O mais novo petardo da política, digno de comentário (já que os papos sobre o total desabamento da credibilidade de Sarney, e do Senado por tabela, são sabidos até por uma criança de 5 anos), trata-se da recente candidatura da senadora e ex-ministra Marina Silva para a presidência da república, embaralhando de vez o tabuleiro da sucessão presidencial em 2010. Se antes, dava-se por favas contadas a tradicional polarização eleitoral entre PT e PSDB (em um enrustido bipartidarismo político nacional, à americana), de um lado com Dilma Roussef como candidata da situação e, de outro, José Serra e sua cruzada antitabagista de outro, agora, assim como no futebol, antes mesmo de iniciar a partida, surge o imponderável: surge Marina.
Se no futebol, antes do time entrar em campo, nos surpreendemos com a mudança da escalação do time e dos candidatos a artilheiro, que pode mudar completamente a sorte do jogo, também na política eleitoral ocorre o mesmo quando surge uma nova e inusitada candidatura. Pois é, no sabor do inusitado que Marina Silva chega, quando nem o mais notável dos prestidigitadores previa, apresentando uma candidatura alternativa, largando o PT após décadas de militância, talvez com igual, ou maior amargor e destemor que sua ex-companheira de legenda, Heloísa Helena, ao sair da legenda de Lula, fazendo, como fez outrora, a atual vereadora alagoana do P-SOL, candidatando-se à presidência pelo Partido Verde. A candidatura de Marina surge e ganha corpo num momento complicadíssimo para o Palácio do Planalto, tendo em vista as trapalhadas do governo, em ter que suportar uma indigesta defesa da permanência de Sarney na presidência do Senado, mesmo com uma avalanche de denúncias de corrupção, fisiologismo, clientelismo e todo tipo de sujeiras "secretas" atribuídos ao líder político maranhense, sendo ironicamente o PT, antes o partido da democracia e da esquerda transformadora, o responsável pela sobrevida do último dos coronéis nordestinos.
Já foi dito aqui neste blog que o PT se apequenou diante do PMDB, visto que a legenda de Renan Calheiros assumiu, de vez, as rédeas do poder, encurralando o partido do governo e tomando seu principal líder e presidente da república como refém. Hoje, nesse abraço de afogado do governo com Sarney, não resta outra alternativa a Lula do que manter a defesa de Sarney a qualquer custo, sob o peso de perder em definitivo a liderança que a base governista tem no Senado, cedendo-a à oposição. Sob o preço da credibilidade política do PT, da decepção de seu eleitorado, e do risco de ser produzido um estrago fundamental na história do partido, maior do que o Mensalão (outrora um dos maiores defensores da ética na política), Lula e seu partido constatam arregalados o triste preço de ter vendido sua alma de Doutor Fausto ao Lúcifer peemedebista. A governabilidade tem seu preço, mas será a qualquer preço?
Com a chegada de Marina Silva à corrida presidencial, promove-se a chegada de uma terceira via que foi tentada, sem sucesso, por Heloísa Helena, na eleição passada. Tenta-se agora, mais uma vez, emplacar a candidatura de uma mulher à presidência, com possibilidade de êxito sendo festejada como feito histórico, acrescida de um realce peculiar às características pessoais da candidata Marina: fala mansa e ponderada (diferente do discurso raivoso de Heloísa), evangélica ( o que rende muitos votos no segmento eleitoral religioso), ficha limpíssima, sem envolvimento em escândalos de corrupção, e, sobretudo, "verde", numa época em que o discurso politicamente correto a nível global passa, necessariamente, pela defesa do meio ambiente, como caminho para o desenvolvimento sustentável. Tornou-se clássica e de reconhecimento público a luta ingrata de Marina contra o agronegócio e os grandes produtores rurais, na defesa das reservas ambientais, comprando briga com todo o staff desenvolvimentista do governo, custando-lhe os primeiros cabelos brancos e o cargo de ministra. A saída melancólica da ex-ministra da pasta do Meio Ambiente, foi acompanhada de aplausos dos movimentos sociais e até da comunidade internacional, conhecedora do trabalho de Marina, que lamentavam como uma jogadora tão talentosa e virtuosa foi retirada tão precocemente do time do presidente Lula. Saiu Marina, entrou o folclórico Carlos Minc, com seus coletes coloridos e sotaque carioca da Praia de Copabacana. Naturalmente, ele também com um reconhecido currículo na defesa das questões ambientais, mas nem de longe possuídor do ar mítico e da história cinematográfica que possui sua antessora no Ministério.
Pois é, assim como Lula, Marina tem a credibilidade de uma imagem a ser vendida sem muito custo pelos marqueteiros políticos de plantão. Tal como o presidente, a senadora vem de origem humilde, de uma família de seringueiros, vivendo toda sua infância e adolescência no analfabetismo, envolvida no trabalho braçal das florestas do Acre, até produzir o improvável, numa comovente lição de superação que só se equivale a de Lula, tornando-se uma atuante liderança sindical e famosa líder política. Sua luta ao lado do lendário Chico Mendes pela preservação da Amazônia também é conhecida, como também os perigos que enfrentou com ameaças de fazendeiros, jagunços, pistoleiros e políticos reaçonários da ditadura, suportando tudo com seu corpo pequeno e franzino, sua fala mansa, mas com a dignidade de um gigante. Marina foi uma das poucas mulheres de origem humilde, assim como foi uma época sua colega, ex-favelada, Benedita da Silva, a orgulhar a nação com uma posição de destaque no Senado Federal.
Com uma candidata assim, a disputa presidencial constrage o governo e complica a vida de sua candidata Dilma. Enquanto a Dilma. Ahhh! É mesmo! Cadê a Dilma?? A reação de todo eleitor que acompanha o debate eleitoral pode ser parecida ou não com a minha, mas revela um certo tom de desdém e até de esquecimento da candidata do governo, quando se começa a pensar nos atributos da possível candidata do PV. Tida até então como intocável, inatingível, incorruptível, a candidata Dilma se vê agora confrontada por uma ex-subordinada, a audaciosa ex-secretaria da Receita Federal Lina Vieira. Tal qual uma "paraíba mulher-macho" (que me perdoem as feministas), a ex-secretária da Receita não temeu os gritos ou o jeitão autoritário de Dilma, e desautorizou a ministra (quando devia ser o contrário), confirmando, por "marré, marré,marré", que, de fato, encontrou-se sigilosamente com a ministra em seu gabinete, para discutir uma suspeita "aceleração" das investigações da Receita quando aos lucros obtidos pelas empresas do filho de Sarney. Era a cereja no bolo que a oposição necessitava para encostar a ministra Dilma na parede, pegando-a novamente em muitas de suas contradições, ditos e não ditos, dentre eles, as sucessivas recuadas de assunto quanto aos falsos títulos que a ministra antes alegava possuir, e que agora não possui, de ter feito mestrado e doutorado, e que por semanas teimavam em aparecer no site da Presidência da República. O problema não é a ministra não ter pós-graduação, ou dizer que tem quando não tem, o problema é quando ela titubeia quando é colocada em xeque quanto às suas afirmações, passando para seu interlocutor uma impressão de incerteza e insegurança, o que é muito ruim para quem quer se candidatar ao mais alto e mais relevante cargo público do país.
Ora, os méritos, a qualificação e o histórico de Dilma são inquestionáveis, assim como sua credibilidade ética e profissional, seu passado de luta contra a ditadura, a tortura, as agressões e a injustiça que sofreu. Dilma é sem dúvida uma excelente técnica, uma boa gestora, uma cidadã respeitável, e funcionária eficiente a serviço dos governos pelos quais trabalhou. Creio que foi justamente por esses atributos, dentre as possíveis pré-candidaturas colocadas, que fez com que Lula optasse pela Ministra da Casa Civil como sua protegida. Ocorre que o quadro eleitoral encontrava-se um tanto morno, enfadonho, esvaziado, pela permanência no cenário de dois candidatos polarizados, que, com pouco carisma, revelam tão somente o atributo de serem bons, leais e competentes gestores, como também é José Serra, pelo PSDB. Digo que Serra, com sua abnegação de workaholic no exercício da função pública, sua obsessão por números e por seu "bom-mocismo" em prol da saúde dos outros, combatendo o tabaco, é um bom gerente de empresa privada, um ótimo economista, mas como estadista não tem perfil nenhum, assim como Dilma ainda não disse a que veio, em seus discursos, pelo excesso de precisão matemática em números, mas ausência de emoção e calor humano ao dialogar com o eleitor, que contam muito na hora de cabular votos.
Muitos dirão que o carisma é dispensável nos grandes líderes, porque na verdade estaríamos elegendo populistas ao invés de administradores, e que a política está cheia de políticos que falam bem, são excelentes comunicadores (como é Antony Garotinho), mas são uns tremendos demagogos. Pode até ser, mas, a meu ver, verdadeiros estadistas reunem uma série de atributos míticos que vão desde um passado singular, constituído de muitos apuros e superações, uma base social forte a alicerçar sua candidatura, um discurso ideologicamente construído, além de um peculiar fascínio que produz nas massas pelo simples aparecimento de sua figura, ou pelas intervenções que faz. Na história do Brasil, nas passagens recentes da República, identifico com esse perfil poucos líderes, mas de apelo inquestionável, tais como: Getúlio Vargas, Juscelino, Fernando Henrique Cardoso e Lula. Com perfis diferenciados, FHC e Lula foram as duas faces de uma moeda (o Real) que se completavam e que foram extremamente necessários ao país, pelos rumos que a nação acabou por tomar com o fim da ditadura e a redemocratização. Após o "acidente" da eleição de Collor, onde o eleitor se reconciliou consigo mesmo através dos seus "cara- pintadas", cumprimos nosso processo de transição para a democracia e para o desenvolvimento, com a abertura da economia e reforma tecnológica promovida por FHC (e todas suas polêmicas, como a enxurrada de privatizações e a adesão neoliberal), até nos vermos num governo de conciliação de classes, eminentemente social-democrata ( o que veio se tornar o PT), com uma promoção social extensa, através de programas assistenciais, e fortalecimento do Estado ( o que foi fundamental diante da atual crise econômica global), e com aumento crescente de sua reputação internacional, com os sucessos (e pequenas escorregadas) da diplomacia.
Entretanto, passado o binônio FHC-LULA, o país nos próximos cinco anos entra numa nova fase, nessa incerta pós-modernidade. É uma realidade histórica e necessária avançar e não retroceder, como um passo natural de desenvolvimento do país, e os próximos capítulos da novela institucional terão que ter, necessariamente, novos protagonistas. A "velha política" não se extingue apenas com a morte de seus caciques, com o fim de ACM (Antonio Carlos Magalhães), ou com o descrédito absoluto que atormenta agora Sarney, mas, principalmente, pelo surgimento de novas lideranças, novas agremiações políticas, novos movimentos sociais, e isso tudo passa pela sucessão presidencial de 2010 e pela reformulação do cenário, com a entrada de novos atores. Nesse aspecto, a candidatura de Marina Silva aparece como uma lufada de ar fresco, em relação à mesmice já esperada entre situação X oposição, dinamitando as previsões eleitorais de outrora, trazendo novos dimensionamentos. Se a canditura de Marina vai emplacar, só o tempo dirá, mas digo que é bem melhor uma eleição com ela, do que o tédio inevitável de ter que encontrar uma alternativa entre o pior e o menos ruim. Que venha 2010!
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