domingo, 9 de agosto de 2009

CINEMA: O "GRUPO BAADER MEINHOF" E AS ILUSÓES DA ESQUERDA

Fora a música do Legião Urbana, do primeiro disco, chamada "Baader Meinhof Blues", confesso que eu não sabia nada do significado desse título em alemão, até ter visto o filme do cineasta Uli Edel. O filme retrata a trajetória do grupo de extrema-esquerda de mesmo nome, liderado por Andreas Baader e por Ulrik Meinhof, na conturbada cena política da Alemanha Ocidental dos anos 70. O grupo foi um dos ilustres representantes da cena do terrorismo moderno, nas últimas décadas do século XX, junto com o Setembro Negro, grupo palestino responsável pelo trágico sequestro e morte de atletas israelensens na Olimpíada de Munique, em 1972.



Ficamos sabendo, por exemplo, no filme, que naquela época, no auge da Guerra Fria, entre uma Alemanha dividida forçadamente em dois países: em um lado Ocidental, capitalista (vinculado aos Estados Unidos), e outro, Oriental, socialista (alinhado a hoje extinta União Soviética), a antiga República Federal da Alemanha não era nem de longe o paraíso liberal da democracia e dos sonhos de consumo capitalista, no controverso governo de Willy Brandt do pós-guerra. Na verdade, reproduzindo a realidade de muitos países da época, no mundo inteiro, a velha polarização entre direita e esquerda era mais forte do que nunca, e a repressão aos movimentos civis, contraculturais e de contestação na Alemanha, era igual ao que se presenciava no mundo todo. Enquanto passeatas de estudantes pediam o fim da Guerra do Vietnam, criticavam o imperialismo ianque a ganância financeira dos banqueiros e multinacionais, a polícia germânica reprimia com brutalidade diretamente proporcional, idêntica, ou talvez até pior do que as borrachadas, bombas de gás lacrimogênio e tiros que levavam os nossos estudantes em movimentos similares, no auge das ditaduras latino-americanas. Para a juventude alemã daquela época, envolvida em partidos comunistas ou movimentos de esquerda, o governo germânico, títere dos Estados Unidos, estabelecido após a Segunda Guerra na Alemanha Ocidental, era apenas um prolongamento atenuado do totalitário regime nazista.
Foi nesse contexto e inspirados pelo líder estudantil de esquerda, Rudi Dutchke, vítima de um atentado a tiros que quase tirou sua vida, em 1968, que jovens como Andreas Baader montaram, junto com a namorada Gudrun Enslinn, um grupo de resistência formada em sua imensa maioria por jovens estudantes universitários, mal saídos da adolescência, que com ardor juvenil e sarnas no rosto, culminaram por tomar em armas, contra um governo totalitário e um regime explorador ao qual criticavam tanto. A magnitude dos extremismos e o radicalismo político dos dois lados é mostrado sem retoques e sem maniqueísmos pelo diretor alemão. A RAF (Rote Armee Franktion) sigla da Facção Exército Vermelho alemão, grupo formado por Baader e depois integrado por Meinhoff, era uma agremiação armada de esquerda tão ou mais equivocada e extremada quanto as sanguinolentas Brigadas Vermelhas italianas, integradas dentre outros, pelo tão polêmico e mais célebre preso político no Brasil, o italiano Cesare Battisti.
O filme retrata bem as ilusões da esquerda militante na década de setenta do século passado, com a mobilização de milhares de estudantes idealistas, no final da década de sessenta, entusiasmados com os empolgantes discursos políticos e ideológicos dos líderes socialistas da época, embalados ainda pelos ideais da Revolução Cubana, a morte de Che Guevara na Bolívia, os conflitos entre árabes e israelenses na Palestina, e a eclosão da Guerra do Vietnam. O período é também marcado pelo apogeu da contracultura, dos discursos de liberação sexual, psicodelismo e rock'n roll, típicos em jovens cheios de energia e contestadores, como foram Andreas Baader, no final da década de sessenta. O filme ainda mostra a trágica repressão de rua a manifestantes estudantis em 1967, que protestavam contra a visita do xá iraniano Reza Phalavi ao país, numa das cenas mais vibrantes e realistas, reproduzindo um violento acontecimento histórico, que foi a morte no tumulto, do estudante Benno Onesorg, baleado por um policial. Quanto mais a polícia reprimia, mais jovens estudantes e simpatizantes da causa socialista se juntavam a movimentos revolucionários, acabando por gerar a polêmica RAF.

Já a adesão da jornalista Ulrick Meinhof ao movimento é mais singular, tendo em vista que antes dos tempos de clandestinidade, a revolucionária se tratava de uma pacata, porém questionadora mãe de família, escritora de renome local, bastante conhecida na mídia por suas entrevistas e programas de TV. É num ambiente de profundo radicalismo político, e vendo nas ruas a repressão estatal aos movimentos de trabalhadores e estudantes, que Meinhoff se junta ao movimento, auxiliando uma das fugas da prisão de Andreas Baader, acabando por se tornar uma das principais líderes do grupo, responsável pelos atos de propaganda e pelos discursos da organização extremista alemã.
O excelente filme de Uli Edel é intepretado pela melhor safra de jovens atores do novo cinema alemão, contando dentre eles com Moritz Bleinbtreu, fazendo o papel de Andreas Baader (que pode ser visto no ótimo filme Corra Lola), Johanna Wokalek no papel de Gudrun, namorada do líder terrorista, Alexandra Maria Lara (que pode ser vista no filme Control, de Anton Corbjin, sobre a vida do vocalista do Joy Division, Ian Curtis) e Martina Gedeck, atuando como Ulrik Meinhof. O filme ainda conta com o talento do veterano ator Bruno Ganz, esse mais conhecido do público em geral, por sua marcante atuação como Adolf Hitler, no ótimo filme de Oliver Hirchibel A Queda, assim como por sua antológica participação na década de oitenta, em Asas do Desejo, do cultuado diretor Wim Wenders. Em Baader-Meinhof Komplex, Ganz faz o papel de Horst Herold , chefe da polícia alemã, um dos poucos representantes das forças repressivas da Alemanha do pós-guerra, que entendia a motivação dos jovens extremistas. Der Baader-Meinhoff Komplex foi indicado para o Globo de Ouro e concorreu este ano ao Oscar de melhor filme estrangeiro; mesmo assim, não deixou de receber as reaçonárias críticas de alguns, alegando que o filme teria a enrustida pretensão de "glorificar o terrorismo". Entretanto, a meu ver não se trata nada disso, mas é o espectador quem tem que tirar suas próprias conclusões vendo o filme.
A história do grupo revela bem as consequências dos atos e iniciativas de todos aqueles jovens que, assim como no Brasil, resolveram integrar a luta armada no século passado, para combater governos capitalistas. Ao se ver o filme, é fácil compará-lo a outras obras que também tratam do movimento estudantil e da esquerda armada nos "anos de chumbo", como o indicado ao Oscar, "O que é isso Companheiro!"(Four Days in September), baseado no livro autobiográfico de Fernando Gabeira, e dirigido por Bruno Barreto, ou a ótima série da Globo "Anos Rebeldes". A desilusão dos personagens é retratada pelo próprio impacto de suas ações, traduzidas em atentados à bomba, sequestros, assaltos a banco e assassinatos. Enquanto passa o tempo na prisão, Andreas Baader vai percebendo o descontrole do terrorismo nos grupos que ajudou a criar, através de uma segunda e terceira gerações de terroristas, cada vez mais jovens, cada vez mais precipitados, e cada vez mais sedentos de sangue. O radicalismo culmina na desesperada tentativa dos seguidores de Baader de obter a liberdade de seu líder, associando-se com terroristas palestinos no mal sucedido sequestro de um voo da Lufthansa, que ia para Frakfurt. O resultado das desastradas ações de seus apoiadores, acaba por comprometer a saúde física e mental do grupo na prisão, e até sua crença na revolução socialista, culminando num triste epílogo, daqueles que constatam que "o sonho acabou".


O triste fim de Andreas Baader e de Ulrik Meinhof, engolidos pela sua própria causa política, marca também o fim das ideologias radicais que pululavam na geopolítica global até a queda do muro de Berlim, em 1989, o término da Guerra Fria e o fim das duas Alemanhas, na última década do século passado, mas não apagam a chama dos movimentos revolucionários por igualdade e justiça social no mundo, agora em outras frentes, que ainda animam a juventude, como a defesa do meio ambiente, a liberdade digital, o combate à fome e contra as mazelas da globalização, como a permanência de Estados autoritários. Como diria um dos trechos da música homônima do Legião Urbana, na saudosa voz de Renato Russo: "Não estatize meus sentimentos. Pra seu governo,O meu estado é independente."

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Coloque aqui seu comentário:

Gates e Jobs

Gates e Jobs
Os dois top guns da informática num papo para o cafézinho

GAZA

GAZA
Até quando teremos que ver isso?