quinta-feira, 19 de novembro de 2009

DIREITOS: CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA- O PL 122/2006. O QUE EU ACHO?

Há poucos dias, foi aprovado no Plenário da Câmara dos Deputados, e encaminhado para o Senado Federal, o Projeto de Lei Complementar 122/2006, que dispõe sobre os crimes resultantes de preconceito ou discriminação de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero. O projeto, se aprovado, e transformado em lei, praticamente criminaliza a homofobia, como também outras formas veladas ou manifestas de preconceito contra alguém, por razão de sexo, raça, gênero, procedência nacional e identidade de gênero.

Antes de tecer os comentários que embasam minha opinião, digo que faço minhas as palavras do articulista da Folha, Hélio Schwarstman, publicado on line em 30 de agosto de 2009. Na verdade concordo em gênero, número, orientação sexual (he,he,he,he,he, perdoem a piada!!) e grau com o que o nobre jornalista escreveu, no seguinte sentido: assim como ele, acho toda essa discussão uma grande bobagem!!! E, por favor! Antes que algum indignado ou indignada deixe de ler. Permita-me minhas explicações.

Em primeiro lugar, como diz Schwartsman: antipreconceito não deve se confundir com oposição à liberdade de expressão. Uma atitude preconceituosa e segregacionista é aquela que tolhe direitos, impede o exercício da liberdade do outro, desumaniza o outro, no momento em que a intolerância não permite que pessoas venham a adquirir empregos, serem aceitas em cargos públicos, possam utilizar elevadores sociais de edifícios, não possam comprar mercadorias, ingressar em escolas e universidades ou serem atendidas em hospitais. O preconceito desumaniza porque elimina o outro, não tolera sequer a sua existência, restando-lhe um espaço segregado para sobreviver. Quando os negros norte-americanos eram proibidos de sentar no banco da frente dos ônibus ou de usar os mesmos bebedouros utilizados pelos brancos, isso era preconceito!


Agora, a manifestação de uma opinião contrária ao que nós pensamos, seja através de uma crítica falada, um gesto de desaprovação, uma cara feia, um comentário cochichado ou mesmo um discurso proferido num púlpito de uma igreja, no banco de uma praça, num palanque eleitoral ou numa mesa de bar, não pode ser vista como crime. Se nos sentimos acolhidos quando nosso grupo, nossa turma ou nossa comunidade nos recebe bem, concordando com nossos posicionamentos, também devemos desejar isso ao próximo, e, inclusive, dar a ele a liberdade de pensar diferentemente do que pensamos, juntamente com sua comunidade. É o princípio básico do pluralismo e do reconhecimento das diferenças, que tanto os movimentos sociais, e, em especial, os grupos organizados de homossexuais desejaram, e tanto conquistaram e ainda conquistam.

Quando manifesto minha opinião, mesmo que contrária, não estou sendo preconceituoso, pois reconheço o outro na sua diferença, tanto a ponto de discordar dele, não o humilhando por isso ou fingindo que ele não existe ( o que ocorre no preconceito). Creio que milhares de pessoas que, por questão de princípios (sejam lá éticos, religiosos, filosóficos, familiares), não concordam com determinadas práticas ( ou são "caretas" ou "carolas", no linguajar de alguns) não estão, necessariamente, praticando preconceito ou crime algum, no momento em que manifestam o que pensam. Criminalizar o pensamento seria o cúmulo de uma sociedade panóptica orwelliana, onde o "olho que tudo vê" estatal nos proibiria até de manifestar nossa opinião contrária ao time adversário. Coitados dos colorados e gremistas!!



Portanto, ao pensar em criminalizar a homofobia, punindo não apenas o preconceito, mas também a opinião, o que poderia a polícia fazer, no momento em que um sacerdote, dentro de um templo, com sua comunidade religiosa, independente da denonimação de fé, manifestar-se contrariamente a essa orientação sexual, conforme os ensinamentos do texto sagrado em que se baseia sua pregação? Vamos levar todo mundo pro camburão?? Vamos lotar as delegacias de plantão aos domingos, dia de missa e dos cultos, prendendo todo mundo que não gosta de gays??? Iniciaremos uma guerra santa???

A meu ver, o que é mais polêmico é a proposta do artigo 7.o do citado projeto, que muda a redação dos artigo 8.o da Lei 7.716/89, que trata da discriminação, acrescentando os artigos 8-A e 8-B, punindo manifestações de restrição ou desaprovação à manifestações de afetividade de homossexuais em locais públicos ou privados abertos ao público, em virtude de sua orientação sexual, estabelecendo uma pena de 2(dois) a 5 (cinco) anos de reclusão.
Além disso, o art. 8.o do projeto modifica os artigos 16 a 20 da citada lei, criminalizando a opinião, para efeito de aplicação dos artigos anteriores acima citados, que aqui tomo a iniciativa de transcrever para os leitores, na íntegra:
"Art. 20. Praticar, induzir, ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero:
Parágrafo 5.: O disposto neste artigo envolve a prática de qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica".

Ora, desde a modernidade, e agora na chamada, para alguns, pós-modernidade, acostumamo-nos a dividir a agenda dos temas sociais e valores entre conservadores e liberais, e no caso dos direitos dos homossexuais entre Igreja e sociedade civil, como se a Igreja não fizesse parte dessa mesma entidade civil organizada. É mais um dos equívocos tomados nessa discussão, em querer polarizar o debate entre aqueles que são a favor (os religiosos "atrasados"), e os que são contra os homossexuais (os militantes "progressistas" da causa gay). Pergunto se não foram os negros apoiados pela Igreja, sobretudo a igreja negra norte-americana, quando um pastor batista chamado Martim Luther King desafiou o stabilshment branco com suas marchas e protestos de rua. Pergunto se as mulheres não foram acolhidas, inclusive com a recente inclusão da teologia feminista no ensino religioso, no sentido de resgatar a mulher de seu passado de submissão, por influência de uma sociedade patriarcal, que nada tinha haver com a mensagem de engajamento social da mulher, encontrada nos textos bíblicos. Pergunto se milhares de trabalhadores, homens, mulheres, operários, camponeses, nos períodos mais barra-pesada do totalitarismo, não foram auxiliados por homens e mulheres da igreja, que compromissados com os ideais da Teologia da Libertação, aliaram o ensinamento bíblico com a luta social.
Tenho um bom relacionamento com a comunidade gay, pois tenho parentes e familiares fazendo parte desse grupo social. Já fui a lugares e festas com amigos e amigas homossexuais e sempre fui tratado com bastante respeito, assim como respeitei também as pessoas que me acompanhavam. Posso respeitar e gostar de alguém, mesmo não concordando com suas opiniões ou opções de vida, mas nunca irei tolerar que essa pessoa seja injustiçada por conta de suas opções. Emocionei-me ao assistir no cinema, no começo deste ano, o filme Milk-a voz da igualdade, falando da vida do ativista gay Harvey Milk, o primeiro político a assumir um cargo nos EUA, assumidamente homossexual, nos anos setenta, e com uma agenda voltada para sua comunidade, em São Francisco. O personagem, interpretado com maestria pelo popularíssimo ator heterossexual Sean Penn, acabou conferindo o merecido Oscar ao ator, e eu também saudei a luta dos homossexuais pelo reconhecimento de seus direitos, como todos os movimentos de direitos civis que brotaram a partir dos anos sessenta. Não apenas eu, mas muitos religiosos, muitos messsmoooo, são contrários a qualquer forma de discriminação a quem quer seja, inclusive os homossexuais; até porque isto é antibíblico. Discordo totalmente de certos líderes religiosos (não todos) que de forma violenta e assustadora, ameaçam queimar no fogo do inferno todos os "ímpios, pecadores, que sodomizam seus corpos, utilizando de sua sexualidade de forma não-natural" (e existe forma não-natural?). Mas também não me esqueço: sou cristão, luterano, socialista, defensor do direito e p. da vida com qualquer tipo de injustiça!

Falando como cristão, digo que Deus me ensinou a ser acolhedor, e que Cristo fala das bem-aventuranças dos injustiçados. Assim como não tolero injustiça com alguém por conta de sua orientação sexual, também sou totalmente contrário a que se criminalize o outro tão e simplesmente por ele manifestar sua opinião contrária. Homossexuais precisam ser reconhecidos pela sociedade, mas não precisam, ser, necessariamente aceitos por alguns membros dessa sociedade. Seria demagogia ou irracionalidade pensar o contrário. Assim como eu sou cristão, e não vejo mal algum ter um amigo ou parente gay, pode haver pessoas religiosas que tem sérias restrições a contatos com esse público. E aí, pergunto: vamos forçar alguém a ser amigável, ameaçando prendê-lo se ele não for?? Recordo-me que uma vez na praia, hospedado numa pousada, tive uma séria crise de intoxicação alimentar, e foi um amigo homossexual, juntamente com outra amiga minha hetero, que me levaram pro hospital, dispensando todos os cuidados que uma pessoa que se preocupa com um amigo faz, inclusive dispondo-se a passar a noite fazendo companhia a um amigo enfermo. Essas pessoas são piores, são mais pecadoras, são mais anormais ou mais falhas do que as pessoas heterossexuais? Nessas horas, perguntaria Lutero: " e não somos, afinal, todos pecadores?". Para mim, Lutero é meu "Che Guevara da Igreja", e através de sua postura revolucionára, condenou o legalismo,os preconceitos e a hipocrisia da igreja da época, e por muitos desses fatores tornei-me luterano: acolhendo a todos os que se sentem injustiçados, mas não combato a injustiça com mais injustiça. Concordo que a homofobia é ridícula, e não só eu, mas boa parte da comunidade cristã esclarecida desse país (basta ver o manifesto da revista evangélica Ultimato, contra a homofobia), mas não podemos optar tão e simplesmente pelo caminho da criminalização para combater a homofobia. Já pensou o que seria daqueles que faziam piada sobre os negros, se a lei sobre o racismo fosse aplicada contra eles? E as piadas de homossexuais? Aposto que boa parte dos programas humorísticos ia sair do ar. No Direto Penal aprendemos que annimus jocandi não se confunde com annimus injuriandi, e se ninguém tá entendendo bulhufas do meu latim, que pegue um dicionário!!

Ora, sou contrário ao preconceito, pois defendo a igualdade, mas, sobretudo a igualdade entre desiguais, respeitando-se a diferença. Se eu falo como jurista, é claro que vou defender a igualdade de direitos e considerar uma ilegalidade alguém que não reconhece o direito do outro por sua condição sexual (seja para reconhecimento de uma união estável, adoção, pensão, herança, direitos previdenciários, e todos os direitos reconhecidos nos tribunais), mas também respeito o direito à opinião, e isso também não se pode criminalizar. Tenho colegas fundamentalistas na teologia, com posicionamentos que eu acho horrorosos, mas nem por isso vou mandar prender os caras por isso. Se queremos manter a diversidade, precisamos deixar que o outro que não nos apoia conviva conosco numa mesma sociedade, mesmo que seja para criticá-lo.
Nem sempre querer ser politicamente correto corresponde a ser juridicamente justo, como nos ensinam os garantistas. O Projeto de Lei 122, da forma como se encontra redigido, versa sobre uma série de equívocos que logo, logo, vão trazer à tona sua flagrante inconstitucionalidade. Enquanto isso, caso vire lei, enquanto estiver em vigor, vai acabar se tornando letra morta, pela sua total inexequibilidade, denunciando o fantasma positivista que ainda assombra nosso parlamento. Reconheço a boa vontade de parlamentares, como a deputada Fátima Cleide, do PT, relatora do projeto, mas entendo que, em determinados assuntos, o erro da bancada que apoiou o projeto, foi de unilateralizar a discussão, sem a participação dos demais envolvidos na sociedade civil, em seus setores mais lúcidos; não aqueles fundamentalistas, ligados à ideia de que a iniciativa é "coisa do diabo" ,e nem do radicalismo fascistóide de alguns grupos gays, que tentam, a todo custo, instituir uma "lei da mordaça gay", sob pretexto de defenderem direitos. Como bom abolicionista, sou totalmente contrário a iniciativas que optem pelo caminho da criminalização para solucionar problemas sociais que devem ser resolvidos pelo caminho democrático do debate, do pleno exercício da opinião ( e, nesse sentido, sou bem habermasiano), e da forma como o PL vai indo, opinião é o que não se quer mesmo. Defendo os direitos dos gays na sociedade, mas sou contra a aprovação do projeto!

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