domingo, 9 de agosto de 2009

CULTURA: OS 40 ANOS DE WOODSTOCK

Gosto muito de festivais de música, e sempre que posso participo de alguns. O primeiro grande festival de música que me recordo foi na adolescência, com a explosão midiática do primeiro Rock'n Rio, em 1985. A vinheta de abertura era empolgante demais. A música tema do festival bombava nas rádios e na televisão, com seu refrão histórico, e que ainda cantarolo: "se a vida começasse agora, e o mundo fosse nosso outra vez...."! Naquela época, como todo adolescente de classe média baixa, liso e morando com os pais, não consegui autorização do meu pai pra sair de Brasília, onde morava, até o Rio de Janeiro, assistir Queen, Ozzy Osbourne, Iron Maiden, AC/DC, Whitesnake, Scorpions, B-52's, James Taylor, dentre outros, no auge de seu vigor.Tive que ver pela TV um precoce Paralamas do Sucesso, com os então 3 jovens, Herbert Vianna (de óculos), Bi Ribeiro e João Barone fazendo bonito como power trio tupiniquim, cantando, obviamente: Óculos. Pude observar pela primeira um ídolo da jovem guarda, Erasmo Carlos (o eterno "tremendão"), com seus primeiros fios brancos na vasta cabeleira que começava a ceder à calvície, mandando bem nos seus antigos hits de rock'n roll, vestido numa espalhafatosa roupa de couro, enquanto Baby Consuelo, de axilas peludas e seu então marido Pepeu Gomes, agitavam os palcos como nos tempos de seu Novos Baianos. Vi a redenção de um Cazuza num potente Barão Vermelho embasbacar as bandas gringas que vieram pro festival, estupefatos em ver que no Brasil havia rock'n roll, segurando a bandeira de um Brasil da nova era, do movimento das Diretas, e do fim da ditadura, cantando a antológica Pro dia nascer feliz!
Sim, festivais não são apenas shows de rock, com muita música, barulho, cerveja (nem tão gelada assim), drogas para alguns, amassos, paqueras, transas para outros, brigas ou muito cheiro de urina, pela falta de banheiros químicos. Festivais são fatos históricos, fenômenos sociais, marcos divisórios no desenvolvimento cultural de uma civilização. Desde o tempo dos gregos faziam-se festivais de música, arte e poesia, nos períodos que antecediam ou sucediam colheitas, como forma de tributo aos deuses e meio de estimular a socialização, pela convivência em grupo. Na sociedade pós-moderna e capitalista de hoje, os festivais de música são grandes negócios, envolvem uma quantidade enorme de propaganda, gastos e anunciantes, mexem com a máquina da indústria cultural e com os meios de comunicação em geral, e, naturalmente, engordam a conta bancária de milhares de artistas, investidores e empreendedores.
Entretanto, faz 40 anos que um desses festivais entrou para a história mudando para sempre não apenas a indústria da música, mas a própria percepção cultural da civilização do Ocidente. Há 40 anos, no vasto terreno de uma fazenda, em Woodstock, situada no povoado de Bethel, no estado de Nova York. Lá, entre vacas, bois, mato e uma paisagem bucólica da Zona Rural, montou-se uma estrutura de palco e som destinada a receber 400 mil pessoas, sem contar as 350.000 que não conseguiram chegar ao local, reunindo, na época, alguns dos maiores ícones da música popular, tais como Jimmy Hendrix, The Who, Carlos Santana, Joe Cocker, Cleedence Clearwater Revival, Jonnhy Winter, Jefferson Airplane, Joan Baez, Janis Joplin, dentre muitos outros. Foram 3 dias de muita música, natureza, amor livre e protestos (dos dias 15 a 18 de agosto de 1969), sendo que apenas um mês atrás, o homem havia chegado à lua, e um ano antes, ocorriam os violentos protestos estudantis de maio de 1968, na França. Os EUA estavam no auge da Guerra do Vietnam, o mundo encontrava-se dividido numa Guerra Fria entre as duas maiores potências: Estados Unidos e União Soviética, e a repressão estatal a quem fosse hippie, cabeludo ou comunista era total.

Naquela época, para a juventude havia 3 caminhos possíveis: ou se adequava ao sistema tornando-se um careta conformista e resignado social (ou alienado), ou virava comunista e subversivo, aderindo à luta armada, participando de algum movimento de contestação, ou virava hippie. Na verdade, dependendo do caso e da pessoa, podia-se tornar até as duas últimas coisas ou mais. Não havia ainda uma certeza médica clara sobre os malefícios de algumas drogas, como a maconha e o LSD, e o quadro de injustiça social e desemprego era tão drástico que, dificilmente, algum jovem com um mínimo de hormônios no corpo, não iria se rebelar. O discurso de "paz e amor" pululava desde os discos dos Beatles, com seu lendário álbum Sargent Pepper, até os protestos universitários com flores no lugar de fuzis, empunhadas por jovens que queriam viver na natureza, tomar banho de rio pelados, e se abster de comer carne, fugindo das paranoias urbanas e produtivistas da sociedade urbano-industrial capitalista. Era a época da luta pelos direitos civis, pelos discursos de igualdade de raça e de gênero, no embalo da revolução sexual e do sexo livre. Pregava-se um modo de vida alternativo e Woodstock foi o ritual de passagem desse período, reunindo num mesmo lugar milhares de porraloucas, bichos-grilo ou simplesmente gente que estava de saco cheio daquela careta e engravatada sociedade de competidores consumistas, onde um peixe grande sempre devora o pequeno.


Se o sonho acabou, conforme dizia John Lennon ao anunciar o fim dos Beatles, o sonho na verdade materializou-se por três dias na fazenda de Max Yasgur, proprietário do terreno onde rolou o festival. Woodstock foi importante porque foi o retrato histórico e marcante de uma época, o símbolo máximo da contracultura, e da tentativa dos jovens de mostrar, através da música, caminhos para a transformação social e individual. Muitos desses jovens são hoje idosos, senhores e senhoras distintos, com suas famílias repleta de netos. Talvez a grande maioria tenha encaretado, voltado pras grandes cidades e arrumado um emprego numa empresa privada, vivendo hoje da previdência ou montado algum negócio que prosperou ou não. Outros podem ter teimado em não envelhecer, morrido de overdose, sido internado em manicômios, ou simplesmente terem virado velhos ermitões ou natuberas, cultivando seus jardins em alguma zona rural ou área praieira, vivendo ou não em comunidades alternativas, tomando chás naturais e curtindo a vida sem incomodar ninguém.

Mesmo com suas versões recentes, em festivais na década de 90, a palavra Woodstock virou apenas uma logomarca, um selo como é aquele que ostentam as gravadoras, e que agora desaparecem mediante a troca gratuita de música pela internet, dispensando os longos e extensos corredores das lojas de discos, agora fechadas pelo advento dos shopping centers e dos programas de MP3, que aposentaram os CDs. Woodstock de verdade só teve um, o primeiro, de um tempo que ficou e não voltará. Ficou marcado como um evento inovador, pois além de reunir pela primeira vez grandes nomes da música popular num mesmo palco, com estilos musicais variados, ainda popularizou a arte por ter sido um evento de massas, que começou com a proposta de ser pago, e acabou gratuito, pela multidão de jovens que simplesmente derrubou as frágeis cercas que rodeavam o espetáculo, invadindo o terreno e tomando parte da festa. Em Woodstock casamentos aconteceram, bebês nasceram, amizades se formaram, mentes foram transformadas, seja pelo uso de substâncias alucinógenas, seja pela simples reflexão que as letras engajadas e psicodélicas de grupos como Joan Baez e Jeferson Airplane estabeleciam, quando eram cantadas nos palcos pelos seus autores. No festival, o hino dos Estados Unidos: Star Spangled Banner, eternizou-se nos riffs de guitarra de Jimmy Hendrix, não apenas como a música de uma nação, mas como o lamento de uma América contraditória, que começava a se deparar com sua raiz profunda, de blues, de rock'n roll, mas também de conflito social e ódio racial. Os 3 dias de música pediam 3 dias de paz, 3 dias de pessoas se amando de verdade, sem cobranças, sem preconceitos, sem intolerâncias, num evento que quase se assemelhou a um fenômeno religioso, dada a catarse coletiva e o estado de êxtase que acompanhou seus participantes, durante dias e horas de sol, chuva, lama, banhos de rio, acordes de violão em barracas de acampamentos, mas, sobretudo, o som interminável de guitarras, baterias, vozes poderosas em graves, agudos e falsetes. Woodstock mexia com nossos mitos e idealismos, e é por isso que 40 anos depois merece ser lembrado.
O Rock'n Rio de 85, próximo às areias da praia, foi o nosso Woodstock. Com ele, numa época singular para a América Latina, com o fim das ditaduras, abria-se um novo horizonte também para nossa juventude. Se uma lição que podemos aprender com o festival de 69 é que a vida não pode parar, mesmo tendo que resistir a muita caretice, ao fim da chapação ou com a obtenção de novas formas de êxtase e reflexão, que podem ser proporcionados pela religiosidade, ou ao menos em algum tipo de crença num processo genuíno de transformação. É nisso que ainda acredito, e penso que isso que muito daqueles jovens hippies pensavam ao se dedicar aos temas da paz e do amor universal. Woodstock: Peace and Love Forever!

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