De mudança pro novo apartamento, comecei a me mexer para revirar as quinquilharias, na árdua e infeliz tarefa de decidir o que manter e o que jogar fora de casa. Acreditem, meus amigos, na minha casa tem papel, mas muiiitoooo papel. Entre livros, revistas, gibis, posters, CDs, DVDs e agora Blu-Rays, também tenho a curiosa mania de colecionar........cartões de visita. Isso mesmo, existe todo tipo de colecionador, desde os colecionadores de selos aos colecionadores de cartões, e eu me encaixo no segundo grupo; pois revirando entre os cartões que mereciam ser jogados no lixo, deparei-me com um bonito cartão, da cor azul, com gravuras tribais em alto-relevo, que me lembrava um ateliê de tatuadores localizado em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. No verso do cartão tinha uma data e um horário: 20 de janeiro de 2010, uma quarta-feira, às 16:30 horas. Era o horário em que fiz a minha primeira tatuagem: um leão, desenhado no braço esquerdo, de aspecto tribal.
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Personagens como Kat Von D tornaram
a tatuagem uma arte ainda mais popular. |
O curioso é que eu nunca tinha reparado na data em que fiz minha primeira tatuagem, até ter encontrado este cartão com o lembrete no verso, na mesma semana em que me preparo para fazer minha segunda tatuagem: agora no braço direito. Antes de decidir me tatuar pela primeira vez, refleti muito, passei meses pensando, e agora ao fazer uma nova tatuagem, mais uma vez, fico me perguntando até que ponto a arte de pintar o próprio corpo não exerce um fascínio quase irresístivel que, para alguns pode se tornar um vício, ou até mesmo uma doença. Analisando os prós e contras, de quem é a favor ou contra as tatuagens, podemos encontrar ínúmeros argumentos de cunho social, religioso, político, psicológico, antropológico e até filosófico. Tatuagens são uma produção humana, assim como são todos os bens culturais, mas os símbolos que são desenhados na pele por alguém ganham uma característica mística, que leva muito em conta a relação do homem com os símbolos, desenhos e cores. É importante sacar também, de como a tatuagem saiu das tribos primitivas, deixou de ser parte de um gueto social e se transformou efetivamente em arte, independente das belíssimas curvas do corpo todo tatuado da linda tatuadora, Kat Von D, em seu programa de TV semanal,
L. A. Ink.
Historicamente, a tatuagem remonta à Pré-História, sendo encontrada há mais de 3.000 anos em gravuras de antigas cavernas e em desenhos de arte rupestre, demonstrando que, já naquela época, os homens cobriam a pele com desenhos. Uma das principais características da tatuagem que não mudou até hoje foi o emprego de agulhas com tinta para perfurar a pele, e assim deixar marcados definitivamente no corpo da pessoa, os traços de desenhos e símbolos representados pela tatuagem. No Egito foram encontradas múmias, datadas de 2.400 anos, que possuíam vestígios de terem sido tatuadas nos ombros e abdome, com a imagem de animais ou criaturas mitológicas. Na Roma antiga, os cidadãos romanos diferenciavam-se de plebeus e escravos através das tatuagens, assim como os membros do exército, integrantes da Legião Romana, tinham tatuado no braço o símbolo do senado romano, identificando-os como soldados.
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As tatuagens são quase que obrigatórias
entre integranes da Yakuza. |
Todos os períodos da história humana foram acompanhados de gente tatuada. Os guerreiros pictos, povos bárbaros, inimigos dos romanos, tatuavam o corpo por acreditar que as imagens lhes traziam força e equilíbrio para combater os inimigos, e seria mais fácil serem reconhecidos no além, através dos desenhos que carregavam no corpo, pois acreditavam que as gravuras eram gravadas na alma, e não apenas na pele de quem era tatuado. Entre os habitantes de Samoa, para os samoanos a arte de pintar o corpo significava a passagem da infância para a vida adulta, simbolizando um certo status social dentro do grupo, enquanto que em diversas ilhas, os nativos da Polinésia, Indonésia, Nova Zelândia e Filipinas, também traziam tatuagens tribais gravadas no corpo. Tornaram-se famosas as tatuagens dos
maoris, habitantes da Oceania, cuja beleza dos traços tribais de suas tatuagens são reproduzidas hoje no mundo inteiro. Também na Europa, durante a Alta Idade Média, celtas e vikings tinham suas próprias tatuagens, diferenciando-se entre si as gravuras empregadas por dinamarqueses, normandos e saxões. No Novo Mundo, os colonizadores encontraram diversas tribos indígenas, tanto na América do Sul, quanto na América do Norte, que usavam tatuagens, em sua maioria associadas aos deuses, com reprodução de animais que simbolizavam eventos sobrenaturais que marcavam a fé anímica desses povos.
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Na era moderna, as tatuagens eram populares,
inicialmente entre os marinheiros. |
Durante muito tempo, no decorrer dos últimos séculos, no ocidente, nos ambientes urbanos, a tatuagem foi associada a um estilo de vida marginal, muito mais relacionado a guetos específicos da sociedade, como presidiários ou marinheiros. No Japão, por exemplo, com o fim da era dos samurais e a modernização do arquipélago japonês, surgiu o crime organizado, e com ele a máfia japonesa, conhecida como
Yakuza, caracterizada por seus integrantes tatuados. A máfia russa é caracterizada em sua escala hierárquica pela quantidade de tatuagens que um integrante possui, para subir na organização. Com a popularização da tatuagem a partir da contracultura norte-americana, nos anos sessenta, a arte de desenhar o próprio corpo acabou adquirindo cada vez mais adeptos, popularizando-se na comunidade de surfistas a partir dessa época até hoje, surgindo grandes estúdios de tatuagem e muitos tatuadores ficaram famosos por seu estilo, tornando-se verdadeiros astros pop. Nos Estados Unidos, a partir dos anos setenta do século passado, multiplicaram-se os estúdios para a difusão da arte, com a proliferação de pessoas tatuadas que queriam marcar no corpo a imagem de seus ídolos, com referências à estrelas pop como James Dean, Marilyn Monroe e Jimmy Hendrix. Na década de oitenta, tornou-se lugar comum as tatuagens de animais, dentre eles o tigre e águia, levando em conta o início da globalização e o contato com outras culturas, especialmente com a tradição oriental, relativa ao horóscopo chinês e às divindades do taoísmo e do hinduísmo.
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Durante um bom tempo as tatuagens em
mulheres eram consideradas um tabu, no
começo do século passado, até se populariza-
rem de uma forma que, hoje em dia
é mais difícil encontrar
uma mulher não tatuada na praia do que
o contrário. |
Biblicamente falando, ainda existe uma certa controvérsia no meio religioso (principalmente nos ambientes mais conservadores) acerca da possibilidade de um cristão ou crente de alguma religião, poder ser tatuado. Intérpretes das escrituras e alguns estudiosos consideram a prática proibida em virtude das lições contidas no Antigo Testamento, especialmente em Levítico 19:29 ( “Pelos mortos não dareis golpes na vossa carne; nem fareis marca alguma sobre vós. Eu sou o Senhor”). Porém, pelo fato de não haver expressamente nenhuma proibição da prática no Novo Testamento, alguns teólogos com visão mais crítica tendem a levar em consideração o caráter histórico do texto bíblico nessas passagens, e identificar a aversão do povo de Israel às tatuagens, pela sua identificação com povos que, na época, eram seus inimigos, como os filisteus, que andavam tatuados.
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Tatuagem tradicional samoana, com sua
riqueza de detalhes. |
Alguns segmentos mais radicais das igrejas pentecostais chegam a identificar a tatuagem com símbolos do demônio, enquanto que outros simplesmente repugnam a presença de pessoas tatuadas dentro de cultos ou missas ou chegam a destituir fiéis que são descobertos com tatuagens, de cargos honoríficos na igreja. Muitos esquecem, que nas primeiras décadas da igreja cristã, na época da perseguição dos romanos, muitos cristãos se faziam identificar uns aos outros mediante símbolos tatuados no corpo, carregando na pele as letras IHS
(Iesus Hominibus Salvatorem)
, que representavam, tais como sinais identificados com a cruz ou com o peixe, símbolos da fé cristã (o significado traduzido da sigla é "Jesus, Salvador dos Homens"). Em 798 d.C. o papa Adriano I chegou a banir a prática das tatuagens, dizendo que aquilo que se tratava de coisa do demônio, e quem fosse encontrado e identificado com sinais de desenhos em tinta pintados na pela, deveria ser queimado na fogueira. Entretanto, durante as Cruzadas, há relatos de cavaleiros que tatuavam a cruz na pele, como forma de não serem obrigados a se converter à fè muçulmana, orando para Alá. Hoje em dia, é comum também encontrar igrejas neopentecostais, com pregações mais alternativas e includentes, permitindo a frequência nos cultos de fiéis tatuados e tendo até mesmo pastores que possuem tais gravuras estampadas no corpo, como na Igreja Bola de Neve.
Na II Guerra Mundial, nos campos de concentração nazistas, a tatuagem tinha um significado mais infamante, no momento em que eram tatuados às força os judeus, ciganos, homossexuais e deficientes físicos e mentais que fossem feitos como prisioneiros, sendo que muitos dos sobreviventes daquela época mantém tatuada nos braços e punhos a numeração que era marcada em seus corpos, como forma de homenagear os mortos do holocausto e nunca deixar de esquecer, principalmente aos mais jovens, dos horrores que não podem mais voltar, com o surgimento do totalitarismo nazista.
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Típica pin up tatuada, relevando o glamour de uma
arte antes tida como banida. |
Hoje em dia, a tatuagem praticamente foi assimilada socialmente. Lembro-me quando morava em Porto Alegre, cidade onde fiz minha primeira tatuagem, da quantidade de pessoas tatuadas que pude encontrar, pois antes de me tatuar eu andava pelas ruas, olhando curiosamente quem possuía tatuagem, percebendo que naquela época, no verão, era possível ver que de cada grupo de 4 pessoas que eu avistava, uma era tatuada. Eram homens e mulheres de diversas idades, estilos e etnias, que não tinham medo de mostrar desenhos no corpo, porque tais gravuras já faziam parte de sua identidade pessoal e cultural.
Identidade. Talvez, ao menos no meu caso, pessoas buscam se tatuar como forma de afirmar identidade ou para gravar no corpo momentos expressivos que passaram na vida. Quaando decidi me tatuar encontrei num sonho a figura de um leão, e a partir dali os sonhos foram identificadores de como e do quê eu queria me tatuar, guiando minhas opções, que, a meu ver, tem muito mais de influência do subsconciente, mas também de alguns aspectos de intervenção divina. Escolhi o leão, porque além de ser prosaicamente o animal correspondente ao meu signo, era uma figura que simbolizava força, determinação, bravura, mas também simbolizava a figura de Jesus, a partir da leitura de um escritor cristão reconhecido por sua obra, C.S. Lewis, que com suas
Crônicas de Nárnia conseguiu colocar aspectos da fé cristã em sua obra literária antológica, colecionando milhões de leitores em todo mundo e gerando uma rentável e famosa franquia cinematográfica. O Leão Aslam de Lewis era a imagem simbólica que acabei por me interessar em tatuar no corpo, estilizado numa gravura tribal; pois, para quem leu a obra de Lewis, não se trata só de um Leão, mas sim de uma releitura do Leão de Judá que se encontra na Bíblia, personificado biblicamente na figura de Jesus.
Já o desenho da coruja, outro animal que também escolhi fazer, para marcar minha segunda tatuagem, simboliza para mim experiência, sabedoria, e, sobretudo, cautela a partir da observação, virtudes que passei a desenvolver com o decorrer da idade e que ainda venho aprimorando, com a chegada da maturidade. Sei que a opção de fazer uma tatuagem não é tão fácil, e só deve ser feita após muita reflexão e escolha adequada de um tatuador conhecido e respeitado por sua seriedade e higiene, para que depois eu não me arrependa amargamente depois. Afinal, por mais que existam, hoje, aparelhos desenvolvidos e caros para a retirada de tatuagens, o processo ainda é muito doloroso, não há garantia alguma de que a pessoa que se tatuou possa voltar atrás, apagando sua tatuagem e as marcas e manchas na pele permanecem para sempre, ou só podem ser removidas mediante uma cirurgia plástica. Tatuagem não deve ser vista como uma brincadeira ou modismo, e a pesoa tem que ter a completa consciência da alteração definitiva que poderá fazer em seu corpo. Sempre me tatuo com um misto de fascínio e medo, mas sei que, em minha fé, independente de como estiver meu corpo, para onde eu for depois de morrer, sei que terei um Deus que amo, que irá me receber da forma como eu me encontro, com meus pecados e virtudes, por acreditar que Ele está entre nós!
Portanto, por favor, peço aqueles que não gostam da tatuagem que não recrimem tanto por eu ser um homem tatuado; mas, se não concordam, que ao menos respeitem-me do jeito que sou, com minhas virtudes e defeitos, com meu corpo imperfeito, na perfeição de espírito que busco e sei que nunca alcancarei pela minha condição limitada de ser humano; mas um ser um que crê, que tem fé em Deus e acho que a salvação da alma só se encontra Nele, cabendo a Ele recriminar minhas escolhas e me criticar por ser tatuado, e mais ninguém. Afinal, como bom luterano tatuado, acredito que só a fé me justifica e me salva, e só através dela sei que poderá haver um céu tanto para tatuados, quanto para não tatuados. Tchau, gente! O ateliê do tatuador me espera!!