Pra quem me conhece e sabe de minhas predileções político-partidárias, não há duvida nenhuma de que votarei em Dilma Roussef para presidente. Não apenas porque "o cara" quer, mas sim por acreditar que o projeto político representado pela escolhida de Lula segue em confronto com o projeto oposicionista de Serra. Não que as propostas de Dilma sejam revolucionárias, mas ao menos são as propostas de um governo que teve o mérito de sair da mesmice na discussão sobre a área de segurança (razões que explico no decorrer deste texto). Bueno! O que temos agora, em termos de candidaturas?! De um lado, pela candidata governista, temos a presença do ideário socialista, com um Estado forte, com tudo de bom e ruim decorrente disso, inclusive com uma burocracia exagerada, um populismo de esquerda que acomoda sindicalistas em cargos públicos, clientelismo, troca de favores e um certo fisiologismo típico de quem barganha apoio do PMDB, e um assistencialismo bem no estilo social-democrata, além de uma política externa que tenta colocar o país no protagonismo internacional, mesmo que esse implique numa briga com os Estados Unidos. Já, de outro lado, pelo candidato oposicionista, temos a marca do projeto neoliberal iniciado com Fernando Henrique Cardoso, capitaneado pela aliança tucano-democratas, do Estado mínimo, privatista, interessado em fomentar o grande capital através do discurso da reforma tributária, num tom economicista, privilegiador do interesse privado e porta-voz da classe média urbana e consumista, que no âmbito externo tem um projeto mais modesto: de subserviência ao capital especulativo internacional, mais acomodado aos interesses norte-americanos, até o ponto de crucificar figuras como Chavez, Raul Castro, Evo Morales e Ahmadinejad, como verdadeiras "forças do mal".
Mas o que me preocupa mais no discurso de Serra não é tanto a coloração político-ideológica que ele tanto ostenta com sua plumagem tucana, já há muito tempo, mas sim seu discurso voltado para á area da segurança pública. Serra me parece mais um devoto dos discursos da lei e da ordem, bem ao gosto da tirânica classe média paulista e de sua elite econômica, que acha que questão social é caso de polícia, defendendo um populismo punitivo ao gosto das massas que assistem na TV o Datena, com o recrusdecimento das penas de prisão, a ausência de trégua para os criminosos, na ideologia preventiva do "combate ao crime", uma visão totalmente panóptica do aparato carcerário, além de uma defesa (pasmem!) apaixonada da Lei dos Crimes Hediondos. É, se já era perigoso pensar no retorno dos neoliberais ao poder (não obstante o lulismo hoje ser considerado uma espécie de social-liberalismo), agora, o mais preocupante é ver como esses neoliberais irão lidar com assuntos vinculados à segurança do Estado.
O antrópologo Loic Wacquant, conhecidíssimo por duas grandes obras suas: As prisões da miséria e Punir os Pobres, denuncia a estratégia neoconservadora e da nova-direita de tratar as questões sociais como questões que só se solucionam com o emprego do aparato punitivo do Estado. Para Wacquant, seria a "passagem do Estado-providência para o Estado-penitência", no momento em que o Estado, ao não conseguir suprir os excluídos de política sociais, "joga a toalha" e resolve a questão da pobreza da forma mais rápida e eficaz, tirando os pobres das ruas, higienizando o espaço público, levando-os para o cárcere. É desse discurso que se alimentam candidatos como Serra, juntando-se ao coro dos demagogos de plantão, ao criticar os movimentos de direitos humanos, por serem, segundo eles, tolerantes demais com a bandidagem. Povo quer ver ação!Povo quer ver o fim da impunidade! Povo quer sangue! E assim como Foucault, no capítulo inicial de Vigiar e Punir,onde ele narra uma execução em praça pública, com o martírio de um condenado, políticos como Serra querem ver supostos criminosos massacrados pela mídia e pela opinião pública, mofando ou apodrecendo na cadeia; como bem pôde ser observado quando o folclórico político tucano e ex-governador de São Paulo, hábil no uso das expressões "trololós" da vida, ampliou seu voculário, dizendo num popular português que os criminosos, na sua presidência, deveriam ser todos "engailoados" (como se já não fossem, tendo em vista os dramas da superlotação de nosso sistema prisional).
Ao escutar a entrevista ao vivo de Serra na Rádio Gaúcha, no começo deste mês de maio, por exemplo, em duas horas de conversa do candidato tucano com os radialistas, pude escutar além de sóbrias exposições sobre futebol e sobre as chances do Santos e do Palmeiras, verdadeiras pérolas do discurso punitivo, quando Serra se referiu saudosamente à eficácia da Lei 8.072 (dos Crimes Hediondos), para ele, sabiamente aprovada pelo Legislativo após a morte da atriz Daniela Perez (como se ninguém não estivesse cansado de saber disso), bem como defendeu o uso de pulseiras e tornozeleiras eletrônicas para monitorar presos do semiaberto ou em liberdade condicional. Sobre o sistema prisional é que Serra foi mais efusivo, dizendo que se tratava sim de responsabilidade dos estados da federação lidar com a questão carcerária, não devendo a União meter o bedelho nisso, defendendo tão somente um aumento de verba, destinada em forma de repasse aos estados, para que eles solucionassem o dilema carcerário, para a construção de mais presídios; ou seja, nenhuma solução a longo prazo envolvendo expedientes não punitivos: para os pobres mais cadeia; para os ricos, garantia de verbas para que se construam mais cadeias a fim de afastar os indesejáveis do convívio com a distinta comunidade do Alto de Pinheiros.
Serra defende a criação de um Ministério da Segurança Pública, reeditando o bom e velho papo furado da Força Nacional. Agora pergunto: Força Nacional pra que? Pra atender os interesses de quem, cara-pálida? Se for para essa tal nova força fazer o papelaço que fez o Exército, ao invadir os morros cariocas, digo que isso será motivo de festa para os traficantes e para o crime organizado em geral. Ora, mais militares ou gente fardada armada até os dentes, pra invadir localidades dominadas por criminosos, significa em termos matemáticos, mais chances de se conseguir subornar ou cooptar agentes públicos, e estimular o tráfico de armas que se dá entre habitantes dos morros e integrantes dos quartéis. Na sua inteligência de cidadão urbanóide criado na Móoca, Serra deve pensar tais expedientes de força em momentos de suposta "instabilidade institucional" (leia-se, arruaças do movimento sem-terra), para colocar seus leões emplumados para sufocar manifestações populares. Foi o que fez sua colega de legenda, Yeda Cruzius, no Rio Grande do Sul, no tocante ao levante dos professores grevistas da rede pública, foi o que fez a Brigada Militar gaúcha, liderada por um então "Rambo" coronel Mendes, que culminou com a desastrada ação que envolveu a morte de um sem-terra, morto com um tiro nas costas, disparado pela própria polícia. O aparato de segurança, segundo a lógica tucana de candidatos como Serra, deve ser montado em torno daquela mesma polícia que atua em São Paulo do "atire primeiro, pergunte depois", no velho estilo "Rota na rua". É! O xerife Serra está se notabilizando com esse seu discurso de programa do Ratinho. Pode ser até que consiga alguns votos no Ceará, terra de seu colega de legenda, Jereissatti, e dos pistoleiros que vivem lá.
Não basta o discurso de força empregado por Serra se voltar, no âmbito da segurança interna, para os tradicionais "clientes" do sistema criminal (pretos, pobres, favelados e excluídos), mas, também no âmbito externo, Serra quer se firmar como uma espécie de "Álvaro Uribe brasileiro", denunciando a criminalidade nas fronteiras, e se valendo de expedientes denuncistas, mesmo sem ter provas cabais nas mãos, detratando seus vizinhos, como na recente entrevista numa rádio paulista, em que meteu o pau em Evo Morales e no governo boliviano, dizendo que eles fazem vista grossa quanto à entrada e saída de cocaína que passa pelo seu território, estimulando o tráfico de drogas que assola o Brasil. Serra deixou bem claro que seus parceiros prefenciais no Cone Sul estão longe de ser tipinhos esquerdistas, incendiados pela mídia neoliberal e neoconservadora de periódicos como a Veja ou o Estadão, e que seu discurso está muito mais próximo daquele adotado pela nova direita americana, que pregam doutrinas de segurança hoje muito questionadas, como a da "janela quebrada" ou tolerância zero e que defendem, por exemplo, a presença de tropas americanas no território próprio, comprometendo a soberania, a pretexto de combater o narcotráfico. Numa urbe gigantesca como São Paulo, Serra pode até bancar o Rudolph Giulani bandeirante, mas numa realidade mais complexa de um país de dimensões continentais como o Brasil, aí o papo é outro.
Somam-se intelectuais que debatem o problema da segurança como Luiz Eduardo Soares, Nilo Batista, Marcos Rolim, Guaraci Mingardi, Maria Lucia Karam, Miriam Guindani, Vera Malagutti, Alba Zaluar e o coronel José Vicente, que há muito questionam o receituário adotado por políticos como Serra ou pela seara tucano-democrata. Na verdade, o bom e velho papo do "bandido bom, bandido morto", ressuscita apenas políticas criminais ineficazes, com danos colaterais imensos na manutenção de direitos fundamentais como a vida e liberdade, do que se propor a resolver realmente o problema da crise de segurança do Estado. É uma velha lógica reativa e imediatista, a defendida por candidatos como o tucano oposicionista, e de nada resolvem a dinâmica da criminalidade, desenvolvida no país após o processo de redemocratização.
O problema do discurso de Serra nessa área espinhosa como a segurança, é o mesmo problema da direita enquanto espectro político de lidar com o tema; pois, na verdade, segurança só passou a ser preocupação dos mais ricos quando os portões de suas mansões passaram a ser ameaçados por sequestradores. Durante séculos são os mais pobres que sofrem com a falta de segurança, pois é o trabalhador subalterno, assalariado, que corre o risco diário de ser assaltado numa parada de ônibus, de madrugada, ao sair do trabalho, e não o banqueiro com seu helicóptero ou carro blindado. Para o segmento mais pobre e assalariado da população, nunca foram pensadas políticas de segurança, até porque assaltos, estupros e violência doméstica sempre fizeram parte da crônica suburbana. O que incomoda as elites é agora ter que tratar com uma nova forma de criminalidade desenvolvida na globalização, chamada comumente de crime organizado, que aí sim afeta o capital e atinge o patrimônio dos mais endinheirados. Nesse momento, ao menos na seara tucana, desde o governo de Covas em São Paulo ou de Marcelo Alencar no Rio de Janeiro, não se pensam em políticas de planejamento da segurança que levem em conta formas de participação democrática da sociedade na gestão da segurança, numa lógica substitutiva na aplicação de penas, levando mais em conta aspectos reeducativos do sistema criminal, do que meramente punitivos. No discurso de Serra vejo muito da velha ideologia liberal, de inspiração católica, de ver o criminoso como um pecador, aquele que, pelo livre-arbítrio, tornou-se um safado que escolheu livremente o caminho do crime, e por isso deve ser punido. É bem a lógica da classe média paulista, branca, católica, e de origem italiana, de onde veio o candidato oposicionista, do PSDB, e não das comunidades negras, pobres, e de origem nordestina, como as que viveu o rapper Mano Brown, do Racionais MC. Sobre isso, é interessante ver a entrevista que Brown dá e que se tornou célebre no You Tube, sobretudo na parte em que fala de Serra, e que tive oportunidade de deixar aqui à disposição dos leitores do blog.
Em contrapartida ao discurso de Serra, parece que nesse sentido, se o governo Lula fez pouco, ao menos algo fez no imobilizado campo da segurança pública, quando isso envolve a União. O surgimento e evolução do PRONASCI (Programa Nacional de Segurança e Cidadania) do Ministério da Justiça, na gestão de Tarso Genro, parece realmente ter saído do papel e tido algumas tímidas (porém louváveis) iniciativas, no sentido de mobilizar amplos e efetivos segmentos da sociedade civil e da própria polícia, para pensar e redefinir o papel da segurança. A esquerda é pródiga em produzir pensadores nessa área, não porque seja uma debilidade da direita em manter cérebros que pensam uma reforma do aparato punitivo, mas sim pelo fato de que candidatos como Serra, ao menos até agora em seus discursos, não demonstraram possuir por trás deles, em sua assessoria, alguns think tanks do pensamento conservador ou neoliberal (como nos EUA), que pensem cientificamente a segurança do Estado, mesmo que para defender posições ideológicas reaconárias. Serra permanece preso ao velho discurso liberal-positivista do direito penal, ao defender mais normas criminalizantes, mais penas e mais punições. Em nada acrescenta sua proposta de segurança, porque se encontra míope, limitada a ver o problema da criminalidade numa perspectiva meramente microssocial, vendo a pena como um problema do bandido, e não como um problema da sociedade. Por outro lado, através do PRONASCI, o governo federal conseguiu, aos poucos, romper com o invólucro limitador da velha visão tradicional sobre o crime, pensando mais a segurança como um problema não só de Estado, mas de sociedade, chamando essa mesma sociedade a discutir o delito, numa proposta mais macrossocial. O que quero dizer com isso é que se levou em conta no gerenciamento da segurança, não mais o simples emprego do efetivo estatal armado para debelar o delito, mas sim de uma evidente participação popular nas políticas de segurança, em iniciativas transformadoras, como o policiamento comunitário, os territórios da paz, o trabalho com jovens e as unidades de polícia pacificadora.
Estou certo de que como criminólogo, Serra dá um bom economista, e nessa condição ele possa acreditar, até ingenuamente, que o problema da criminalidade no Brasil resolva-se tão somente através de um cálculo punitivo. Entretanto, bem mais complexas são as relações e reações humanas, e creio ser muito difícil ele convencer alguém de que seu discurso na área de segurança não passa da mera casca, ao propor a criação do tal Ministério da Segurança, de discos voadores pra perseguir criminosos, ou seja lá o que se passe na sua lustrosa careca. Só sei que do jeito que vai, esse discurso não cola! E como diria Mano Brown, ao ser perguntado de um José Serra na presidência, ele resumiu: catástrofe. Vote certo, vote consciente em 2010! Não vote no Serra!Agora se você for tucano, reaçonário e só gostar de filmes com explosões e tiros!Aí, bom!Não dê me ouvidos!Bala neles!
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