Neste mês de abril a Comissão de Constituição e Justiça do Senado deve se reunir para discutir a proposta de expandir o sistema de cotas raciais, já existente nas universidades públicas estaduais ( como no Rio de Janeiro e na Bahia), para toda a rede pública de universidades federais do país, bem como para as escolas técnicas federais (as CEFETS), e para os colégios mlitares. O projeto prevê inicialmente uma reserva do percentual de 50% das vagas dessas instituições para alunos de escolas públicas (as chamadas "cotas sociais"), bem como desse contingente, 25% das vagas devem ser destinadas a estudantes com renda familiar de até um salário mínimo (até aí tudo bem!). Ocorre que o projeto também menciona que essas vagas reservadas devem ser destinadas a
negros e
indígenas.
Introduzido paulatinamente no país desde a última década do século passado, o sistema de cotas raciais no Brasil, destinando parte das vagas nas universidades públicas para descendentes de negros e indígenas, tem mantido acesa polêmica na opinião pública nacional, como também tem sido pivô de várias disputas judiciais. É comum se encontrar em qualquer sala de aula, manifestações contrárias e raivosas de estudantes não contemplados pelo sistema de cotas, e até mesmo daqueles que originalmente delas dependeriam, dizendo que a cota racial atrapalha ao invés de ajudar, uma vez que um aluno branco e pobre pode ter estudado na mesma escola pública que um estudante negro, ter tido as mesmas oportunidades, e mesmo assim ser preterido numa seleção para uma universidade, tão e simplesmente pela diferença da cor da pele, mesmo que esse aluno branco tenha apresentado um melhor resultado e uma melhor qualificação na seleção. Já do lado dos negros contrários às cotas, é comum também ouvir o argumento de que as cotas raciais instituem um racismo às avessas, fator difusor de maior preconceito, uma vez que o sistema não mediria a capacidade real dos estudantes negros em relação aos brancos, e, pelo contrário, ao se estabelecer cotas para o ingresso nas universidades, o poder público reconheceria não apenas o racismo, ferindo o princípio constitucional da igualdade, como também legitimaria a diferença social, afirmando pela própria lei que os negros são inferiores intelectualmente aos brancos, e, em função disso, necessitariam das cotas para "compensar" essa desvantagem racial e intelectual, permitindo-lhes um acesso mais fácil à universidade.
Também se encontra no meio estudantil posicionamentos plenamente favoráveis às cotas, seja entre alunos brancos ou negros. Mais propriamente entre os negros, escuta-se também discursos de que o sistema de cotas raciais não é ideal, mas necessário, tendo em vista a histórica situação de desamparo do negro e pobre no Brasil, dependente de escola pública, desde a tenra idade, e que não teve sequer condições de competir ou ter acesso à rede particular de ensino(bem) paga, onde a grande maioria dos estudantes brancos de classe média alta tiveram acesso e melhor qualificação para estudar e passar numa seleção para as universidades públicas (ainda hoje, as mais concorridas). Já outros alunos são mais pragmáticos e simplesmente dizem: "ahhh, tenho avô negro ou avó índia e minha pele é meio bronzeada. Se o sistema de cotas me favorecer, que bom!! Eu vou mais é aproveitar!!".
Em primeiro lugar, devo dizer que me sinto plenamente à vontade para discutir esse tema, levando em conta não apenas o fato de eu ser negro, ou, para uns, apenas um descendente típico de afrobrasileiros (pejorativamente chamado de "pardo" ou "mulato"), mas também porque essa discussão interessa-me como cidadão, pela sua repercussão social, e como técnico e estudioso do direito, por suas claras implicações jurídicas.
As chamadas "ações afirmativas" são produto dos movimentos de desobediência civil e reivindicação de direitos sociais, popularizados nas marchas conduzidas por líderes negros norte-americanos como Martim Luther King, nos EUA, na década de sessenta do século passado. Esses movimentos dedicavam-se a combater as leis segregacionistas, que estabeleciam direitos diferenciados e privilégios para representantes de uma raça (a branca), contra uma minoria de negros que não podia compartilhar, sequer, de um mesmo assento de ônibus ou entrada em um restaurante, quanto mais o ingresso em uma universidade. Foi nesse movimento que nasceram as propostas de cotas raciais no ensino público universitário, que hoje são adotadas por uma boa parte dos países onde há diferenças raciais e sociais gritantes.
Surge aqui então uma primeira dicotomia que precisa ser resolvida: a distinção entre segregacionismo X inclusão racial. Sabe-se que o mecanismo das cotas foi introduzido historicamente para combater a segregação pela via da inclusão; ou seja, se havia leis que estabeleciam direitos diferenciados e acesso privilegiado para alguém de uma cor, essas leis deveriam ser abolidas, e, em seu lugar, deveriam ser colocadas disposições que garantissem o acesso daqueles que outrora foram excluídos, no meio de um sistema não mais segregador. Foi isso que ocorreu na Índia, por exemplo, onde um sistema de castas milenar e enraizadíssimo na sociedade hindu começou a ir por terra mediante uma "ocidentalização" do direito local, prevalecendo o princípio da igualdade, onde membros de castas diferenciadas deveriam ter o mesmo acesso ao ensino público, independente de sua condição étnica ou social. É bem verdade que tais mecanismos não garantiram um maior desenvolvimento social à nação indiana e nem combateram a fome e a miséria galopantes que ainda hoje encontram-se presentes naquele país ( quem viu o filme ganhador do Oscar este ano,"Quem quer ser milionário", e deu olhada nas favelas de Mumbai, sabe do que eu estou falando). Portanto, na verdade, o sistema de cotas serviu mais como um "meio compensatório", do que propriamente como um instrumento real de conquista racial e integração social.
Agora, o argumento que me custa a calhar nos ouvidos é aquele de que no Brasil não haveria racismo, ou, menos do que isso, apesar de nossas diferenças raciais e sociais, a miscigenação aqui em
terra brasilis seria tão grande, que hoje seria impossível estabelecer diferenças raciais num pais majoritariamente de mestiços. Aludem os defensores da miscigenação que, aqui em nosso país, não existiria uma consciência de raça, pois a nossa experiência histórica seria bem diferente da experiência norte-americana. Ahhh! tá! Mas ambos os países não foram escravocratas enquanto eram colônias de reinos europeus, e tanto lá na terra do Tio Sam quanto aqui, por séculos, os negros não foram desprovidos de condições sociais e econômicas, em detrimento de uma classe privilegiada branca? Ou será que estamos falando de outro país?? Os norte-americanos tinham a sua "cabana do Pai Tomás", nós, tínhamos o nosso "negrinho do pastoreio". Só falta tocar um
blues para lembrarmos dos negros de lá, ou talvez um samba, para recordarmos dos negros daqui.
Eu teria aqui uma pilha de exemplos históricos comparativos para mencionar, a título de ilustração, na tentativa de explicar as diferenças entre os negros das plantações de algodão pincelados pelo escritor Mark Twain, na sua obra máxima "Tom Sawyer", na literatura norte-americana, em comparação aos "pretos tições" lidados por Gilberto Freyre por aqui, em sua ótima "Casa Grande & Senzala". Porém, ficaria muito chato! Já que estamos falando de sistema de cotas, competiria aqui estabelecer algumas desconstruções, de ambas as teses (favoráveis e contrárias) sobre as cotas raciais, explicitando alguns de meus pontos de vista, que podem ser úteis a quem se aventura a ler estas extensas linhas, e compartilhar das "conexões" que faço na leitura deste blog.
Ficando então nas diferenças básicas, eu diria que não é verdade que no Brasil o negro não tenha consciência de raça em função da miscinegação, e que por isso não seja conveniente (ou até depreciativo) defender políticas de inclusão social que levem em conta o componente da raça. Na verdade, todo negro ou descendente de escravos no Brasil sabe muito bem a extensão do papel da cor de sua pele, toda vez que é confundido com o zelador do prédio ao visitar um amigo no elevador, ter fama de ser pagodeiro ao invés de ouvinte de música clássica, ou só se tornar ídolo quando vira jogador de futebol. Os negros norte-americanos se organizaram enquanto grupo racial, combateram o racismo e desenvolveram as ações afirmativas na conquista de direitos, por que
souberam e tiveram uma maior capacidade de iniciativa e mobilização, na luta por direitos sociais. Sabe-se que nos EUA, o mito da "democracia amerina", como defendia o filósofo inglês Alexys de Toqueville, foi posto à prova quando centenas, ou talvez milhares de negros organizados, mobilizaram-se em passeatas e protestos, pelas ruas americanas do Alabama até o Mississipi, chegando até Washington, por meio das marchas pelos direitos civis ou pelo movimento dos Panteras Negras.
Aqui no Brasil, por contingências históricas que não merecem observação agora, o negro brasileiro nunca foi impulsionado a se organizar da mesma forma que seus parceiros de raça norte-americanos, até mesmo porque, em primeiro lugar, na vanguarda dos movimentos sociais, estavam as lideranças operárias e socialistas, encabeçando sindicatos, ligas de camponeses e partidos de esquerdas, com um discurso ideológico de classes que superava a luta racial. O racismo ou a segregação racial eram produto da divisão de classes, e não de uma diferença étnica, e competiria aos militantes marxistas não somente garantir a adesão de negros ou indígenas, mas sim de toda a camada de explorados economicamente e socialmente, sejam eles brancos, pardos, negros, indígenas, amarelos, ou quem quer que aparecesse, para combater a dominação burguesa de uma classe branca e capitalista.
No aspecto religioso, a questão da fé também não foi menos importante, no momento em que nos EUA, um país majoritariamente protestante, porém racista, ao lado das igrejas pentecostais de brancos, adeptos da
Ku Klus Klan, havia igrejinhas de negros, na periferia das cidades, com seu
gospel comovente e seu louvor
animado, movido a batucadas e bater de palmas típico dos culto afro, que aqui, no Brasil, foram assimilados pela Igreja Católica, por via do sincretismo entre padres e pais-de-santo umbandistas na Bahia, e não pelas igrejas evangélicas, com seus missionários brancos chegados ao Brasil, que ao invés de propiciarem um modelo de organização e mobilização efetivamente
black, como era feito nos EUA, mantinham, ao contrário, com sua ideologia branca, um modelo de "branqueamento" dos segmentos de negros pobres, nas favelas e periferia das grandes cidades, que largaram as vestes brancas e os atabaques, pelo paletó e gravata, cabelo curto e vocabulário
wasp do modelo tradicional de culto anglo-saxão.
Grandes vultos de nossa história eram negros, tais como José do Patrocínio e Abdias do Nascimento. Porém, foi somente este último que contribuiu no século passado para a formação de um discurso sobre a identidade negra e a necessidade de mobilização social, para consolidar uma consciência étnica do papel social do afrodescendente. Machado de Assis, fundador da Academia Brasileira de Letras, símbolo máximo da intelectualidade nacional, era mulato, casado com uma branca, mas mesmo em seus retratos mais antigos, o "enbranquecimento" não deixava de estar presente, e ele nunca requereu sua condição de raça para estabelecer qualquer crítica fundada ao sistema republicano pela discriminação com o negro, uma vez que assim como naquela época, a questão da negritude parecia ter sido resolvida historicamente com o fim da escravidão, e a diferença pela cor da pele passou a ser secundarizada pela diferença social.
Porém, voltando à questão das cotas, se, ao menos para mim, ficou demonstrado que é balela qualquer discussão pelo fim desse sistema, sob a alegação de que não há consciência de negritude no Brasil (uma vez que ela sempre existiu, só não foi fator de mobilização), fica aqui também a minha crítica quanto aos que, de forma oportunista, abraçam definitivamente o argumento das cotas como uma espécie de panacéia para o problema nacional na inclusão racial, dizendo que: sim, de fato, concordo com os anticotitas, mas tão somente na crítica de que, adotar tão e simplesmente o sistema de cotas raciais nas universidades, não vai resolver, nem hoje, nem nunca, o extenso dilema da desigualdade social e racial no Brasil.
Mas se não resolve, ao menos compensa, nem que seja um pouquinho. Se alguns dizem que o sistema de cotas enquanto condição obrigatória para o funcionamento das universidades, foi abolido pela Suprema Corte Americana em 1979, eu contra-argumento dizendo que se as cotas foram consideradas inconstitucionais enquanto requisito obrigatório para o acesso ao ensino público, digo que, por outro lado, elas foram fundamentais para corrigir uma injustiça histórica quanto aos negros, e o exemplo mais cabal disso foi o repentino acesso de centenas e centenas de negros norte-americanos à instituições renomadas de ensino nos EUA, na década de sessenta, que propiciaram o incentivo à preparação, e superação social de milhares e milhares de gerações de negros que vieram posteriormente, trazendo ao mundo um ex-professor de direito constitucional da Universidade de Chicago, um advogado militante, nascido no Havaí, filho de um queniano negro como uma estudante branca norte-americana, e que viria a se tornar o presidente da nação mais poderosa do planeta. Sim, é ele: Barack Obama!
O sistema de cotas que garantiu a abertura de direitos aos negros, redundando no surgimento de Obama, é a prova cabal de que o sistema de cotas não resolve, por si só, o problema da desigualdade, e nem é a solução mágica para o fim do racismo. Contudo, tal mecanismo ataca de morte e supera o segregacionismo, que, se nos EUA se deu da forma mais gritante, pela vigência de leis que estimulavam a segregação, no Brasil essa segregação se deu de forma mais sutil, velada, mas tão eficaz e aguda como o modelo norte-americano, pela incapacidade econômica e social de nossos negros competirem em relação de igualdade com brancos educados em escolas privadas, de classe média, com um bom perfil econômico, que além do acesso a boa escola na infância, pela rede básica de ensino, ainda tiveram o privilégio de pagar bons cursinhos, boas aulas de idiomas, bons livros comprados no cartão de crédito e boas salas de aula. Vão me dizer que o problema está então no ensino como um todo no Brasil, e eu concordo plenamente. Não haveria como discordar. Porém, enquanto o ensino não for de todos e para todos neste país, acho conveniente, sim, termos mecanismos compensatórios, de curto, mas eficaz alcance, na debelação da desigualdade (ora por raízes econômicas, ora por diferenças raciais), garantindo a toda uma massa de pretos e pobres, o acesso à universidade pública, com ensino de qualidade.
Como eu disse, e volto a repetir, já que o tema é polêmico, não estou aqui defendendo as cotas como a solução de todas as mazelas produzidas pela profunda desigualdade, e pela evidência demográfica de que temos tantos negros ou indígenas pobres nesse país, em relação a uma minoria branca, até mesmo porque branco não se encontra apenas em mansão, mas tem também muito branco pobre, vivendo em favela por aí! Entretanto, o que percebo no Brasil, assim como em outros países, é que as normas devem ter sua vigência até o momento em que produzirem a eficácia a que elas foram destinadas. E no caso do sistema de cotas, enquanto seu principal objetivo for minimizar o evidente fato de que poucos são os negros a ingressar em uma universidade pública, acredito que sua adoção é viável, até o momento em que produzirmos em nossa sociedade um novo modelo social, onde não será mais estranho e nem diferente ver um negro na Casa Branca (como se deu na eleição americana), assim como não será exótico ver um grande banqueiro negro, assim como hoje não é, ao ver isso no serviço público (vide a excelente atuação no STF do ministro negro Joaquim Barbosa). Acredito que o sistema de cotas deve valer, até o momento em que, por mais "chinelento" que eu esteja, eu não seja confundido com o zelador do condomínio ao entrar dentro do elevador do prédio.
Em termos constitucionais, fala-se muito em igualdade, e na centena de mandados de segurança que são impetrados contra as cotas, por alunos preteridos em processos seletivos nas universidades, vê-se que o argumento é quase sempre o mesmo:"inconstitucionalidade das cotas por ferir o princípio da igualdade". Não obstante os ganhos de causa ou as perdas em alguns tribunais, chega a hora em que pergunto: "igualdade pra quem, cara-pálida?". O bom estudante de direito constitucional sabe que o princípio constitucional da igualdade rege-se, em sua essência, pelo princípio da isonomia, que pode ser: material ou formal. Pela isonomia formal, os argumentos usados aos montes pelos advogados dos anticotistas, é de que a lei de cotas não contempla a igualdade prevista formalmente pela constituição em seu texto, quando diz que "todos são iguais perante a lei", no artigo 5.o. Ocorre que pelo prisma da isonomia material ( e não formal), o texto é claro também ao dizer, no artigo 7.o, inciso XXX, que é proibida "
a diferença de salários, exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil". A isonomia material serve para "tratar os desiguais de forma desigual", como apregoava o jurista brasileiro José Afonso da Silva. Ora, é lógico que os mais avivados na letra da lei, irão me dizer que a norma constitucional que eu citei, só serve para combater a segregação, e como ela já está abolidada de nosso sistema, então não seriam necessárias leis pró-cotas. Contudo, eu refuto mais uma vez esse argumento, dizendo que a isonomia não é apenas obtida com a proibição da segregação, evitando-se o preconceito, mas também pela inclusão de direitos que, hoje, ainda não contemplam a todos os brasileiros, como é o caso dos negros, pobres e indígenas, que se veem privados do acesso à universidade pública, não por falta de capacidade, mas por falta de oportunidades que sequer lhes foram garantidas, no primeiro dia que chegaram na escola.
Concluo me recordando de excelente e esclarecedora passagem, escrita pelo filósofo e jurista norte-americano Ronald Dworkin, em sua célebre obra:
Levando os direitos a sério. No livro, o jurista trata, no capítulo 9, da chamada "discriminação compensatória", tratando do regime de cotas raciais nas universidades norte-americanas. Ele disse que, em 1945, um negro chamado Sweatt tentou ingressar na Faculdade de Direito da Universidade do Texas, mas teve seu pedido rejeitado, com base numa lei estadual que proíbia a presença de negros na universidade. Ele então moveu uma ação judicial, que foi parar na Suprema Corte Americana, obtendo o direito de ingressar na referida universidade, alegando a Décima Quarta Emenda da constituição americana, sobre a igualdade na proteção de direitos. Em 1971, um judeu chamado DeFunis entrou com pedido semelhante, alegando o mesmo dispositivo constitucional, para ingressar na Universidade de Washington, alegando proteção das minorias, mas seu pedido foi rejeitado. Qual a diferença entre o pedido de um e de outro, já que ambos se sentiram discriminados?
Ocorre que, segundo Dworkin, Defunis não tem nenhum direito, mesmo que não pudesse ingressar no ensino superior pela falta de faculdade de direito no seu estado, ou se houvesse apenas uma faculdade, mas com poucas vagas, e que não levassem em conta seus méritos intelectuais.
A inteligência não é o único critério a ser levado em conta para o ingresso numa universidade. Para Dworkin, as faculdades de direito selecionam os mais aptos intelectualmente, não porque seja um direito do candidato ser avaliado tão somente no crítério de inteligência, mas sim porque interessa a faculdade servir a comunidade de advogados mais aptos no futuro, quando eles se formam. Ele diz:
"os padrões intelectuais se justificam não porque premiam os mais inteligentes, mas porque parecem servir a uma política social útil".
É nesse sentido que se processa a crítica inteligente de Dworkin. O direito à educação básica, é sim direito fundamental que deve ser garantido igualmente a todos, da infância até a adolescência, o que não é feito pela realidade da rede de ensino brasileira, que privilegia os mais abonados economicamente, e aqueles que, historicamente, por raça, encontram-se melhor posicionados na pirâmide social (não me venham falar novamente dos brancos existentes nas camadas pobres da sociedade, pois retruco com a maciça maioria branca, nos setores mais privilegiados e ricos da sociedade). Entretanto, no ensino superior, a educação jurídica pleiteada pelo judeu Defunis, e concedida ao negro Sweatt, não é vital a ponto de que todos tenham direito a ela, mas tão somente aqueles que procuram tal opção. O que ocorre é que, ao indeferir o pedido de Defunis, a justiça norte-americana não tolheu de direitos toda a comunidade judaica do estado de Washington, impossibilitando que outros judeus tivessem acesso à universidade, prejudicando uma política social útil, mas no caso do negro Sweatt, a situação é oposta.
Dworkin argumenta que, se é pensada como política social, a opção preferencial pela admissão de negros na universidade (assim como a dos mais aptos intelectualmente), no sentido de diminuir a diferença de riqueza e poder que existe entre brancos e negros na sociedade, proporcionando mais igualdade racial, no momento em que negros mais instruídos juridicamente, podem, não só melhorar a qualidade do ensino jurídico no estudo dos problemas sociais, mas também estimular mais e mais negros a se candidatar a novas vagas, é uma proposta de política social com objetivo bem definido, sendo legítimo que tal instituição de ensino adote tal critério, além de outros que a universidade tem o direito de estabelecer, face sua autonomia universitária e os propósitos de realizar o bem comum. Desta forma, o argumento em favor das cotas deve ser sempre de
interesse social,
público, em prol da sociedade, e não tão somente um argumento individual, de natureza privada, fundado tão somente no interesse particular do candidato de ingressar na universidade, neste ou naquele curso. O candidato, seja ele qual for, tem o direito, sim, de ser avaliado, mas não deve ter ele qualquer ingerência sobre os critérios de seleção de uma instituição, baseado tão somente no seu próprio interesse pessoal, como na alegação de ter o direito a ser avaliado tão somente pelo critério intelectual.
Agora se me perguntam das maracutaias de muitos alunos, na hora de preencher a ficha de inscrição a um processo seletivo, que só são negros ou pardos na hora de pegar um bronzeado na praia, e assinalam o "x" dizendo-se negros ou indígenas, digo que o problema não está na essência da proposta das cotas, mas sim no mecanismo de gerenciamento do processo seletivo. Por que será que só sabemos idenficar um preto pobre quando desviamos da calçada ao ver um se aproximando, com medo de um assalto, e não sabemos identificar quando realmente algum deles preenche esse requisito na hora de pleitear uma vaga na universidade? Sim, como diria o velho Abdias, tá na hora de ampliarmos nossa consciência de raça, e se " a alma não tem cor", como diz no verso da música de Jorge Mautner, ao menos ela pede uma pincelada de tinta, na hora de entrar na universidade!