sábado, 3 de abril de 2010

CINEMA: "Os homens que encaravam cabras" é uma comédia que lida com um tema bem sério.

Jeff Bridges finalmente ganhou este ano o merecido Oscar de melhor ator aos 60 anos, após três indicações anteriores. Prêmio merecido, sem dúvida, apesar de eu não ter visto ainda o filme que o consagrou: "Coração Louco", que trata de um cantor country decadante, vitimado pelo alcoolismo. Mas para a boa parte da geração de que faço parte, o papel que entronizou Bridges de vez na cena pop foi  com "The Dude" ("O Cara"), protagonista de  O Grande Lebovski, comédia antológica dos anos noventa, dos irmãos Cohen (os mesmos que ganharam o Oscar de melhor direção, em 2008, por Onde os Fracos não tem Vez). Naquele personagem Bridges encarnava o verdadeiro "bicho-grilo", um remanescente da geração sexo, drogas e rock'n roll, uma versão masculina da Rê-bordosa do Angeli, e é exatamente um personagem semelhante que ele interpreta no filme Os homens que encaravam cabras.

Não obstante o título soar como alcunha de filme pornô, a película de Grant Heslov é fiel ao nome, e revela um verdadeiro tributo a diretores como Stanley Kubrick e Robert Altman, nas comédias respectivas Doutor Fantástico e Mash, sob  o tema da ridicularização da guerra. O filme é baseado no livro homônimo de Joy Ronson, um repórter que levantou a tese, supostamente real, de que militares norte-americanos empregaram místicos ou pessoas com capacidades extrasensoriais, para contribuir no esforço de guerra, desenvolvendo um exército de supersoldados. O tema não é novo, visto que nas histórias em quadrinhos da Marvel temos personagens como o Capitão América, que retrata exatamente o emprego de superseres no combate a um inimigo externo (no caso, os nazistas). O que o livro de Ronson revela é que no governo de Bush, de fato tais indivíduos foram utilizados, inclusive na prática de tortura, para, segundo ele, derrotar o inimigo com o poder da mente. Não obstante a premissa do absurdo, nos créditos iniciais do filme somos surpreendidos pela icônica frase: "você ficaria surpreso com a quantidade de coisas neste filme que são verídicas".

É esse o mote da comédia de Heslov, quando o repórter Bob Wilton (personagem do ator Ewan Mcgregor), após ser traído e abandonado pela mulher, resolve se aventurar pela Guerra do Iraque, indo ao Oriente Médio investigar uma suposta conexão entre o exército americano e seres paranormais. Lá ele conhece o lendário Lyn Cassidy (George Clooney, ótimo como sempre, fazendo comédia), uma das cobaias utilizadas como experimento pelo exército nos anos oitenta, um suposto ex-militar paranormal, que tem o poder de matar uma cabra, só olhando pra ela, utilizando o poder da mente (daí o título do filme). Cassidy foi discípulo do guru da autoajuda Bill Django(papel de Jeff Bridges), um tenente-coronel, veterano do Vietnã, que ao se tornar adepto da filosofia paz e amor do movimento hippie, cria o chamado "Exército da Nova Terra", uma unidade de elite com seus soldados cabeludos, maconheiros e tatuados que visam derrotar o inimigo não através das armas, mas sim com a mente, aliando a capacidade extrasensorial da telepatia com o poder de dissipar nuvens ou atravessar paredes. Numa mistura de budismo, xamanismo, muito LSD e até aulas de dança, Cassidy torna-se o melhor aluno de seu mentor, observado de perto pelo seu invejoso e inescrupuloso rival, Larry Hooper (interpretado por Kevin Spacey), o vilão do filme,  num grupo em que seus componentes são chamados de "jedis"(isso mesmo, exatamente como os personagens de Star Wars).

Com um elenco formado por um timaço de atores oscarizados, o que poderia se esperar do filme de Heslov é uma grande comédia no estilo do grupo inglês Monty Pyton, mas o que se vê na verdade é uma crônica do absurdo que é a guerra e a tortura, principalmente se nos lembrarmos dos abusos do exército americano no Iraque e as denúncias de maus-tratos a presos na base militar de Abu-Ghraib. Sabemos, por exemplo, que o tema musical do personagem infantil Barney, o Jacaré, não é tão inocente assim, e na verdade é empregado, inclusive, como método de tortura (a título de exemplo, imagine colocar um preso num contâiner para escutar o dia inteiro, em alto e bom som, a mesma música da Xuxa, sem parar, para você ver a reação). O filme funciona através da ridicularização da tragédia, da sátira a partir do drama, da mesma forma como Mash, de Robert Altman fez nos anos setenta, retratando o conflito na Coréia, no clássico filme com Donald Sutherland e Eliott Gould. Uma das cenas mais engraçadas do filme parte exatamente de situações dramáticas, quando, em seus flashbacks,  Bill Django relembra o passado no Vietnã, quando seu pelotão simplesmente não conseguiu acertar um tiro sequer em um vietcongue, por que os soldados atiravam alto demais. É exatamente numa situação dessas que Django tem a sua "revelação espiritual".

George Clooney então, dispensa comentários, tendo em vista que sou escancaradamente fã do cara.Se Clooney é uma espécie de "Gary Cooper da geração dois mil"(quem não é cinéfilo não vai entender a comparação), é justamente sua união com Bridges, Mcgregor e Spacey que torna o filme altamente simpático, por se tratar de uma verdadeira "farra de amigos", podendo fazer do nonsense da comédia um verdadeiro petardo de conscientização.

Apesar do escasso elenco feminino, Os homens que encaravam cabras é sim um filme que deve ser visto. Se peca pela falta de originalidade, ao menos a estória tem o mérito de funcionar como uma divertida crônica da guerra e uma crítica ao absurdo da política belicista norte-americana. Ao menos no filme, os militares acabam cedendo espaço aos hippies, e nesse sentido, ainda vale a pena colocar flores no lugar dos fuzis: PEACE AND LOVE!!!

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