domingo, 23 de agosto de 2009

DIREITOS: 30 ANOS DA LEI DA ANISTIA!

No dia 28 de agosto completará 30 anos que foi publicada a Lei da Anistia. A lei, sancionada em 1979, no governo de João Baptista Figueiredo, último dos presidentes generais, marcou a distensão política que vivia o país, e o retorno à pátria de centenas de exilados, perseguidos pela ditadura, dentre eles Fernando Gabeira, Betinho, e José Dirceu. Pouco tempo depois Brizola fundaria o PDT e os sindicalistas do ABC paulista, liderados por Lula, fundariam junto com os exilados que regressaram e com militantes da igreja católica, o PT.
Muito coisa mudou no Brasil após esses 30 anos. Passamos por diversos governos e planos econômicos até nos estabilizarmos com o Real. Tivemos cinco eleições presidenciais e cinco presidentes (Sarney, Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Lula), novos partidos políticos nasceram da dissidência do PT, como o PSTU (trotskista) e o P-SOL, ou do PMDB, como o tucano PSDB, enquanto que no âmbito da direita, o PFL tornou-se Democratas. Antigos caciques e líderes políticos caudilhescos e coronelistas morreram, como Brizola e Antonio Carlos Magalhães, e, agora, mesmo com a crise de credibilidade das instituições da república, como o Senado, vivemos uma realidade plena de vivência democrática.

Discordo daqueles que dizem que ainda não vivemos no Brasil um Estado Democrático de Direito. Esse Estado é falho, sim! E muita mutreta e maracutaia é descoberta, nos escândalos de corrupção, nepotismo, fisiologismo, clientelismo e outros "ismos", dentro da cultura patrimonialista e repleta de privilégios da política nacional. Mas não podemos discordar de que hoje, tanto as instituições quanto o eleitorado se encontram mais amadurecidos, estáveis, com uma imprensa livre, um Ministério Público atuante, uma Polícia Federal que trabalha e a existência de representantes dignos que fazem coro com o povo e ainda criticam as profundas mazelas nacionais: como a corrupção, a fome, o desemprego, a injustiça social e o autoritarismo de alguns agentes públicos.

Foi numa cultura de autoritarismo que surgiu a Lei de Anistia, em outros tempos, que talvez hoje sejam esquecidos por alguns mais velhos e desconhecidos dos mais jovens, mas que tristemente ocorreu na história do país, como um marco do que não deve ser repetido. A ditadura no Brasil já dava sinais de que perdia o fôlego, e a linha-dura do Exército, que compunha o governo, já não conseguia mais sustentar um Estado fustigado por manifestações populares por abertura política, greves de trabalhadores, protestos da Igreja, e uma imprensa que insistia em denunciar os abusos totalitários. A covarde morte do jornalista Wladimir Herzog numa cela do DOPS, a censura, e uma inflação galopante, acabaram por revelar ao governo de Figueiredo que não havia saída, senão promover uma abertura política do regime, a fim de oxigenar os últimos anos que restavam para um melancólico regime de exceção, que ilegalmente rasgou a Constituição, e colocou a nação nas sombras, durante um período de vinte anos.



O Brasil é outro, mas nos 30 anos da Lei de Anistia, este país ainda vive com suas feridas mal cicatrizadas. Diferente de nossos hermanos vizinhos, como a Argentina e o Chile, que se reconciliaram com seu passado, punindo os torturadores até então impunes, egressos de suas ditaduras recentes, no Brasil o governo ainda teima em não liberar por completo os arquivos da ditadura, sobretudo os que tratam da repressiva intervenção no Araguaia, quando os sonhos guerrilheiros de dezenas de jovens foram precocemente terminados, com seu extermínio impiedoso nas amazônicas florestas da Pará. No Clube Militar, saudosos e caquéticos militares de pijama, esclerosados ou à beira da morte, ainda saudam os feitos da gloriosa "Revolução de 64", como se esquecessem que aquela época foi construída com base no sangue de milhares de jovens, estudantes, trabalhadores e religiosos, que acreditavam num ideal, e, mesmo com seus equívocos políticos e ideológicos, lutavam não para que fosse instaurado no país o "comunismo totalitário" que tanto ameaçava o sono dos generais, em plena Guerra Fria entre russos e americanos, mas sim por um governo democrático, respeitoso às leis, que promovesse eleições e reformas de base que produzissem justiça social, com mais educação, mais saúde, emprego e previdência pública. Os sonhos daqueles que morreram nas celas da ditadura em parte foram concretizados hoje, trinta anos depois. Mas o que fica para as famílias daqueles que se foram ainda é o amargo sabor na boca da impunidade, sem ter os restos dos corpos de seus entes queridos para chorar, enterrados em algum cemitério clandestino no meio da mata, ou vendo impunes aqueles que se tornaram seus algozes.
Hoje, o que dói mais para aqueles que ficaram é saber que aqueles seres amados que partiram de maneira violenta, não foram vingados pela suprema justiça do Estado, responsabilizando seus vis torturadores. Os carrascos, que sadicamente mataram entre pauladas e choques elétricos milhares de presos políticos e provocaram sequelas em outros torturados (dentre eles a atual ministra e virtual candidata do governo Dilma Roussef), ainda permanecem impunes, cobertos por uma Lei que supostamente agiu com dois pesos e duas medidas: por um lado concedia anistia aos refugiados, que conseguiram escapar dos tentáculos assassinos do Estado ditatorial, mas por outro, concedeu completa isenção de culpa aos torturadores, que do lado do Estado e com licença para matar, torturaram, arrancaram dentes e unhas, afogaram, deram choques elétricos, estupraram, furaram os olhos, mutilaram e todas as outras possíves e inconcebíveis barbaridades, a fim de ganhar a confissão daqueles que se revoltaram contra um regime totalitário e ilegítimo.

Pra quem discorda de mim, achando que a ditadura no Brasil foi "fichinha", em comparação a seus similares latino-americanos, basta ler a obra-prima do jornalista Elio Gaspari, na série intitulada "A Ditadura Derrotada" "A Ditadura Encurralada" e "A Ditadura Envergonhada", da Companhia das Letras. Estes livros, dentre vários outros, são um importantíssimo relato daquele triste período histórico, que serve como excelente fonte de informação para as gerações futuras, e para que os mais jovens não esqueçam do tenebroso período pelo qual passou o país, e que façam de tudo para que não se repita.


Recentemente, inclui minha assinatura num manifesto de juristas e pessoas do meio, em apoio a ação movida pela Ordem dos Advogados do Brasil, na ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) movida perante o Supremo Tribunal Federal. O processo a ser julgado no STF pretende decidir se os crimes praticados pelos ditadores no regime militar realmente prescreveram, tendo em vista que por acordos internacionais reconhecidos mundialmente, os crimes de tortura e genocídio são imprescritíveis. O pedido visa claramente responsabilizar os agentes da repressão que permanecem impunes trinta anos após seus crimes terem sido praticados. Tem muito militar de pijama assustado com tal possibilidade, dentre eles o coronel Carlos Brilhante Ustra, acusado de ser um dos principais mandatários da repressão, processado civilmente pela família de suas supostas vítimas. Os envolvidos com a tortura temem ter o mesmo destino do general chileno Manoel Contreras, ex-chefe da temida DINA, a polícia secreta do período do governo militar de Pinochet no Chile, responsável dentre outros pelas "caravanas da morte", hoje atrás das grades.
Integrados a esse movimento estão até o ministro da Justiça, Tarso Genro, um ex-perseguido pela ditadura, também interessado em remover o pó da impunidade encontrado no lixo da história e daí resgatar nossa dignidade enquanto brasileiros, para que não sejamos os únicos na América Latina que ainda não responsabilizaram os autores de atos criminosos, a serviço do Estado, no período da ditadura no país. O coro é extenso, desde intelectuais, artistas, trabalhadores, estudantes, até todos aqueles interessados em que se cumpra um compromisso histórico, numa democracia que não pode mais ser refém ou conivente com ditaduras. Para os mais jovens recomendo o filme "Batismo de Sangue", com Caio Blat, inspirado no livro de Jacob Gorender, que mostra bem o período histórico a que estou me referindo, e dos bandidos uniformizados que devem agora ser punidos.
Não se trata de revanchismo das esquerdas a responsabilização dos arautos da ditadura pelos crimes cometidos no período, mas sim de fazer justiça como compromisso histórico de nosso Estado Democrático de Direito.Sou totalmente a favor da abertura dos arquivos da ditadura, bem como da retirada do manto de impunidade que ainda protege assassinos. Quando os "cães da tirania" ainda latem com a possibilidade de serem encoleirados, dizendo que se a revisão da Lei de Anistia se aplicar a torturadores, também deve ser aplicada a supostos terroristas, respondo que todos aqueles que praticaram assaltos a banco, sequestraram, sabotaram ou instalaram bombas em repartições do governo ou mataram elementos do regime, já se encontram mortos, sepultados, ou cumpriram com seu pena em presídios do Estado, numa "guerra suja" que vitimou ambos os lados. Entretanto, é importante salientar que o Estado, naquela época, foi o maior terrorista, valendo-se de seu aparato policial para aterrorizar milhões de brasileiros. O argumento dos derrotados com o processo democrático é o argumento daqueles que não admitem a força do direito, da justiça, dos princípios constitucionais e das convenções internacionais que repudiam unanimamente os atos grotescos praticados pelos donos do poder, no período histórico mais obscuro de nosso país.
Por essas razões, quando a Lei de Anistia hoje assopra trinta velinhas, creio que já não é sem tempo que nossa democracia, agora uma jovem adulta, assuma de vez as rédeas do futuro acertando-se com seu passado, varrendo, de uma vez por todas, toda a sujeira produzida nos últimos anos, colocando na cadeia, se for o caso, os títeres da ditadura, covardes agentes da repressão. Viva a democracia! Viva o Brasil!

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