quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

DIREITO: Caso Sean-Parte II: A vitória do Direito Internacional Privado sobre o Direito Internacional Público(ou sobre o Direito Constitucional)

O drama do menino Sean Goldman, de dupla nacionalidade (norte-americana e brasileira), já comentado aqui durante o ano neste blog, parece que mereceu as tintas de capítulo final, ao menos em solo brasileiro, visto a recente decisão do STF. Parece que David Goldman, pai da criança, assim como a mídia e o governo americano obtiveram sua derradeira vitória, com a iminente partida do garoto para a terra do tio Sam.

Vou evitar aqui ao máximo ser contaminado pela parcialidade, pelas impressões do senso comum e por meus próprios sentimentos pessoais quanto à emoção que me produziu o caso, tentando superar minha antipatia em relação à cultura yankee e contra o próprio pai de Sean, pela forma como ele conduziu todo o processo de busca do filho no Brasil, movendo um verdadeiro circo midiático para obter seu tão sonhado interesse de pai ( com direito à pitadas demagógicas de um sentimento de vitimização, captado pelas câmeras de televisão, bem como com ruidosos comentários preconceituosos e xenófobos praticados pela mídia norte-americana, em relação aos brasileiros).

Como sabemos, David Goldman vinha durante anos tentando recuperar a guarda de seu filho, outrora subitamente retirado dos Estados Unidos (terra onde nasceu) por sua mãe, a brasileira Bruna Bianchi, e agora recentemente falecida após o parto de sua filha, tida de seu novo relacionamento com um advogado brasileiro. Sei que, aparentemente para os que estão de fora, e acompanharam pela TV esse drama familiar, ambas as partes erraram (tanto o pai de Sean quanto à falecida Bruna e sua família) quanto à condução de um caso que irá gerar sequelas morais e feridas sentimentais durante anos, entre todos os envolvidos, principalmente para o menino Sean. Fico realmente com pena do garoto, muita pena mesmo, até porque deve ser duro para uma criança de dez anos ter perdido a mãe precocemente, sair do anonimato para então se tornar, contra sua vontade, uma estrela midiática, e ainda por cima ter agora que superar uma ruptura abrupta de sua vida, ao ter que voltar ao território americano, abandonando os primeiros referenciais familiares e sociais que desenvolveu em vida, separando-se de parentes, amigos e do país que o acolheu e foi responsável pelos primeiros traços de sua personalidade e formação moral.

Sou filho de militar, e nessa condição, senti o quanto às mudanças abruptas de uma rotina pessoal podem ter um impacto significativo da formação da personalidade e no desenvolvimento moral de um pessoa. Passei praticamente minha infância inteira e metade da adolescência mudando-me de cidade para cidade, totalmente desenraizado, em função da profissão de meu pai, e todas as vezes em que eu começava a patinar socialmente, construindo minhas pontes com o mundo, com cenários familiares, amigos e um senso de identidade local, repentinamente tinha que partir, mais uma vez tornando-me incapaz de estabelecer vínculos duradouros com as pessoas que me rodeavam, e sei o quanto isso me afetou! Para o bem e para o mal essas mudanças contribuíram para o que sou hoje, e se sou capaz de refletir aqui, em meu blog, sobre assuntos tão díspares quanto minhas experiências pessoais e sentimentos, tanto quanto a relação que eles mantém com um assunto de relevância jurídica nacional, é porque meu intelecto e a capacidade de escrever estas linhas acerca desse polêmico tema se derem à custa de muita superação e sofrimento.

Tornei-me, na minha rotina de ser desenraizado (que não se sintam culpados meus pais), um sujeito inicialmente tímido e desapegado, incapaz de estabelecer relações mais sérias com as pessoas ( o que trouxe grande repercussão na minha vida afetiva, no futuro), justamente por ter construído em meu inconsciente, um cenário em que defesas internas eram criadas quanto ao sofrimento da perda e da saudade, uma vez qu pensava não ser mais possível gostar de uma pessoa e tê-la como meu próximo, meu amigo, porque eu sabia que há qualquer momento eu poderia partir e nunca mais ver tal pessoa. Então, pensava: "pra que ter amigos se eles logo vão desaparecer da minha vida, já que tenho que me mudar?". Isso foi ruim, muito ruim, e vivi um longo tempo solitário e sem fazer amigos, justamente porque preferia a companhia solitária de meus livros, discos, revistas, fitas, filmes, que até hoje povoam minhas estantes repletas, acompanhando-me por todo lugar onde vou, e que contribuíram, ao menos positivamente, para transformar aquele menino arredio, num homem intelectualizado, sensível, que exprime hoje suas emoções e reflexões teóricas através da palavra escrita. Tendo, ao menos, uma válvula de escape que me livrou da solidão. Quem diria: virei escritor!

Agora, voltando ao assunto de Sean, fico imaginando da mesma forma, em escala superaumentada, como é que esse menino vai conseguir superar o rompimento que agora foi estabelecido oficialmente pela Justiça Brasileira, do mundo que até então vivia e conhecia, voltando para um país que na verdade é seu de origem, mas que psicologicamente e socialmente já não construiu mais nenhum vínculo com ele. Imagino o garoto, sorumbático, embarcando num voo em direção a New Jersey, mimado pelo pai, na tentativa de animá-lo, simplesmente atônito em acordar no outro dia numa cidade e num país diferente, tendo que arcar com o difícil processo de readaptação num país que já foi seu. E olha que de readaptação eu conheço, e é um saco!! Se eu sinto isso agora como adulto, imagina quando eu era criança.

Logo que começou a balbúrdia midiática acerca desse caso, tive uma conversa animada com dois amigos, colegas professores: ele, psicólogo; ela, advogada. Perdi no 2 x 1 em relação a eles, no sentido da tomada de posições quanto ao polêmico caso. Ouvi todo tipo de argumento: seja ele jurídico, psicológico ou não. Disseram-me que era direto inalienável do pai ter de volta o filho, já que foi ele quem gerou (ué: filho agora é gerido pelo direito de propriedade? Voltamos ao direito romano?), e não competiria ao padrasto o direito à "guarda sentimental" ,como se refere a jurisprudência, justamente porque não foi ele quem gerou (disseram-me, inclusive, que se o padrasto de Sean quisesse um filho, que fizesse um!). Fora o argumento simplista, apesar de eu estar afirmando a mesma coisa que escrevi há pouco, dizendo do quanto que é dolorosa uma ruptura abrupta de uma vida afetiva e familiar, retirando-se o menino de seu lar brasileiro, desenraizando-o violentamente de sua antiga vida, fui surpreendido com o argumento de que "criança não entende nada porque ainda não tem personalidade formada", e que não caberia à Justiça ouvir o menino, pois toda criança se acostuma com mudança de vida. Então, tá!! Criança não opina nada. Mesmo numa sociedade de informação onde cada vez mais nossos meninos e meninas estão mais precoces intelectualmente. Não sou educador infantil e nem filhos tenho! Mas, pô, faça-me o favor, crianças não são idiotas!

É justamente por defender os interesses da criança, na órbita dos chamados interesses difusos protegidos por garantias fundamentais, segundo o novo constitucionalismo, e não por entender ser o caso de Sean uma mera querela individual de direito privado, que me insurjo teoricamente contra a velha visão liberal-burguesa do direito formal-individualista, herdada do direito privado de linha positivista (até rimou, quanto ao uso de jargão jurídico, mas, pra quem não é da área, não se preocupe, explico). Em primeiro lugar, as Constituições vieram a ter uma relevância recente no debate jurídico nacional, sobretudo quando os países da América Latina se viram livres das ditaduras e passaram a adotar um Estado Democrático de Direito, onde preceitos constitucionais teriam que ser preservados. No embate entre leis ordinárias e normas constitucionais, prevaleceu no nosso ordenamento o controle da constitucionaliade, e a adesão dos nossos legisladores e juízes a princípios constitucionais, toda vez que uma lei é publicada ou um sentença é proferida nesse país. Deixou de haver o apego ao velho direito positivo tradicional, entendido como mera legislação, que deveria assegurar, dentre outros direitos: a propriedade. Foi assim, que, por exemplo, a função social da propriedade foi instituída pela Constituição e hoje ninguém pode alegar apenas seu direito individual de propriedade, para protegê-la em caráter absoluto (em detrimento do interesse social). O direito hoje é recheado de princípios, previstos constitucionalmente, que modelam a legislação e a jurisprudência, e se eles promoveram alterações no direito de propriedade, porque não dizer também no tradicional direito de família. E é em nome desses princípios que me apego à Constituição para debater o caso Sean.

Ora, não é no artigo 227 da Constituição que se diz que é dever da família, da sociedade e do Estado, dentre outros, assegurar, com absoluta prioridade, à criança e ao adolescente, o direito à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, além de pô-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração e violência?

Creio que essa norma constitucional que se constitui em garantia fundamental positiva ( a imposição de uma obrigação de fazer ao Estado e sociedade) e em garantia negativa (a vedação de qualquer forma de tolhimento de direito) para a criança e o adolescente, deriva do principio da dignidade humana, este sim um dos princípios constitucionais basilares do texto constitucional; e que, sem ele, poria abaixo todo o edifício constitucional e o Estado de Direito no Brasil iria para as cucuias!!! No caso de Sean tínhamos um caso claro de conflito entre normas, pois, havia de um lado: a lei internacional, que diz que pelo fato do Brasil ser signatário de tratados internacionais, compete às nações proteger a guarda de pais estrangeiros de filhos no exterior, cujo direito foi comprometido por uma situação de sequestro ou porque a saída dos filhos do território estrangeiro não foi autorizada pelos pais; do outro: a lei brasileira: que garante o direito à guarda dos filhos menores por seus familiares próximos, na ausência de seus pais biológicos.

O quiprocó jurídico do caso do menino Sean foi todo resolvido fazendo-se uma mera ponderação entre normas, discutindo se cabia o Direito Internacional Público (porque o Brasil assinou um tratado) ou o Direito Internacional Privado(cuidando dos interesses do estrangeiro em solo nacional), descuidando-se dos princípios que deveriam nortear o caso, e que devem, obrigatoriamente serem invocados, conforme a própria previsão constitucional. No velho conflito entre regras e princípios, deverão prevalecer os princípios, segundo afirma o jurista norte-americano Ronald Dworkin ( o mesmo da terra de David Goldman), e nesse caso, a pergunta que faço é a seguinte: será que o princípio da dignidade humana enxertado no artigo 227 da Constituição foi seguido, quanto ao caso envolvendo o menino Sean? Pra facilitar, eu faço uma pergunta mais simples: será que o menino teve o direito de ser ouvido?

Enquanto que nessa fuzarca processual toda o garoto foi disputado como um troféu, aos olhos das mídias brasileira e norte-americana, ninguém se preocupou, fora os advogados do padrasto de Sean, em ouvir a criança em juízo, para que esta dissesse, afinal, com quem queria ficar e para onde queria ir. E o pior, a meu ver, o artigo 227 foi constantemente violado. Senão, vejamos por uma análise rápida do dispositivo constitucional. Em primeiro lugar: se garantiu a dignidade o respeito ao garoto com tanta exposição midiática de um problema que começou lá nos Estados Unidos, mas repercutiu no Brasil, com o pai de Sean e a família da finada mãe dele ocupando maciçamente grandes espaços nos meios de comunicação, numa "lavagem de roupa suja" familiara que ganhou destaque da CNN até o Notícias Populares, transformando o menino em estrela involuntária do dia para a noite? Segundo: foi garantida a liberdade, o direito à convivência familiar e comunitária, se o menino (não obstante a existência de seu pai biológico) não teve assegurada a liberdade de ficar onde quer, com quem quer, visto que, comprovadamente, o moleque prefere a companhia dos avós maternos, do padrasto, da irmã pequena, e dos amigos de escola e de bairro, uma vez que perdeu sua mãe; e essas pessoas foram a que estiveram mais próximas e lhe deram suporte num momento mais complicado e sensível de dor? Tá! Alguns podem me dizer que o menino não pode optar em nada, e que, na verdade, o depoimento de uma criança em juízo é comprovadamente inválido, uma vez que uma criança pode muito bem ser facilmente influenciada a dizer aquilo que os adultos querem que ela diga. Quer dizer que criança não tem sentimento, criança não tem livre-arbítrio, criança não pode falar de seus sentimentos, e isso não pode ser levado em conta em juízo?

Ou eu penso muito torto das ideias (vai ver é isso), querendo, de jeito megalomaníaco, revolucionar o direito brasileiro, ou então tem um pingo de racionalidade meus argumentos aqui apresentados neste blog, e fico muito satisfeito, ao menos, de ouvir a opinião de quem quer seja, mesmo que seja pra meter o pau em tudo o que eu disse. Isso sim é salutar! Só peço que não me façam engulir argumentos prosaicos, sem um mínimo embasamento jurídico, filosófico, sociológico ou psicológico que derrube tudo o que escrevi. Não sou dono da verdade, mas também tenho direito (assim como acho que Sean tem) de dizer o que pensa e o que sente. Pra mim, até que se prove em contrário, Sean é brasileiro, e como um jovem brasileiro ele deveria ter o direito de opinar sobre uma questão difícil que irá repercutir por toda sua vida. Porque parece que nós, adultos, somos tão insensíveis, porque não conseguimos ouvir o outro, sobretudo quando ele é mais frágil ou jovem do que nós. Respeitemos as crianças, ora essa!


Que David fizesse o eterno sacrifício de pai e viesse morar no Brasil, ao menos para se ambientar com o filho durante alguns meses, para depois decidir voltar para os EUA. Que ambas as famílias se entendessem, no sentido de purgar mágoas passadas em prol da criança, evitando seu sofrimento, partindo para uma real conciliação (já que estamos no Natal), no sentido não de romper; mas, sim, ao contrário, de restabelecer pontes, para que a cota de responsabilidade de cada um fosse compartilhada, para que o menino não deixasse ou não percebesse que estava perdendo seus vínculos, mas, ao contrário, preservando-os, construindo nesse mundo globalizado um verdadeiro ethos de cidadão do mundo, nem brasileiro, nem americano, mas tão e simplesmente humano, sábio no reconhecimento das diferenças entre nações, mas também na construção de identidades compartilhadas entre povos. Sem querer bancar o nacionalista, fico pensando: será que com tudo que viveu nos últimos anos, seria possível para David Goldman ver o Brasil não apenas como um lugar desagradável, de corredores de aeroportos, consulados e tribunais, mas sim como a terra onde seu filho desenvolveu amor? Será possível renunciarmos ao nosso próprio sentimento de homem ferido, deixado pela mulher, e em prol do amor para um terceiro, nosso próprio filho, não poderíamos renunciar a nossa própria felicidade, para vermos nosso ente querido feliz?

Entendam, não estou aqui fazendo uma defesa apaixonada da família Bianchi ou do padrasto de Sean, adversários processuais de Sean Goldman, mas sim fazendo uma apologia do bom senso, que muito falta nas partes envolvidas em pendengas judiciais de direito de família. Já fui advogado nesse ramo e sei como uma boa conversa ou atendimento psicológico é bem melhor do que simplesmente colocar o ex-marido ou a ex-mulher na Justiça. Somos seres litigantes por natureza, mas também temos capacidade de conciliar, até porque isso faz parte da estrutura do próprio direito, e não me venham aqui com argumentos positivistas. Como disse, meu papo é de princípios, e não de regras fechadas, mesmo que, luhmannianamente falando, o sistema do direito seja fechado. Entendo que vai ser uma barra para o Sean ter que sustentar toda essa mudança de vida, que a Justiça brasileira agora fez o favor de começar, sobretudo nos primeiros meses, mas oro por seu bem-estar, assim como de qualquer criança ou adolescente que viva situação semelhante. Mudança é fogo, e nunca estamos cem por cento prontos pra elas, principalmente quando elas não são fruto de nossas escolhas. Será que quando crescer Sean vai virar escritor? Um grande abraço a todos os leitores do blog!

2 comentários:

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