quinta-feira, 24 de junho de 2010

CINEMA: Em "Ao sul da fronteira", Oliver Stone me fez pegar de volta a cartilha de militante.

O militante é um romântico. Entre balas, fome na floresta, tanques de guerra, doutrina marxista, fuzilamentos em paredões e desvios autoritários, Che Guevara era um poeta. Como não se deixar seduzir pela aura de romantismo do típico revolucionário latino-americano? Pancho Vila ou Emiliano Zapata no México até hoje inspiram multidões. No Brasil, Luis Carlos Prestes e sua Coluna, numa marcha solitária pela liberdade o transformaram, na época do tenentismo, nos primórdios do século XX, no "cavaleiro da esperança"; enquanto que Lamarca e Mariguella deixaram a pecha de terroristas e entraram nos livros de história como dois idealistas que morreram crivado de balas, acreditando em seu ideal revolucionário, combatendo a ditadura militar. El Comandante Fidel, inspirado em José Martí, até hoje é visto em Cuba por muitos com saudosismo e reverência. Daniel Ortega e seus sandinistas, na Nicarágua da década de 80, deram o que falar. E o que dizer então de Hugo Chavez? Hoje, o novo nome de uma esquerda, metida a revolucionária, que funciona como um "exército de brancaleone" bolivariano.

Ditadores ou libertadores? Segundo a ótica de Oliver Stone, diretor norte-americano oscarizado com Platoon, Nascido em 4 de julho, Wall Street e tantos outros filmes notáveis (como JFK, Nixon e até W, o último longa, tratando da vida de George W.Bush, que rendeu a Josh Brolin a indicação ao Oscar de melhor ator), para a mídia norte-americana e o capitalismo yankee, ditadores são todos aqueles que, de alguma forma, contrariam os interesses do capital internacional, não cedem aos apelos do mercado e dos banqueiros gringos, querendo ter luz própria e seguir seus próprios caminhos. É esse o projeto de América Latina concebido por Stone, com uma câmera na mão, na condição maior de militante do que de cineasta. Em seu novo documentário: Ao Sul da Fronteira, Oliver Stone volta seus olhos para a América do Sul. Uma nova América do Sul, não mais vista pelo ideário wasp  norte-americano como uma terra exótica de macacos, florestas, nativos falando espanhol, tango, samba e a Carmen Miranda, mas sim como uma neverland  da nova utopia socialista.

No documentário, Stone dedica quase uma hora a entender o fenômeno Hugo Chavez. Sua origem política, a realidade político-econômica da Venezuela: um oásis de petróleo em plena América do Sul, dotado não só de recursos naturais e belas mulheres, mas também de um povo sofrido, à beira da miséria, que durante anos sofreu sobre a ditadura das baionetas de governos repressivos, ostensivamente apoiados pelos Estados Unidos, na sustentação de uma minoria rica, elitizada, branca e européia. É mostrada a ascensão de Chavez ao poder: primeiro, por meio de uma tentativa fracassada de golpe, onde ele aparece como um salvador, um mártir, um jovem e destemido tenente-coronel paraquedista, que juntamente com outros jovens militares, indignados com a repressão popular do presidente Carlos André Perez, decidem tomar o poder à força, e se quebram. Após poucos anos de prisão, Chavez, o líder da rebelião militar, é galgado ao poder pela força das urnas, quando vence a eleição contra uma loiríssima e sugestiva ex-miss universo. Stone dá a entender que Chavez se consagra pelo voto popular, e isso (é certo) o legitimou a promover as profundas mudanças na sociedade venezuelana, que contrariaram fortemente os anseios da elite econômica, e da mídia que a sustentava, através de sua revolução bolivariana.

Aqui, acerca do papel da mídia e da intervenção norte-americana, merece-se um detalhe: assim como na tese defendida entre um em cada um militante de esquerda revolucionária, os meios de comunicação, numa sociedade capitalista, tem a função de respaldar a ideologia reaconária das elites, e assim incentivar o golpismo e o ataque à democracia, todas as vezes em que os interesses das elites forem contrariados. É assim que pensa Stone e é assim que demonstra o seu filme, ao mostrar o papel das redes de televisão e jornais contrários ao governo de Chavez, assim como a vergonhosa participação dos Estados Unidos de Bush, no fracassado golpe de Estado praticado na Venezuela, que retirou temporariamente Chavez do poder, colocando um banqueiro e financista no seu lugar, e que provocou uma reação popular nunca vista na história daquele país, depois que Simon Bolivar insuflou uma revolução na região. Não se passou uma semana para que Chavez voltasse triunfante ao poder, inclusive com o apoio de boa parte do exército, que o havia retirado da presidência nos dias anteriores e até ameaçava matá-lo. Com a "cagada" estadunidense, em reconhecer precipitadamente o governo golpista, antes mesmo que a cadeira da presidência esfriasse com a saída temporária de Chavez, fez com que o presidente venezuelano só se fortalecesse ainda mais no imaginário latino-americano, além de ganhar o apoio apaixonado de seu eleitorado. Saiu um líder, voltou uma lenda!

Mas se Oliver Stone ficou seduzido por Chavez, mostrando-o, inclusive, na sua intimidade, com seus familiares, pedalando de bicicleta, conversando com populares em seu jipe, e indo até à casa pobre, do bairro de periferia em Caracas, onde o líder venezuelano nasceu, Stone também vira suas lentes para outros países e líderes do continente, chegando até a Bolívia de Evo Morales. Outro líder carismático, cultivado pela extrema-esquerda, como o primeiro indígena a chegar à presidência de um país.O ex-cocaleiro é convidado a expor as virtudes medicinais da folha de coca, assim como suas habilidades no futebol, chegando a fazer embaixadinhas com uma bola, no jardim do palácio presidencial; mas o que mais interessa ao cineasta-entrevistador é como Morales explica os motivos da expulsão do escritório do DEA (Departamento de Narcóticos) norte-americano, do território boliviano. Morales, atualmente muito criticado pelo candidato brasileiro de oposição, José Serra, por sua suposta leniência com o tráfico de drogas, explica que, na verdade, sua luta é contra um projeto neoliberal dos EUA de querer se meter em assuntos internos da Bolívia (assim como já faz na Colômbia), ameaçando a soberania latino-americana, como sempre fez a terra do tio Sam, em seu histórico de imperialismo e financiamento de ditaduras e governos autoritários no continente.

Stone também vai para outros países, entre eles o Paraguai, de Fernando Lugo e a Argentina de Cristina Kirchner. Quanto a esta última, interessou ao diretor de Platoon entrevistar o casal Kirschner tão e simplesmente para saber como foi o calote com o FMI, e a cara-de-pau com que Nestor Kirschner desafiou os banqueiros norte-americanos, declarando moratória da dívida externa e que não pagaria mais nem um centavo aos homens de negócio yankess. De forma semelhante pronunciou-se Lula, o presidente brasileiro, ao ser entrevistado por Stone na cúpula das Américas, ao lado de um risonho Chavez, debaixo de uma tenda, falando triunfante de como o Brasil pagou sua dívida externa, com direito à sobras, e de como Lula peitou os banqueiros do FMI, dizendo que não queria mais nem um centavo de volta, e que, inclusive, devolvia o dinheiro que sobrou, pois o país tinha suas próprias reservas e já caminhava por pernas próprias. Afinal, segundo Lula, o bom pagador não fica com dinheiro que não lhe pertence, paga e ainda tira uma onda! O mesmo grau de ironia que conquistou Stone na retórica do presidente brasileiro, o cineasta norte-americano também sentiu com Rafael Correia, presidente do Equador, quando este cobrou a reciprocidade dos Estados Unidos, como condição para a permanência de bases norte-americanas no país. Se os EUA querem uma base militar norte-americana em Quito, que também haja uma base equatoriana em Miami. Será que é pedir demais?

No filme, Oliver Stone ainda abre um espaço pra Barack Obama. Yes, we can!! Quando dá um voto de confiança ao novo ocupante da Casa Branca, após a triste passagem de George W. Bush na presidência anterior. Stone revela a reação da mídia conservadora norte-americana, indignada perante aquilo que parecia um insulto: o aperto de mão entre Hugo Chavez e Obama, e a torcida do primeiro para que o governo deste último seja menos maléfico do que o de seu antecessor, e, ao menos, respeite a autonomia dos povos e a integração latino-americana.

Um coronel paraquedista que virou um novo Fidel Castro, um bispo, um metalúrgico e um indígena que se tornaram presidentes, um casal peronista que desafiou o capital internacional e um jovem presidente equatoriano que botou militares yankees pra correr. Estes são os heróis de Oliver Stone, a nova cara de uma América Latina retratada em filme, que revela, no século XXI, novos governos, de certa forma revolucionários, surgidos em democracias que sepultaram o antigo modelo ditadorial, vassalo do capitalismo norte-americano, do século passado. A América Latina para Stone é a Canaã da esquerda mundial, e para lá converge uma nova política que tende a alterar a correlação de forças num mundo globalizado. É óbvio que Ao Sul da Fronteira é altamente ideologizado, e reflete, em muito, o pensamento de seu diretor. Mas também é certo que o documentário serve como fonte de consulta histórica, a muitos fatos relevantes que ocorreram no continente sul-americano nos últimos anos, e, que, de fato, alteraram o curso da história mundial. Naturalmente, quem é de direita, reaça, neoliberal, neoconservador ou neoqualquer coisa ruim que seja, não irá gastar seus trocados pra assistir a um filme desses, pois sabe que se trata de mera peça de propaganda esquerdista.

Entretanto, aviso aos eleitores de Serra, classe média neoliberal paulistana, assinantes da revista Veja ou meros simpatizantes da turma do Alto de Pinheiros: Ao Sul da Fronteira é sim, muito bom! Dirigido por um dos melhores cineastas dos últimos anos, e de caráter altamente didático e conscientizador. É claro que você não precisa gostar do Hugo Chavez, ser eleitor do Lula ou morrer de amores pelo Evo Morales. Não sejamos ingênuos. Mas terá que reconhecer que muita coisa mudou (socialmente, para melhor) com esses senhores assumindo o governo de seus países, ao menos em termos de postura. Ver esses caras e o "cara" ( o que Lula é para Obama, e também para Stone) conferindo um destaque superior a seus países, como nunca antes se fez, quebrando com a postura de subserviência que marcou os governos sul-americanos durante tantos anos, realmente é motivo de emoção. Pena que os neochatos liberais de plantão, os conservadores, e todos aqueles que não conseguem conviver com a idea de sua empregada doméstica ou jardineiro serem ouvidos e compartilharem do poder numa sociedade democrática, acabam sempre por ser os "estraga-prazeres" da festa da esquerda, através de seus Diogos Mainardis da vida!

Por isso digo aos meus amigos neoliberais, conservadores ou de direita mesmo: este filme, definitivamente, não é pra você, Vladimir!! Um grande abraço a todos (de esquerda ou direita) de qualquer forma!! Soy loco por ti, América!!!

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