segunda-feira, 26 de abril de 2010

CINEMA: "A Estrada" é o o verdadeiro cinema-catástrofe!

O fim do mundo está próximo! Prepare-se para o juízo final! Fome, guerras, poluição,aquecimento global, tsunamis, enchentes, terremotos, vulcões em erupção, isso não é nada para o que nos espera. O cinema é pródigo em retratar o apocalipse, talvez por influência de nossa formação monoteísta ou judaico-cristã que nos leva sempre a nos arrepender da merda que fazemos com nosso próprio planeta. E o cinema está aí para mostrar isso. Não vi e nem quero ver 2012, apesar de ter visto O Dia Depois de Amanhã do diretor-blockbuster Roland Emmerich ( a não ser que seja em DVD, de preferência, emprestado), mas cedo meu tempo e dinheiro para assistir filmes como A Estrada(The Road) dirigido por John Hillcoat, e com o competente ator Viggo Mortensen no papel principal.

O cinema-catástrofe é um dos gêneros cinematográficos, de tantos outros, que já se tornou clássico. Quem não se lembra (ao menos os mais velhos) de filmes antológicos como O Destino do Poseidon, Aeroporto,Inferno na Torre, Volcano-a fúria,Impacto Profundo,Meteoro, O Dirigível Hindemburg e Armageddon; este último, o filme mais "baba" de todos, com Bruce Willis, Liv Tyler, Ben Afleck e a açucaradíssima música do Aerosmith (I don't wanna close my eyes! I don't wanna fall sleep... cos I miss you baby! I don't want to miss a thing....ai,ai,ai,ai,ai!!). Todos eram filmes pra vender bilheteria, todos eram bem coca-cola com pipoca, todos eram pop. Eis que surge um novo gênero, mais profundo, mais intimista, mais autoral de cinema-catástrofe, que eu poderia definir como novo gênero resultante do seu congênere tradicional, chamado de "cinema-apocalíptico".

Pois é do apocalipse que trata A Estrada, mas não mais com as tintas grandiloquentes, imagéticas, "cecilbdemillianas" dos filmes anteriores citados, mas sim com um filme de poucos recursos visuais (sobretudo sombrios), profundo, triste, denso, angustiante, mas que consegue extrair disso toda a beleza de uma estética de cinema-novo bem glauberiana que os cineastas da década de sessenta queriam passar: a de que o filme tem que passar alguma mensagem. Digo para os que são religiosos, que o filme é, até certo ponto (perdoem-me os cinéfilos puristas) gospel! Digo isso, porque assim como o fim do mundo é tema de livros sagrados como a Bíblia ou o Alcorão, também nesse filme podemos extrair lições de moral típicas de quem tem ou professa alguma fé religiosa. O fim é visto como uma provação, o resultado das ações humanas, que em desrespeito a Deus (pra quem acredita) ou a natureza, acaba por sofrer as terríveis consequências. Mas mesmo sabendo que o fim está próximo, uns poucos ainda se solidarizam, manifestando seu lado humano, a ponto de, no filme, haver uma distinção nítida e um tanto maniqueísta entre os caras "bons" e os caras "maus".

Num primeiro olhar, a mensagem de A Estrada é de tristeza. Sim! O filme é triste, triste,triste, triste pra caramba! Diria que esse filme não é para corações depressivos. Para fugir ao rótulo de dramalhão, o filme foi classificado em alguns jornais como sendo de suspense, e, de fato, tem muito suspense, sim, no filme, de forma até dilacerante; mas é dilacerando que A Estrada consegue atingir a maior de suas propostas, ao lançar a seguinte pergunta: pra que vale a pena viver afinal de contas? O filme tem uma resposta: a gente vive para cuidar do outro!

No filme, o armageddon já aconteceu, e sabemos pouco de suas causas, até porque elas não importam. O filme é adaptação do livro homônimo de Cormack Mccarthy ( o mesmo que escreveu No Country for old Men, que se tornou o oscarizado filme dos irmãos Cohen, Onde os Fracos não tem Vez), e trata da luta do homem pela sobrevivência em um ambiente devastado. Não se passam as imagens do apocalipse, a não ser pela tomada inicial da película, quando o personagem de Mortensen, então um pacato pai de família, vê junto com sua mulher grávida (Charlize Theron), pela janela da casa, o fim acontecendo. Vemos depois o passado do personagem novamente em flashes, mas o que se segue é a jornada de um pai andarilho, acompanhado de seu filho de dez anos, por um mundo destruído, glacial, perigoso, desolador. É rumando pela estrada do título, e no rumo de suas incertezas, que pai e filho caminham rumo ao sul, sem destino certo, sem saber o que encontrar, encontrando pelo caminho uma série de provações que vão desafiar a manutenção de sua própria humanidade. Vemos tudo de ruim no meio da peregrinação de nossos personagens: fome, frio, canibalismo, ausência de solidariedade ao próximo, medo, angústia, desesperança. É uma paisagem morta, nebulosa, cinzenta, onde tudo morreu, inclusive plantas e animais, menos os homens; se é que se pode chamar assim seres que passam, diante da catástrofe, a viver como ratos. O filme de Hillcoat lembra bem outros filmes e obras que retratam o escatologismo humano, como os Miseráveis de Vitor Hugo, só que aqui não existe, aparentemente, a remota possibilidade de redenção. É muito duro ver A Estrada, pois o filme retrata bem nosso pior lado, aquele que pode ver tudo ruir.

Eis que surge a inteligente mensagem moral do filme, que dá toda a coerência à luta dos personagens de querer sobreviver apesar de tudo. Vemos que a esposa do andarilho se matou antes que a jornada dele e seu filho começasse. Ela é a primeira a perder a esperança. Mesmo assim, o andarilho prossegue com sua jornada rumo à sobrevivência, Por que? Porque quer proteger seu filho. Essa é uma das mais comoventes marcas da trama e que traduz toda a beleza do filme diante de tanta tristeza. Apesar de saber que o mundo praticamente acabou e que todos vamos ser destruídos, o pai continua sua cruzada e não entrega os pontos, pois quer cuidar de seu filho, protegê-lo dos perigos, como todo pai zeloso faz a seu filho. As lágrimas em meu rosto foram seguradas por diversas vezes, ao lembrar de mim mesmo pequeno, do zelo, da preocupação e do cuidado que meu pai tinha comigo, e de como eu, também como pai, ficaria me perguntando se não faria a mesma coisa. Uma das cenas mais tensas do filme, é quando o pai, encurralado com seu filho dentro de uma casa pertencente a caçadores canibais, aponta uma arma para a cabeça da criança, prestes a disparar, como forma de poupá-lo do sofrimento que está por vir. Outra das cenas também dilacerantes é quando os personagens roubam as roupas de outro andarilho, numa contradição de conduta em relação a outra, a de cuidar de um ancião que acabam dando de comer. É justamente a prática devastadora de milhares de pessoas que viveram em ambientes desolados e tenebrosos, como as vítimas reais de guerras e conflitos étnicos na África, no Oriente Mèdio, na Bósnia ou na Chechênia. É o ambiente vivido por centenas de miseráveis nos rincões mais infectos da América Latina. É a bárbarie, sim! A solidão da bárbarie! Mas através do cuidado entre pai e filho, podemos ver beleza através da solidão.

Para o personagem de Mortensen só sobram as lembranças. As lembranças de um tempo passado, antes do cataclisma, do amor e da beleza da esposa, do verde, do colorido, que agora já não mais existem. Só restam lágrimas, dor, aflição, mas mesmo assim permanece a esperança. Creio que esta é a mensagem final, cabal e até simplória do livro de Mccarthy, que se tenta passar através do filme: enquanto há vida, há esperança! Até que surja (como aparece no filme) um final surpreendente. É por isso que é extremamente válido assistir A Estrada; mas, cuidado! Ao ir ver o filme, leve o lenço ou segure as lágrimas!!

3 comentários:

  1. Ler Teu comentário é melhor do que assistir ao filme....não sei se meu coração é um coração depressivo, eu diria afetivo, que é afetado (podes dar a esta palavra as mais diversas conotações:um coração de várias nuances...). Mas a ausência de comunicação com o outro, a extrema solidão, e a degradação do humano até a bestialidade são afetos demasiados pra este meu coração mais-que-humano. Não precisei segurar as lágrimas;o que sobreveio foi uma angustia intensa...angústia deste deserto onde não se entende pra quê viver. E viver, viver é o que mesmo? Vale tudo, absolutamente tudo, pra viver? Bjs Lu

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  2. Como diria a música do Renato Russo:"viver é foda, morrer é difícil".Adorei o comentário e a contribuição aqui no blog. E quem disse que existe resposta para o sentido da vida, quando para muitos, viver é não ter sentido? Para mim, esse é o verdadeiro encanto do mistério que é viver, mesmo diante do caos e da barbárie.

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  3. Vida como obrigação, nao importa como ela se a-presente? Vida é qualquer coisa? Vale sim, o eterno questionamento ético pois, afinal, como diz Foucault este é o exercício de liberdade.

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Até quando teremos que ver isso?