quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

REFLEXÃO: Afinal, por que sempre o "porquê"?

No recente Carnaval tive a grata oportunidade de ter a companhia de amigos queridos e pude presenciar a folia dos blocos de rua, nas tradicionais ruas e bairros cariocas. Foi uma boa farra e uma experiência antropológica interessante, e uma das coisas que me chamou a atenção foi bem o propósito descompromissado da festa, entre beijos, abraços e comemorações de pessoas que se encontraram ali, festejaram ali, mas muitas vezes sequer sabem o nome uma da outra, e muito provavelmente jamais irão se encontrar de novo.

Um belo relance pelo Carnaval, vendo o quão propositadamente diáfanas são as relações entre as pessoas (afinal: é Carnaval!), fez-me pensar o comportamento de alguns durante a festa, os quais, acidentalmente, acabei por me deparar. Digo diáfanas pois, ao mesmo tempo em que as pessoas estão ali para saborear uma festa, com a proposta do descompromisso bem sinalizada em suas testas, por outro lado você consegue ver clara e transparentemente que são apenas foliões em busca de alegria; mas que você jamais conhecerá em profundidade tais pessoas, cobertas por suas fantasias e máscaras. Por isso não entendo como alguns ainda questionam os outros durante esse período de festas. Vi, por exemplo, um jovem ao telefone esbravejando, supostamente com a namorada, esposa, ou ficante, numa discussão braba, enquanto eu observava de lado, e eu só escutava lancinantes questionamentos dele ao telefone, gritando: "mas, por que? por que? por que? ".

Em pleno Carnaval alguém se pergunta os porquês. Desde a tenra idade, nós, curiosos, em sala de aula, perguntamos à professora o porquê das coisas. Queremos saber porque o céu é azul, porque os bebês nascem ou porque as pessoas morrem, porque a terra é redonda e uma série de outras coisas que passa por nossas dúvidas e mistérios assombrosos que queremos descobrir. Em nossa racionalidade, somos seres questionadores por natureza e em nosso questionamento, quando deixamos de ser crianças, não deixamos de perguntar o porquê das coisas, insistimos, queremos continuar sabendo porque as coisas acontecem e porque elas nos afetam tanto, e nessa ciranda de questionamentos, nesse círculo vicioso de perguntas e respostas, chegamos à inevitável constatação: não existe resposta para tudo!

Fico me perguntando se aquele jovem berrando ao telefone, como uma criança mimada que não entende porque não lhe foi entregue o algodão doce ou o pirulito, está preparado como muita gente (inclusive eu) para simplesmente esquecer os porquês, mudar o disco, e saber que menos que perguntar os porquês, na verdade talvez devamos estar preparados para entender, que, ao contrário, não existem porquês. Por que? Porque simplesmente não há o porquê, não há resposta exata (e talvez nunca terá) para aquilo que perguntamos, Existem equações insondáveis dentro do espírito humano.

Para Kant, a dimensão insólita do "não-porquê" estaria no noumeno, ou "coisa em si". Não existe o porquê das coisas em si simplesmente porque elas não se perguntam porque existem, mas simplesmente existem. Alguns sentimentos humanos, como o amor, o ódio ou a tristeza muitas vezes não pedem uma explicação, não são algo a explicar categoricamente, além de sua superfície; pois, para um psicólogo tais estados podem ser explicados através de alterações do aparelho psíquico, de transtornos de ordem interna que tem haver com a memória, a percepção e o sistema cerebral, chegando finalmente   ao porquê desses sentimentos. Entretanto, aquilo que é "algo em si", aquilo mais que ainda permanece inexplicável, inexorável, que lá se situa como inquestionável, existente, não é suscetível de explicação, ou de resolução dos "porquês" tão e facilmente com o uso de pílulas ou uma boa sessão de terapia.

Creio que devemos conviver com os porquês contribuindo para sua extinção e, em consequência, anulando a angústia que as respostas não resolvidas nos trazem, transformando "porquês" em "o quês".Na verdade a pergunta sobre o porquê, deveria ser substituída por: "o que?". Quando deixamos de querer saber a explicação das coisas do mundo através de uma justificação, e nos atemos ao que é, ao que existe, creio que damos um grande passo para resolver um dilema fenomênico que assola desde os mais prestigiados cientistas, até o mais singelo enamorado. Não se trata mais de saber os porquês, simplesmente porque algumas coisas não tem porque, elas simplesmente são. E, diante disso, não me perguntaria mais porque esse ou aquele emprego, essa ou aquela pessoa para amar, odiar ou esquecer, esse ou aquele aparelho que não mais funciona, aquele pai ou mãe que vive ou não vive mais; enfim, não me interessariam mais os porquês, mas sim dizer o que é, o que existe, o que realmente importa.

Portanto, eu responderia, se me fosse permitido, ao rapaz no celular: "não se preocupe, amigo, não existe porque, a coisa simplesmente é, cara, ou, resumindo: é carnaval!! Da mesma forma num velório eu poderia dizer à viúva (sob a pecha de ser qualificado de insensível) de uma forma respeitosa e franca: não existe porque, o falecido apenas morreu, não existe mais (ao menos nesse plano, para quem acredita).

Creio ser essa uma das filosofias de vida que venho adotando há algum tempo, e que se não me fez bem, ao menos mal não fez, e talvez tenha me tornado, ao menos, um pouco mais maduro para as vicissitudes da vida. Logo, não me venha com a pergunta: "por que estás triste?", pois não saberei responder, ou posso não ter, sequer, interesse na resposta. Agora, se me perguntares: "o que é a felicidade?". Bom! Aí, meu amigo, minha amiga, creio que a resposta pode ser bem mais interessante. Dá motivo até pra escrever um bom artigo. Uma boa semana a todos!

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