com as imagens dos desastres aéreos, parece que embarcar em um avião é como entrar num jogo de roleta-russa, onde você pode arriscar sua vida, já que não existe 100% de segurança de que aquele avião não vai cair. Afinal, a aviação brasileira trabalha com 99,9% de êxito, na decolagem de cada aeronave dos aeroportos, uma vez que acidentes aéreos são raríssimos, de acordo com as estatísticas. O problema é esse 0,01%!! Quando acontece, ao menos morrem de 10 a 100 pessoas. Foi o que ocorreu com a queda no oceano do voo AF 447 da Air France, partindo do Rio de Janeiro em direção a Paris, com 220 pessoas em seu interior, onde morreram 52 brasileiros. O acidente até agora encontra-se no terreno do inexplicável, fazendo com que os especialistas batam cabeça acerca dos motivos do acidente. Terá sido a intensidade da tempestade, que assolou a aeronave após ter sobrevoado a ilha de Fernando de Noronha, em direção ao Atlântico, no mar territorial do Senegal? Terá sido a fragilidade do avião, uma aeronave nova, possante, com a alta tecnologia da Air France, que tornaria teoricamente imune à quedas? Teria sido uma falha humana, no momento em que o leme da cabine se partiu, e os aparelhos da aeronave entraram em colapso, produzindo o acidente? Terá sido um raio? Uma punição divina? Ataque de alienígenas? Restam poucas respostas e sobram dúvidas, no caso do triste desastre do voo AF 447. Parece que a mesma tecnologia que adquirimos para enviar o homem à lua, não foi suficiente para manter os voos 100% seguros.
Eu mesmo vou embarcar em um avião daqui há alguns dias, numa viagem a Santiago para um congresso, tendo que passar pela Cordilheira dos Andes. Confesso que senti certo medo, e somente minha fé e convicção na proteção divina é que me separam do terror de alguns de embarcar em um avião. Os leitores podem até rir do meu ingênuo pensamento ao pensar na beleza de ver, lá do alto, a altiva Cordilheira ao chegar em Santiago, considerada a vista aérea daquela localidade, para muitos turistas, uma das paisagens mais lindas da terra, e que, naquela mesma Cordilheira, ao pensar no trágico acontecimento histórico da queda de um voo de jogadores de futebol, na década de setenta, cujos sobreviventes passaram meses a fio alimentando-se da carne dos próprios passageiros mortos, para poder sobreviver, num inverno gélido e tenebroso( que se tornou, inclusive, roteiro de filme), sinto verdadeiro calafrio e oro, para que não tenha que ser dentro de uma imensa cápsula de ferro alada, os meus últimos dias neste mundo.
Desde que foram criados os aeroportos, milhares de aeronaves decolam todos os dias e todas as horas, num piscar de olhos, fazendo parte do nosso cotidiano global. Já não sei mais quantas vezes me vali desse meio de transporte para viajar, uma locomoção cara, não acessível às classes populares, que só veio a tomar conta de vez da vida da classe média brasileira com a estabilização da economia, e a queda do preço do dólar. Outrora (como ainda, em parte, é assim) aviões eram para executivos, governantes, autoridades, gente do comércio, pessoas importantes, que tinham compromissos inadiáveis em lugares distintos e tinham como pagar (ou eram pagos) para utilizar esse avançado meio de transporte. As pessoas precisam de aviões. Eles são imprescindíveis para o desenvolvimento e o caminhar da humanidade, desde que o 14-Bis de Dumont deu sua primeira arremetida para os céus, na Paris do começo do século passado. Hoje, depois da invenção da roda, seríamos ainda medievais se não dispuséssemos dos aviões, pois sem eles não teríamos foguetes, satélites de comunicação e naves espaciais. Mas os aviões, assim como nos fascinam, também podem ser fonte de nossos piores pesadelos. Os aviões nos intrigam, tanto quanto nos fascinam. Se é verdade que os automóveis matam centenas de vezes mais que os aviões, as imagens fortes de um desastre aéreo também não saem de nossas mentes. Quem não se recorda dos acidentes? Quem não se recorda da imagem inacreditável de um airbus se chocando contra as Torres Gêmeas do World Trade Center, nos atentados terroristas de 2001? Os aviões chegam até as nuvens para que consigamos observar a majestade altíssima do Todo Poderoso, que ilustravam as telas e afrescos religiosos de Michelangelo, como as nuvens do paraíso na Capela Sistina. Através delas, podemos nos sentir nas alturas dos céus dos deuses, como também nos vemos diminutos, contemplando a beleza do continente e do mar lá embaixo, enquanto fazemos nossas preces nervosamente em cada forte turbulência. Poeticamente falando, viajar de avião é como fazer o trajeto inteiro de nossas vidas, um retrospecto de nossa caminhada pessoal, cheia de decolagens, com algumas "turbulências" do cotidiano, com guinadas e arremetidas, quedas e pousos forçados, mas sempre buscamos pousar calmamente no solo esplêndido de cada aterrisagem. Nossas vidas podem pousar para uma nova chance, ou desaparecer nos céus, nas nuvens, no lugar dos deuses, caso tenha sido esse nosso último destino. Para as famílias daqueles que hoje choram pelo desaparecimento de seus entes queridos, só me resta orar com eles, e sentir como eles, como a vida pode ser perene ou breve, cada vez que levantamos voo. Descansem em paz, tripulantes e passageiros do voo AF 447!
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