terça-feira, 11 de agosto de 2009

LEI ANTIFUMO: O QUE É POLÍTICA PÚBLICA E O QUE É DEMAGOGIA?

Desde o dia 7 de agosto que os paulistas fumantes não podem mais acender um cigarro dentro de estabelecimentos fechados, em todo o estado de São Paulo. No Rio de Janeiro, o governador Sérgio Cabral tomou iniciativa semelhante, e também lá mesma lei entrou em vigor, para proibir o fumo entre quatro paredes, nos lugares destinados ao público.


Do ponto de vista da saúde pública é exemplar a iniciativa do governador paulista, José Serra, em eliminar o fumo dos ambientes fechados, levando-se em conta que sua cruzada antitabagista vem de longe, desde seus tempos no Ministério da Saúde, no governo de Fernando Henrique Cardoso. O governador tucano, sem dúvida, está dando um exemplo de cidadania politicamente correta, ao se preocupar com a saúde dos outros, principalmente dos fumantes passivos (aqueles que não fumam, mas respiram a fumaça exalada pelos fumantes), mas ainda permanece a pergunta: porque somente agora Serra barrou os fumantes, já que estamos há pouco mais de um ano da eleição presidencial?
São Paulo é a cidade brasileira que mais simboliza o caos urbano das grandes metrópoles globais. Com sua pujança econômica, milhões de habitantes, poluição, prédios e um movimento intenso de carros, é natural que o paulistano médio seja neurotizado por essa estrutura, ou, um pouco tanto "estressado". Daí a necessidade de ordem, e uma certa paranoia por organização é até normal, para quem está acostumado com congestionamentos e filas imensas.Daí que o tucanato paulista há muito encampou este discurso da ordem, do politicamente correto, com certa dose de racionalidade e um pouco de populismo. O finado Mário Covas representava bem a cara do PSDB paulista, bem mais do que FHC, e bem o traço da alternativa política a Maluf. Bem mais que o PT, que sempre brigou por parcela do eleitorado na metrópole vizinha ao seu berço histórico( o ABC paulista), o PSDB dos tucanos se firmou nos anos noventa como real alternativa de poder na prefeitura e no governo paulistas, no momento em que lideranças como Serra e Alckmin começaram a dar as cartas, no tabuleiro da previsível cena política paulista.
Uma vez, quando eu morava em São Paulo, em plena campanha eleitoral, perguntei a um balconista de padaria porque ele votaria em Alckmin, candidato a reeleição, e não em Genoíno, candidato do PT ao governo do Estado. Ele me disse que era ex-malufista, e que Alckmin representava agora o sossego, a tranquilidade e a ordem. Entendi que a mensagem do candidato tucano, com seu bom mocismo carola e pacato a "la TFP", representava agora o ideário de poder no inconsciente coletivo do eleitorado paulistano. Numa cidade que representa bem o capitalismo brazuca, com suas indústrias, bancos e empresas, candidatos tucanos como Alckmin e Serra representavam, sobretudo, o "bom gerente", o bom administrador, como se o critério para um bom governante fosse de que o bom candidato deveria ter o perfil de um homem dedicado ao trabalho, um workaholic, um bom organizador da produção, para que o rendimento da empresa ( e o consequente benefício dos trabalhadores) fosse o maior possível. Nesse entendimento "pseudo-fordista" do eleitorado, ficou na minha cabeça a concepção de que o ideário neoliberal de fato predomina nas mentes dos eleitores paulistas, órfãos do desgastado populismo reaçonário de Maluf, e agora abraçados num ideal pós-coletivista, de que "o que é bom para a empresa, é bom para mim".
Portanto, se na empresa, para garantir a produção e a saúde dos funcionários é melhor que ninguém fume, também para o estado paulista o resultado é o mesmo. Só na primeira semana de vigência da lei, 7.248 estabelecimentos, entre bares, botequins e restaurantes foram fiscalizados e autuados pelo governo, pagando multas pesadas por deixarem seus fregueses fumarem no interior de seus estabelecimentos. Estabeleceu-se uma cruzada antifumo tão ou mais repressiva que a Lei Seca dos Estados Unidos, nos anos vinte do século passado, com Al Capone lucrando com a venda de bebida ilegal. Resta saber se a lei antifumo paulista terá o mesmo destino de nossa Lei Seca nacional, relativa aos motoristas que consomem bebidas alcóolicas, hoje esquecida, seja pela tolerância de nossos policiais, na fiscalização do trânsito, seja pela ausência de bafômetros suficientes, que avaliam o grau de dosagem alcóolica no organismo dos motoristas.
Serra é, sem dúvida, franco favorito na disputa eleitoral para a presidência da república no ano que vem. Com as trapalhadas do governo e do PT com as idas e vindas de Dilma e Mercadante, ambos titubeantes, ora afirmando, ora desmentindo suas próprias colocações, o escândalo no Senado e a impunidade de Sarney, e com a candidatura de Marina Silva se anunciando, ao sair do PT e abraçar o PV, sem dúvida o quadro é favorável para a oposição e pela primeira vez após oito anos de petismo, é provável que o tucanato retome o poder, retornando o velho projeto neoliberal encabeçado por FHC, e seus aliados do Democratas, com um sorridente e vingativo José Agripino Maia, de volta ao poder com seu partido, da nova direita. É claro que política é igual a futebol, e muita coisa pode cair no prato dos tucanos, para azedar o angu do senhor José Serra e seus correligionários; mas que Serra conta com apoio inestimável de boa parte dos eleitores paulistas, isto é inquestionável. Se São Paulo já teve o seu gerente, que agora o Brasil tenha em Brasília o seu grande escritório gerencial. Que o Planalto se transforme numa grande linha de montagem, onde do alto dos interesses capitalistas da elite econômica, um diligente técnico, um notável economista pós-graduado, com suas muitas MBAs, caneta e prancheta nas mãos, anotando copiosamente os lucros, agore tome o lugar do torneiro-mecânico, pois lugar de operário é ao lado da máquina, na linha de produção. É o ideal paulista de política: o ideal da fábrica.
Mas como eu havia dito, os tucanos ou o "covismo", nos tempos em que era vivo o grande símbolo da legenda em São Paulo, mostrou-se para o eleitor conservador paulista uma alternativa ao malufismo, mais do que o PT. Se Maluf incorporava o que era mais atrasado na política, com seu discurso reaçonário e falastrão de "Rota na Rua", ou de político que "rouba, mas faz"( bem no estilo de seu antecessor no populismo, Ademar de Barros), Covas incorporava o "anti-Maluf", representava o PSDB do eleitor ambicioso, de classe média, funcionário de escritório, de empresa privada, que almejava um governo com menos tributos, mais estradas, vias alternativas para o tráfego, e viadutos para driblar o engarrafamento de carros novos, comprados à prestação, além de, sobretudo, menos impostos. Nesse sentido, o petismo representava a "martaxa"(em alusão a criticada política tributária da ex-prefeita petista), e a despreocupação com os interesses da classe média, já que os petistas só se preocupavam com o povão, com os "manos" da periferia, com sua inversão de prioridades em escolas, postos de saúde e cultura, e não naquilo que interessa ao paulista que final de semana passeia de bicicleta no Ibirapuera. O PSDB é a cara de São Paulo porque representa aquilo que os paulistas alienados pela ideologia liberal mais valorizam: ruas limpas, trânsito organizado, preços mais baratos nos restaurantes, shoppings e pizzarias, fumantes chatos fora dos lugares fechados com sua fumaça, na ordem lúdica pregada pelos apóstolos do Alto de Pinheiros.
Entretanto, o bom-mocismo e a mania de organização tucana tem suas armadilhas. Em edição recente da Revista Carta-Capital (n.o. 559), em artigo do juiz aposentado Wálter Maierovitch, apresenta-se um Serra incomodado por antigos processos movidos na Justiça Eleitoral, pela acusação feita pelo então procurador Flávio Torres Bierrenbach, na campanha para prefeito em 1988, que acabou elegendo a candidata do PT, Luiza Erundina. Naquele época, o procurador disse na televisão que João Leiva, candidato do PMDB, e bem colocado nas pesquisas até então, derrotaria "dois Malufs": o próprio candidato da direita e José Serra. Embasou-se o procurador na informação de que se Maluf havia enrricado ilicitamente, o candidato tucano também não teria destino diferente. Serra naturalmente processou o procurador por calúnia, injúria e difamação, mas, como quase tudo que acontece por aqui acaba virando pizza, o processo acabou sendo arquivado no final dos anos noventa, ficando o dito pelo não dito, e sem que o eleitor paulista soubesse, afinal, se o procurador e seus documentos sigilosos estavam dizendo a verdade.
Como nossa Constituição assegura o princípio da presunção da inocência, não vou aqui atacar penalmente o muito digno governador paulista, já que lhe faço apenas, pela via democrática, uma crítica ideológica. Mas é nessa crítica que sustento que talvez os tucanos estejam certos, em querer um Brasil de desenvolvimento, de livre-iniciativa, com prosperidade através do capital, e com menos fumantes, e mais gente sadia trabalhando, operando por mais tempo os tornos mecânicos da produção, sem terem seus pulmões devastados pelo tabaco. Acredito que a fumaça petista dos charutos cubanos de Lula possa desaparecer mediante a ascensão ao poder do candidato tucano, em sua segunda candidatura. Mas acredito também que além da vitória dos "tabachatos", teremos a vitória dos chatos neoliberais, e aí, teremos de volta ao poder figuras como Jorge Bornhaunsen, e a consolidação de seu projeto de varrer do mapa militantes do MST e petistas, agora sem cigarro, mas talvez com um copinho de whisky em uma das mãos, para comemorar a vitória das elites. E dá-lhe multa nos fumantes, Serra!

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