Sabe aquelas horas em que a deprê bate, você se recorda de amores passados e perdidos, a nostalgia te acomete, ou você simplesmente quer arrancar lirismo da tristeza, transformando as lágrimas num ato extremamente romântico? Bueno! Pra quem sabe o que é isso, digo que, de minha parte, arranco essas sensações ouvindo as canções de Jeff Buckley. Para mim, uma das mais belas vozes e um dos mais belos intérpretes em língua inglesa, que já surgiram na música contemporânea, tão precocemente retirado de um mundo que ele ajudou a embelezar com suas canções.
Jeffrey Scott Buckley nasceu na Califórnia, em 17 de novembro de 1966, filho do também músico Tim Buckley, e morreu jovem em Memphis, numa fria noite de 29 de maio de 1997, afogado, após nadar no rio Wolf, uma afluente do rio Mississipi, com apenas 30 anos de idade. Segundo relato de Keith Foti, um dos amigos do músico e o último a vê-lo com vida, Jeff tinha saído para nadar, cantarolando alegremente Whotta lot a love, clássico da banda Led Zeppelin, quando desapareceu nas águas frias do rio, sendo seu corpo descoberto pela polícia apenas uma semana depois.
A morte prematura do músico abalou o mundo do rock, levando-se em conta o sucesso de seu primeiro e único disco, chamado Grace, de 1994, que até hoje possui as mais belas músicas repetidas à exaustão nas rádios alternativas e I-pods de muita gente pelo mundo afora. O single Last Goodbye, música tocada na MTV naquela época, até hoje tem diversas versões cover, cantadas por diversos músicos (famosos ou não) e serviu de trilha sonora para o filme Vanilla Sky, com Tom Cruise. A perfomance única e exuberante de Jeff, meio que intimista, lírica, vigorosa, mas romântica ao extremo, fizeram que até hoje esta música sirva como inspiração para muitas pessoas, inclusive eu, que das diversas canções prediletas que escutei e ainda escuto na vida, adoro escutar os acordes iniciais e a voz de lìmpida de Buckley, iniciando seus versos, cantando: "This is our last goodbye. Afraid to feel the love between us die....". Simplesmente lindo!
Ao ouvir Buckley e o disco Grace, rememoro os amores e desamores, passados e recentes. As alegrias, as lembranças, as descobertas afetivas, as decepções. Na música acima citada, quando Jeff Buckley canta com sua voz macia e em semifalsete o verso "Kiss me, please, kiss me! But kiss me , babe, out for desire, no consolation", simplesmente desabo. "It makes me so angry", diz ele, "cause I know that in time.....I'll only make you cry, this is our last goodbye!". Bravoooo!!!
Em outra canção de amor desse disco, Love should come over, a versatilidade de poeta romântico, do cantor e guitarrista norte-americano, é bem observada por quem escuta essa canção, que ensina como fazer uma bela balada "dor de cotovelo", falando de solidão, sem ser piegas, ingênuo ou adocicado demais. O sentimentalismo de Buckley é a conta-gotas e na dose certa, quando, por exemplo, escuta-se a estrofe: "Sometimes a man gets carried away. When he feels like he should be having his fun. And much too blind to see the damage he'sdone. Sometimes a man must awake to find that, really,He has no one...". Ai, ai, ai. É de partir os ossos, vocês não acham?
Existem outros e maravilhosos belos exemplos de jóias musicais nas antológicas canções desse saudoso cantor californiano, como Lilac Wine, a belíssima Hallelluia, cover da clássica canção de Leonard Cohen, e muitas outras. Tem também o álbum póstumo de Jeff, Sketches from the Sweetheart for the dumb, numa compilação de inéditas reunidas por sua mãe, dois anos após sua trágica morte, com a música principal, Everybody here wants you; mas prefiro que os leitores do blog, que se interessam por música e nunca ouviram essa bela voz, desfrutem da experiência de ouvi-la e depois emitam sua opinião.
Jeff Buckley viveu e morreu prematuramente numa época em que o século passado, saturado por hipocrisia, desconfiança, guerras e falta de amor, estava prestes a acabar. Ainda não tínhamos celulares em profusão, Mp3s, i-pods, internet banda larga, e nem todo o aparato que caracterizou nossa sociedade de fim de século, com toda sua velocidade, tecnologia e incertezas. Vivi numa época em que escutar Jeff Buckley era quase como um ritual xamânico, com meus amigos fãs reunidos no apartamento de um deles, com o som ligado tocando as músicas do cara, muitas caipirinhas na cabeça, alguns com seu baseado, metidos em papos-cabeça como na música de Nei Lisboa, entre solidariedades a cada copo e a certeza única de que a música de Buckley tinha vindo pra ficar, apesar de sua precoce perda. Ouvir Jeff Buckley era um ritual universitário, assim como é para qualquer fã de Los Hermanos, Chico Buarque, Mutantes e Pato Fu. Digo apenas que a música de Jeff Buckley, apesar de ser adequada a esses momentos históricos pelos quais vivemos, pode servir ainda hoje como arma de protesto; mas um protesto suave, sútil, harmônico, em que a força das palavras, da musicalidade e da poesia, já consegue por si só transmitir mensagens que desarmam os olhares inquisidores do desamor.
Na geração atual de Lady Gagas e similares, é bom saber que ainda existem talentos genuínos, com o mesmo grau de sentimentalismo, talento real e veracidade como músicos que foram Jeff Buckley, e que hoje podemos atestar ao ouvir cantores como Rufus Wainwright, um envelhecido Morrysey, que após ter saído do The Smiths não deixou cair a peteca, e continua a fazer discos profundos e matadores, ou ainda novos talentos, como Antony and The Johnsons. De qualquer forma, pra quem gosta, é sempre bom reescutar Jeff Buckley, formando a tribo confessa de seus ardorosos fãs, que se satisfazem com tão pouco, com apenas um belo disco, daquele que partiu tão cedo, mas que conseguiu deixar sua marca, como um anjo belo que veio ao mundo como um pássaro fugidio, para uma única revoada, com sua voz de rouxinol: que Deus te abençoe, Jeff Buckley!!!
Um blog em forma de almanaque, com comentários sobre cultura, política, economia, esporte, direito, história, religião, quadrinhos, a vida do próximo, o que você desejar, ou que os seus olhos se permitam a ler e comentar, contribuindo para as reflexões desse humilde missivista, neófito nos mares internaúticos, em meio a esta paranoia moderna.
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