sexta-feira, 13 de novembro de 2009

SEGURANÇA PÚBLICA: "Papai, não quero ser policial quando crescer!"

A Revista Época publicou esta semana (edição n.599) uma das mais completas reportagens, acerca de uma pesquisa sobre a vida de policial no Brasil. A pesquisa inédita foi feita com 64 mil policiais no país inteiro, realizada pelo Ministério da Justiça, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Trata-se de um calhamaço com mais de 115 páginas que retrata um sentimento pessoal de cada membro da corporação que compartilho e sei muito bem como é. Afinal, também sou policial! É, meus caros leitores, além de advogado, cientista político, poeta, escritor nas horas vagas, professor, músico enrustido e modesto, também sou policial. Quer dizer, ainda estou policial, ou já me senti policial, ou......, peraí, agora sou eu também quem está em conflito!!!

Conflito esse que é vivido por cada servidor público nesse país que veste uma farda da PM ou da Brigada Militar, ou um colete da Polícia Civil. Este ser peculiar, o homo policiandis (gostaram do neologismo?), além de despreparado para o exercícío da função, é também humilhado cotidianamente por seus superiores, sofre por ser discriminado pela sociedade, vive em constante sinal de alerta, achando-se em perigo, e o salário óooooooooooo!!!!!
Dizem que a polícia tortura, e concordo, alguns torturam, e eu me arriscaria a dizer: poucos torturam em nossa práxis policial, com o advento da Constituição de 88. Mas se alguns ou poucos torturam, muitos são torturados. Nos treinamentos das polícias é comum haver reclamações de que, durante os cursos, policiais são torturados com socos, pontapés e bombas de gás lacrimogênio. Lembro-me de um treinamento que tive na academia, em que minha equipe tinha a obrigação de se esconder da equipe adversária, e passamos a noite inteira num matagal infecto, cobertos de lama, picados por mosquitos e debaixo da chuva, só pra escapar de nossos algozes, que se nos pegassem, além de uma surra, nos jogariam amarrados numa lagoa. Até aí tudo bem, pois foi só um treinamento. Mas imagina isso todo dia!!!


Sou filho de militar e por isso discordo de que tortura em treinamento seja sinônimo de criar uma corporação de "machos". É comum ver esses mesmos homens (e mulheres) durões chegarem em casa e desabar aos prantos nos braços de suas esposas (os), namoradas(os) ou mães. Isso quando não se tornam violentos dentro de casa, devido à frustração de um trabalho estressante e chefes sádicos, ou se viram para o alcoolismo, as drogas, ou tentam se matar. Confesso que quando vivi esse cotidiano, houve uma época em que num acesso de stress, após um dia de trabalho, eu corri para um descampado próximo de casa e descarreguei, atirando para o ar, todas as balas do pente da 380 que carregava. Vida de policial não é mole, não. E antes que vocês pensem que sou um louco (talvez seja mesmo), um psicótico ou que precise seriamente de terapia ( e de Deus), informo, com alta margem de acerto, que 99,9% dos policiais no Brasil sentem ou já sentiram a mesma coisa. Só não tá assim quem requisitou e conseguiu uma vaga pra ficar cedido na burocracia de outro órgão público, ou tá estudando, assim como eu.

Segundo o sociólogo Marcos Rolim, professor do Centro Universitário Metodista em Porto Alegre, ouvido pela reportagem de Época, por passarem por intenso sofrimento psicológico, os policiais acabam despejando suas frustrações de forma violenta sobre a população. E não me digam que estou chamando policial de monstro ou coitadinho. Na verdade, policias são meus heróis, apesar de tudo, heróis. Apesar de eu nunca ter imaginado que um dia ia virar policial. Gosto da polícia desde a minha infância, ao ver os seriados policiais enlatados norte-americanos, obter diversão na sessão da tarde vendo a série Loucademia de Polícia, ou ler os romances do gênero que meu pai adorava, e me passou pela tradição o gosto literário, além de colecionar bonequinhos e miniaturas de viaturas. É bem verdade que na adolescência eu queria ser militar da marinha, como meu pai, e o sonho juvenil passava de longe de uma delegacia, mas sim por conduzir um navio em alto-mar. Mas o tempo passou, fiquei adulto e fui ficando velho, e as responsabilidades da vida acabaram, por uma seta do destino, a me colocar na polícia. Ainda bem! Bom, naquela época posso dizer que sim.

Quando me formei no curso de Direito minha zelosa e querida mãe disse, na formatura, com orgulho: "agora, meu filho estudioso vai ser no mínimo um promotor ou juiz, pois sabe que se não estudar vai acabar sendo delegado de polícia!". Ai,ai, quão proféticas foram as palavras da minha velha senhora! De advogado dos movimentos populares e assessor parlamentar virei "tira" e por dez anos conduzi meu mister profissional, entrando e saindo de favelas, enfrentando tiroteios, prendendo traficantes, flagranteando fraudadores e estelionatários, perseguindo estupradores, desarmando bêbados em festas, e o que é pior: sendo babá de preso. Sim, porque sair por aí com uma viatura e uma sirene ligada, armado até os dentes pode até ser divertido! Chega a dar uma sensação de poder, uma "vontade de potência", como diria Nieszcthe. Agora, ter que levar preso pra audiência, levar pro médico ou pro dentista, revistar cela fétida, e dar ou tirar ventilador, pelo amor de Deus!! Aí já é demais.

Refiro-me a alguns estados do Nordeste, em especial o meu saudoso Rio Grande do Norte onde trabalhei, lugar onde se vive ainda a esdrúxula situação de se manterem presos em delegacias. Além de ser flagrantemente inconstitucional (com decisões da Justiça a respeito), ilegítimo, desrespeitoso e humilhante (para os policiais e para os presos), ilegal, imoral, e até engorda (no caso, engorda minha ira, que cresce a cada nova estatística da total incapacidade governamental de resolver o problema), a situação na terra de Câmara Cascudo só não piora porque os presos ainda não tacaram fogo nas delegacias (mas chegaram perto). É só abrir, para quem interessar, o site dos jornais Tribuna do Norte ou Diário de Natal, para ver a que ponto chegou a vilania do poder público em manter sardinhas humanas dentro dos cubículos dos prédios da polícia civil. Todo mês uma delegacia de plantão é interditada por ordem judicial, todo dia chegam mais e mais presos nas delegacias. E não tem greve da categoria que acabe com isso. É o fim da picada, meu povo! O fim mesmo, da polícia, se continuar a ser tratada desse modo.
Enquanto isso, pela pesquisa do MJ e do PNUD, 35% dos policiais no Brasil prefeririam uma única policia estadual unificada, de natureza civil (ó glória, saber disso), 44% e 42%, respectivamente, entendem que nem o Ministério Público e nem a Justiça, possuem qualquer colaboração com o trabalho policial, e, ao contrário, manifestam profunda indiferença quanto às dores de políciais civis e militares. Sei muito bem o que é isso, pois, permitam o desabafo, dentro da realidade dantesca de ter de manter presos em delegacias, fui obrigado a recusar por sucessivas vezes ordens judiciais para escolta de presos em audiências, por ter só uma viatura na minha unidade e estar ultra-atarefado com outros afazeres, típicos do trabalho policial, como fazer uma prisão em flagrante ou conduzir uma investigação. Era comum eu receber memorandos da Corregedoria, pedindo explicações acerca das reiteradas reclamações de insensíveis juízes (refiro-me a alguns, e não todos), que, "não estando nem aí" para o serviço policial, queriam por queriam que a polícia escoltasse presos para as audiências, pois o Judiciário ou nenhum outro órgão estatal possuía pessoal suficiente e habilitado para realizar as referidas escoltas. Pelo amor de Deus! O que é que é isso, meu amigo, minha amiga???? Onde está Wally??? Queriam me enlouquecer!!
Pois é, assim como meus parceiros de corporação cansei de ser humilhado e acabo, infelizmente, engrossando o coro detectado na pesquisa, entrando dentro do percentual majoritário de 55% de policiais que, se pudesse escolher de novo que carreira seguiria, não escolheria ser policial. Também faço parte dos 54% que gostaria que seu filho não seguisse a função policial. Antes de ser uma profissão, ser polícia é questão de vocação, que tem sido nos últimos anos muito afetada pelo descalabro na segurança pública, os baixos salários, a falta de formação e treinamento sistemático, de comandos baseados na competência pessoal e não na hierarquia, e de completa desconfiança da população acerca do trabalho policial. Sinto muito a falta do policial a la "Guarda Belo", dos desenhos animados do manda-chuva. Aquele policial zeloso, camarada e boa praça, que pôde ser alardeado através das políticas públicas de policiamento comunitário, infelizmente ainda muito incipientes dentro da realidade nacional.

É, portanto, um novo projeto de polícia que defendo, e se não posso fazer isso dentro de minha corporação de origem, ao menos faço em sala de aula, procurando ( e, de vez em quando, encontrando) efetivos agentes transformadores. De minha quimera ideológica de ver uma polícia nova, equipada, edificada, unificada, bem remunerada, respeitadora dos direitos humanos e da legalidade, e, sobretudo, respeitada pela sociedade, acredito que os primeiros passos foram ou ainda podem ser dados no momento em que nos conscientizamos enquanto povo do papel da polícia na sociedade. Papel esse bem diferente daquele ocupado pelas desastrosas atuações da policia paulista ou carioca, cronicamente relatados nos meios de comunicação, expondo a vergonha nacional de termos uma polícia tão desqualificada. Acredito, mas não necessito de milagres nesse assunto, mas sim em responsabilidade, pela iniciativa cívica de cada um de detectar o sofrimento das nossas polícias e atenuar esse sofrimento mediante a mobilização social. Por isso, mais uma estatística da pesquisa, revelada num contingente de 81% dos policiais pesquisados, que concordo plenamente: GREVE GERAL, JÁ!!! DE TODAS AS POLÍCIAS! A LUTA CONTINUA, COMPANHEIROS!!

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