quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

CONFISSÕES: Antes de tudo: "Cartas a Milena" é meu pretexto pra explicar um bocado de coisas.

Milena Jesénska foi uma mulher que o escritor Franz Kafka conheceu e se apaixonou desesperadamente. Do período de 1920 a 1923 ele escreveu cartas para essa mulher, falando desse amor, com o seguinte detalhe: Milena era casada, e nunca teve a coragem ( ou o desejo) de romper seu matrimônio para se juntar com o escritor radicado em Praga. Em verdade, eles nunca se tocaram. De qualquer forma, seus escritos serviram como mais uma obra da literatura e de como o amor pode amar o impossível.

Vivo situação semelhante, inadvertidamente! Para meus leitores do blog, conhecedores de minha escrita, resvala aqui o estranhamento do tom cada vez mais confessional, intimista, e mesmo particular das linhas que escrevo, mas lhe adianto: para aqueles que me conhecem, logo, logo estarei voltando ao meu velho estilo: franco, ágil e feroz como me convém, muito mais objetivo e sem rodeios ou sentimentalistmos infantis. Mas, perdoem o momento, e deixem que eu use a literatura apenas como pretexto para falar do que sinto.

Na verdade há muito tempo, para quem pode perceber,utilizo de minha escrita e de minhas referências teóricas como pretexto para falar de mim mesmo. Acredito que seja esse o propósito verdadeiro de um blog. E como suposto intelectual, mas verdadeiro blogueiro, não poderia faltar a essa coerência. Ora, em nossa cultura pós-moderna, e tai os psicólogos que não me deixam mentir, os blogs servem para muitos como um estímulo de exercício mental, que, na verdade, serve para elucubrar fantasmas internos, soltar os bichos, botar os pingos nos iss, ou, tão e simplesmente, revelar quem nós somos mesmos. A teoria psicanalítica ortodoxa de Freud incentivava a fala, o falar de si; eu estimulo a escrita, um outro tipo de fala, onde também exorcizo os meus fantasmas, e consigo, compartilhando com meus interlocutores, botar pra fora meus "sapos", meus barulhos interiores, dialogando com um pequeno segmento da rede que também compartilha, ou ao menos escuta o que tenho a falar, e com isso enriquece o meu diálogo, já enriquecido pela simples possibilidade de falar.

Dito isso, e usando Kafka e sua Milena como pretexto, afirmo: estou apaixonado. Apaixonado na perspectiva mais platônica do termo, já que a pessoa que sabe de meu sentimento é incapaz de compartilhar comigo tais sensações, tendo em vista que está apaixonada por outro. Sei, sei, o quanto uma merda isso pode ser, e o quanto jocosos amigos podem já estar duelando quais piadas mais duras vão estabelecer a respeito disso. Porém, repito e assumo: estou apaixonado. Talvez isso sirva como justificativa para meus últimos textos, o tom um tanto quanto lancinante, emocionalmente expressivo ou até mesmo agressivo de alguns de meus textos, que, num primeiro olhar de quem não me conhece direito, parece que serve apenas como espaço para eu manifestar minha desilusão interna. Entretanto, assevero, como propósito inicial e ideia a que me vinculo até hoje neste blog, uso este espaço realmente como um pólo para o debate de ideias, um ponto de partida ou ponto inicial para se iniciar boas discussões, que não se exaurem nessa página de internet, mas, a contrário, se enriquecem em outros ambientes: seja pessoalmente ou através de comentários particulares de amigos que me mandam e-mails, ou tão e simplesmente correspondem as minhas expectativas mandando mensagens de MSN. É essa hoje minha realidade diante da tecnologia global, e o que quero trabalhar.

Sem querer cansar meus interlocutores, ou perder a crediblidade teórica do blog, digo que estou apaixonado tão somente para unir a sabedoria e invocação que esta página me levou, a escrever tantas coisas, sobre tantos vários assuntos no decorrer de todos esses meses, como também para revelar um pouco de quem propriamente sou. E, nsse sentido,o blog me funciona como testemunho. Testemunho sobre o que me passou, e o que assolou Kafka, igualmente, e que agora precisa ser exorcizado a fim de que não fiquem fantasmas.

Na primeira metade de 2007 encerrei um relacionamento (um noivado) com uma determinada figura sob a qual (tanto eu como ela), estabelecemos grandes expectativas amorosas em relação a um e outro. Foi um fim de relacionamento conturbado, turbulento, e confesso que até hoje tenho dificuldades reais de estabelecer um contato efetivo com esta pessoa. Apesar de saber (e ficar feliz com isso) que hoje ela está plenamente realizada afetivamente, com seu novo esposo, enteado, e, inclusive, esperando uma nova criança (louvado seja Deus por isso!). O problema é que tínhamos diferenças demais, conflitos demais, e o que parecia um encontro ideal revelou-se um verdadeiro pesadelo, no momento em que nossas ideossincrasias, modos de ver a vida, juízos de valor, opiniões e critérios para avaliar o mundo, distanciavam-se intensamente. Paradoxalmente, e aqui tomo a liberdade de escrever, o sexo era muito bom, e talvez nesse sentido eu tenha ficado tão "puto da cara" quando percebi que ela não queria mais nada comigo. Eu precisava de um autoexílio, um lugar onde pudesse curar as feridas, e o Rio Grande do Sul demonstrou ser o lugar ideal para tal propósito. Afinal, tinha recém sido aprovado numa difícil seleção de doutorado, e pelo que eu já conhecia, os valores, teorias e referenciais bibliográficos dos autores do sul, mostravam-se bem mais consentâneos ao que eu vinha escrevendo, do que as próprias referências do Nordeste.

Vim, portanto, para o Sul, apesar de licenciado, com uma mão na frente e outra atrás. Ainda assolado pelo fantasma de uma união recém-desfeita que me gerava sequelas até nos sonhos. O tempo, mais uma vez, foi o melhor dos remédios, pois pude, através de meu trajeto, lidar com esses fantasmas a partir da supressão de uma saudade que só me fazia mal, ao invés de fazer bem. Vi-me por meses na condiçao de um mero zumbi, tão somente a serviço de meu sofrimento interno, que não me ajudava em nada, mas apenas contribuía para minha autocomiseração e para uma série de empreitadas afetivas em solo gaúcho que só redundaram sofrimento para mais gente, que, porventura, na época se apaixonou por mim.


É, não sou um coitado, mas sim um sacana! Alguém que no exercício da carência manipulou pessoas e as magoou. Daí faço meu exercício de autocrítica. Na carência vã de tão somente repetir a existência de uma companhia no final da noite ao pé da cama, magooei pessoas que não deveria magoar, e, em função disso, passei a repensar minha forma de me relacionar afetivamente com as pessoas e a questionar os ditames da sociedade machista onde convivia. Eu não estava mais lá como um amante de fim de noite, um ficante, mas sim como alguém que resolvido com sua solidão, procurava algo mais significativo. E como foi difícil esse processo, ó, como foi dificil.

Eis que no ano de 2009 deparo-me com uma certa guria, uma menina, uma jovem senhorita que desde a primeira vez que a vi me impressionou muitíssimo. Seu jeito de falar, suas formas de intervir em minhas aulas, contrapostas ao seu modo doce, porém enérgico de ser, com toda sua pulsão de vida e energia juvenil de crescer, em muito me cativaram, e, a partir daquele momento pensei: "c'est une jeunne fille trés interessant!". Interessei-me de imediato em conhecer essa garota, em decifrar o enigma de meu sentimento recém-despertado, em conhecê-la, em saber que pessoa era aquela, qual seu histórico de vida, quais suas preocupações, ambições e interesses; e, sendo assim, acabei me envolvendo.

Entendo em minha racionalidade que não foi nada premeditado, nada articulado, nada pronto. Simplesmente aconteceu! Numa sucessão de fatos tive a oportunidade (e a grata receptividade) de conhecer melhor aquela garota tão interessante que dizia não ter mais um namorado. Eu me perguntava: "mas como, uma gata tão interessante como essa não tem quem a queira? É quase como contrariar uma lei da natureza!".Discretamente,como um predador que estuda o alvo, fiquei tão somente sabedor de seus hábitos e seus gostos. Identifiquei-me plenamente com eles, e como um Narciso refletido naqueles lindos olhos verdes logo me vi refletido naqueles olhos: encontrei alguém tão parecido comigo. Na verdade, à primeira vista, parecia-me uma xérox minha numa versão feminina de todos os meus sentimentos de juventude: a mesma ambição, a mesma energia militante, a mesma vontade de querer se superar, a mesma paixão. Foi na paíxão que "ziquei" meu lado, pois pude perceber que a dita linda figura, tão parecida quanto eu, levava a sério e se devotava a suas paixões: desde a possibilidade de ingressar definitivamente numa pós-graduação até o êxito de encontrar o amor de sua vida. Foi nisso que me quebrei, foi nisso que me tornei apenas um amigo, um professor , um mentor, alguém próximo e muito querido, mas só isso! Porque essa bendita figura já havia traçado seu script próprio!!

Sabedor disso procurei não mais ser uma presa do destino e adotei uma postura cautelosa, complacente, ou mesmo dei uma desencanada de todo o volumoso processo afetivo que estava se construindo em meu coração e procurei abandoná-la,seguir meu rumo, negar sua existência. Entretanto, tal propósito restou impossível. A sinceridade real dessa pessoa, seu carinho, respeito, consideração e afeto tornaram-se inigualáveis, até então aos que já havia vivenciado. Cada vez mais sua amizade sincera e carinho tornavam-me mais próximo, mais solidário, mais desejoso de sua felicidade, e, quando me vi, coloquei-me num elo inevitável de fazer parte do universo de uma pessoa, e ela fazer parte do meu, como nem meus parentes conseguem fazer parte. Construi o amor-philia a que já me referi em meus textos anteriores e que foi tão saboroso, tão importante, tão significativo, tão marcante, tão valioso para minha vida!

O grande problema disso tudo ( e aí me recordo do amor de Kafka por Milena) é que existe um sentimento recôndito, sorrateiro,  que acaba por construir suas bases diante de um universo de tanta afetividade.Chama-se de paixão esse sentimento, e cujas armadilhas acabei por não conseguir evitar. Através de Freud entendemos que a paixão humana pode se mover, tanto de um sentimento de criação chamado de eros, quanto para um inverso, de autodestruição, denominado tanatos, e todos nós estamos sujeitos a passar por processos cíclicos que podem envolver essas duas dimensões. Confesso que durante muito tempo, após cada paixão mal resolvida, conduzi-me a processos autodestrutivos, que quase me custaram a vida, mas, agora, em minha maturidade, penso de forma totalmente diferente, tanto que em meu blog, enfatizo tanto o poder positivo da paixão.

A paixão tanto pode nos destruir quanto pode contribuir para nosso crescimento. E, nesse sentido, dentro de minha experiência recente só posso dizer que a paixão fez-me muito bem. Através dela pude expulsar fantasmas do passado, deixar de sonhar com minha última ex-mulher e a passar a sonhar com outra pessoa, remocei e passei a cuidar mais de minha saúde, meu corpo passou por transformações positivas, a partir de um rápido emagrecimento e ganho de massa muscular,e meus textos e minhas leituras se tornaram mais profícuos e mais extensos. Sou testemunha viva do quanto essa guria fez bem a minha vida, e não tenho, repito, motivo algum, para ter qualquer sentimento de raiva ou mágoa, qualquer que seja, em virtude dessa jovem não corresponder ao belo sentimento que hoje nutro por ela. Como posso ter raiva de uma criaturinha tão linda, que pelo seu jeito simples de ser, tão somente me cativou e com sua energia fez-me sentir tão bem, como me sinto hoje? A partir dessa paixão tornei-me um ser humano melhor e deixei de ser um mero zumbi sorumbático, sofrendo pelo meu fantasma anterior de um relacionamento fracassado. Em minha religiosidade e fé creio piamente que essa menina surgiu em minha vida como um anjo libertador, uma benção que me fez esquecer por completo mágoas passadas. Ela nem sabe o quanto me fez bem. Essa garota me ressuscitou! Salvou-me da morte certa em minha tristeza! Injetou-me uma carga de energia que eu achava então perdida, e com ela voltei a viver plenamente, satisfeito com minha condição. Chego a pensar que pareço o Kevin Spacey numa cena de Beleza Americana, só tomara que não morra, feliz da vida, com um tiro na cabeça!!

Entendo que a iniciativa de ter me declarado a ela, já sabedor de sua resposta, foi tão somente a alternativa ética que tomei de não querer magoar, e nem comprometer a felicidade de quem descobri que amo tanto. Estar ao lado dela, carregando a mentira como um amigo não se coaduna com o verdadeiro propósito da amizade, que é a franqueza, a honestidade, o respeito, e sobretudo, a torcida pela felicidade do outro, mesmo que não seja conosco. Mantenho-me afastado dela tão somente por que não querer vê-la sofrer, e não eu, pelo fato dela saber que tem a seu lado não apenas um amigo, mas um homem apaixonado, que a ama acima de tudo, e que gostaria de estar a seu lado muito mais que um simples amigo, e daí ela viver a impotência de não poder compartilhar um sentimento que realmente não tem. A vida é assim! Deus sabe o que faz e não tenho do que reclamar, após a benção de ter feito com que eu a tivesse conhecido.Sei que se ao menos jamais sejamos companheiros de cama, ao menos sempre seremos parceiros de vida, e sei que mesmo à distância ela torce pelas minhas conquistas e vitórias, assim como eu torço por ela, e jamais, repito, jamais gostaria de vê-la sofrer. Para mim sofrimento maior não é tê-la ao meu lado, mas saber, de alguma forma, que ela não está feliz ou que a tristeza tomou conta, como um fantasma que a assombra, pois isso não quero sequer para meu pior inimigo.Para mim isto é que é o verdadeiro amor, de que trato inclusive em meus textos anteriores do blog sobre amor-eros e amor-philia, pois amor é cuidar, sobretudo do ser amado mesmo que esteja à distância, e, confesso, acredito piamente em tudo que escrevo, sem medo de parecer contraditório, mesmo quando eu digo que idiotas somos ao nos apaixonar.

É importante que se diga! Quando eu disse em meus textos anteriores que eu era um idiota, não era para culpar a mulher pela qual sinto um sentimento apaixonado ou para maldizer, de qualquer forma, a ausência de sentimento que ela pudesse ter por mim, mas tão somente para reportar o quanto podemos ser idiotas ao perder uma amizade, ao sabor do ritmo frenético de nossas paíxões. Sou um idiota por te me apaixonado por quem eu não poderia, ou por ter desejado a pessoa certa na hora errada, mas ao mesmo tempo reconhecer resignadamente essa condição e conviver, da melhor forma com isso; pois, como disse, essa paixão me fez bem. Talvez nos meus quase quarenta anos de vida eu me torne um homem solitário, que nunca terá ninguém e nunca constituirá família, mas sempre carregarei em coração, reveladas pelos meus pés, durante as minhas caminhadas, as maravilhosas criaturas que tive a oportunidade de conhecer e amar, e que foram tão significativas na minha vida.

Deixo para o meu amor que não me ama como eu desejo meus beijos apaixonados, sabendo que eles não serão retribuídos na mesma intensidade, mas, ao menos, com certeza, serão muito bem recebidos, pois a saudade já é grande, mas o desejo de sua felicidade é maior ainda. Como Kafka, cá estou aqui com minha inacessível Milena. Que seja assim! Sou feliz de qualquer forma.Continuo ágil, gentil, mas feroz, como todos vocês me conhecem. Até o próximo artigo.

Um comentário:

  1. Belíssimo. Santo Google que me direcionou até aqui! "Deixo para o meu amor que não me ama como eu desejo meus beijos apaixonados, sabendo que eles não serão retribuídos na mesma intensidade, mas, ao menos, com certeza, serão muito bem recebidos, pois a saudade já é grande, mas o desejo de sua felicidade é maior ainda. Como Kafka, cá estou aqui com minha inacessível Milena. Que seja assim! Sou feliz de qualquer forma.Continuo ágil, gentil, mas feroz, como todos vocês me conhecem. Até o próximo artigo. "

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