sexta-feira, 21 de maio de 2010

Reflexão: Sobre o papel transformador da mentira!

"A mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer", disse Mário Quintana. A filosofia da mentira é mais cara do que pensamos, pois todos mentem, cotidianamente, às vezes apenas suaves e até infantis "mentirinhas", como aquelas que dizíamos a nossas mães quando elas perguntavam se tínhamos escovado os dentes antes de ir pra escola, até chegarmos às "mentironas", aquelas que se diz ao Fisco na hora de omitir os ganhos no Imposto de Renda, ou as que são prometidas nas campanhas eleitorais; ou a pior de todas: quando o companheiro ou a companheira pergunta: "tu estás me traindo?", e você responde com a cafajeste cara mais mentirosa do mundo:" não!".

Entendo que o 1.o. de Abril deveria ser o dia dedicado não apenas à mentira, como sublime antônimo da verdade, mas sim aos mentirosos; principalmente aqueles que tem a habilidade de mentir para si mesmos. Todos nós somos os piores mentirosos do mundo quando mentimos para nós mesmos! Mentimos que queremos realmente permanecer num determinado emprego ou cargo, mentimos quando dizemos que queremos ficar com determinada pessoa, mentimos que queremos ficar numa mesma cidade, mentimos que estamos com dinheiro e pagamos todas as dívidas, mentimos que não estamos envelhecendo ou engordando, mentimos até que queremos ser felizes da forma como nossos familares desejariam que estivéssemos; mas, o pior: uns mentem até que querem viver! A pior mentira é mentir pra si próprio de que não tem problemas ou de que não precisa de ajuda. E esse tipo de mentira, pode sim, custar muito caro.

Já estive muito doente, mas doente não daquelas doenças que nos deixam gripados, febris, com a garganta inflamada, ou cheio de manchas no corpo. Minha doença não foi daquelas que quebra o corpo, mas sim a doença que quebra a alma. Vivi a doença da mentira! Na obra intitulada O Suicídio, há mais de um século, o pensador Emile Durkheim procurava estabelecer causas sociais para uma doença a que os psiquiatras atribuíam causas individuais. O suicídio não era causado somente por uma enfermidade física, por uma deterioração cerebral na parte da cachola que lida com as emoções, pois o suicídio era uma enfermidade social. Talvez cansados das mentiras tão volumosas e tão gritantes de uma sociedade (a mentira social da igualdade entre os homens é uma delas), alguns preferiram se matar; enquanto que outros, ao contrário, tão crédulos de que a sociedade representava a verdade, consideravam que suas vidas simbolizavam uma mentira, que deveria ser extirpada com o fim de suas próprias vidas (o chamado suicídio altruísta).

Não quero parecer depressivo nem tétrico em meus escritos, mas apenas veemente, talvez um pouco austero, ao confessar que, ao já ter padecido da doença, dizer agora que; como indivíduo minimamente são ou sadio, não digo que não suporto a mentira que alguns dizem, mas a mentira que alguns vivem, mentindo a si próprios que não estão doentes. A mentira do depressivo ao mentir que está alegre, a mentira do orgasmo daquele que nada sente, a mentira do psicopata ao saber que está mentindo, mas está pouco se importando com isso.

Uma coisa é certa e sabemos disso: a mentira faz mal! Não gostamos da mentira porque somos programados ontologicamente para a verdade. Sobre isso debruçavam-se os filósofos desde Platão e Aristóteles, passando por Kant com suas máximas morais (será que é racional acreditar numa verdade universal?), e assim a descobrimos na religião, como no cristianismo, onde a palavra bíblica afirmava que somente Deus era a verdade, o caminho e a vida. A verdade da vida parece não ser tão fácil para muita gente, ou talvez não seja suportável para todos. A verdade, por mais virtuosa que seja, dói! Foi dolorosa a verdade histórica dos povos que descobriram seu caminho somente através de guerras,crueldades e dor, assim como foi a verdade universal da necessidade de reconhecer o humano, descoberta apenas ao final de um holocausto,  das atrocidades de um conflito com milhões de mortos, de um conflito mundial que quase destruiu o mundo. A verdade apareceu nua e crua em Nuremberg, depois de tantos anos de mentira totalitária nazi-fascista. No Brasil, vivemos um período de mentira deslavada debaixo das baionetas, durante vinte anos de ditadura militar, e a mentira continuou sua permanência em nosso âmago quando o Supremo Tribunal Federal a chancelou, ao manter como está a Lei da Anistia, sem punir torturadores do período ditatorial. A mentira tem pernas curtas, mas é longeva!

A mentira pode servir para favorecer interesses oportunistas, como sabemos, e auxiliar os expedientes mais mesquinhos. Maquiavel ficou conhecido como um artífice da mentira no pensamento político, mas foi apenas mais um dos pensadores que descobriu que a mentira é somente uma das artimanhas de um saber instrumental vinculado ao pragmatismo das ações humanas, na busca de resultados, do que um saber veiculado a um senso moral. O eleitor gosta das mentiras de seu candidato e futuro governante, se ao menos o resultado de atender a ânsia por pão e circo for atingido. A amante gosta das mentiras de amor do Don Juan mentirosamente apaixonado, tão somente porque ele a levou ao gozo. Lembro-me do filme Underground, do diretor bósnio Emir Kusturica, onde numa passagem ,a personagem Natalya dizia ao seu amante, o inescrupuloso e ardiloso traficante de armas Marko, após uma noite de prazer: "ahh, Marko, você me diz mentiras tão lindas!". A mentira tanto pode servir como arma para os cafajestes como instrumento de defesa para os mais frágeis. Pela mentira, George W. Bush incitou o mundo a uma Guerra contra o Iraque, sob o pretexto (mentiroso) de encontrar armas de destruição em massa e assim conduziu a águia americana a mais uma horrorosa guerra, enquanto que a mentira se confirmava, com a ausência das tais armas de destruição, e a revelação da verdade, nos campos de petróleo ocupados por tanques e soldados americanos. A mentira é útil em alguns casos, porque dá muito lucro!

Mas me volto ainda à mentira daqueles que mentem seus próprios sentimentos, e por isso sofrem, assim como fazem sofrer um monte de gente ao seu redor. A mentira confere sobrevida a casamentos há muito desfeitos, assim como atrapalha muitos namoros, naufragando relações que sequer começaram a acontecer. Lembra daquelas situações em que você ou alguém próximo encontra uma pessoa recém-separada, e essa, de sopetão, ao te dar o primeiro beijo, diz que você é o amor da vida dela? Mentir para o outro, no momento em que se diz amar alguém, quando ainda não se está pronto para amar, é uma das mentiras que cobre um alto custo emocional. Mentimos para nós mesmos quando não queremos encarar a verdade da solidão. Quem já viveu e se relacionou afetivamente sabe o que é isso, sabe da dureza da verdade da solidão, e, recordando-me de Baumman, em sua interessante obra Amor Líquido, a modernidade que nos obriga a sempre ter companhia traz consigo a mentira revelada pela solidão. Não estamos com alguém, verdadeiramente, enquanto não aceitarmos a solidão como verdade inconteste, enquanto não encararmos nossas próprias verdades que a solidão nos traz. Só assim poderemos começar a deixar de mentir! Não acredito em sofredores de amor apaixonados pelo outro enquanto não encararem a verdade de um sofrimento que só pode ser vivido pelo luto. Não gosto de namorar "viúvas", enquanto o luto não foi vivido, a verdade do sofrimento não foi encarada, e, após encarar a dureza da verdade, alguém seja capaz de deixar de mentir.

Como eu havia dito, é muito fácil transformar a mentira numa filosofia de vida. Entretanto, ela pode ter um poder transformador sobre o outro quando é descoberta. Aprendemos no decorrer da vida a decodificar a mentira, a saber quando alguém está mentindo e se portar (até se proteger) disso. Assim como podemos ser mentirosos, podemos nos esquivar dos que mentem, o que, por si só, também pode ser uma atividade dolorosa ou complicada, no momento em que a mentira tece uma rede que, facilmente, pode nos enredar. Não é à toa que encontramos títulos tão manjados nas locadoras de filmes chamados "Rede de Mentiras" ou "Jogo de Mentiras". A mentira em sua metástase pode provocar verdadeiras convulsões sociais, e seu papel maléfico é relatado até nas obras de Shakespeare, tanto em comédias, como em "Muito Barulho por Nada", ou em tragédias, como em "Otelo".

Já menti muito e não digo que nunca deixarei de ser totalmente um mentiroso, mas sou verdadeiro em dizer que o aprendizado que obtive com a mentira foi o de não mentir novamente, sob pena de eu sentir o peso das amargas consequências. Como dizem as frases mais manjadas, mas também as mais certas: por detrás de uma mentira sempre existe uma grande verdade. Creio que eu não sou igual ao personagem de Jim Carrey, na comédia "O mentiroso", mas aprendi também a lição de moral do filme, que a melhor forma de escapar a mentira e falar a verdade é quando deixamos a verdade vir, exatamente de onde ela nunca fugiu: do coração. Um abraço a todos, de verdade!!!

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