quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

AMÉRICA LATINA:Eleições: E dá-lhe Mujica!!

A cada ano e a cada escândalo no cenário político nacional, muitos se apressam em dizer que desacreditam da política, que é tudo "farinha no mesmo saco", que os nossos representantes no poder público são todos uns corruptos e que não vota nunca mais, por causa disso e daquilo, e bla,bla,bla,bla. Ora, quando ocorreu a primeira versão do "mensalão" ainda no primeira gestão do governo Lula, admito que ficou superdecepcionado com o PT e com a política em geral, mas logo minha decepção foi dissipada pelos números. É muito bom sim em termos de justiça social termos um governo de esquerda. E, parodiando meus amigos anarquistas: Se hay gobierno, si popular de esquierda: a favor, si de derecha: soy contra!


Sou assumidamente parcial e esquerdista em matéria de política, mas muito longe das bitolações marxóides ou stalinistas. Ser de esquerda, já dizia finado Norberto Bobbio, pode ter um significado totalmente diferente na América Latina, na Europa ou nos Estados Unidos. Lá, por exemplo, na terra dos yankes, Obama é considerado de esquerda! E aqui, por mais que digam que o governo Lula deu uma guinada em direção ao centro-direita, com o apoio do PMDB, não podemos nos esquecer da matriz ideológica que pariu todo esse povo. Para ódio dos neoliberais, para aborrecimento da redação da Veja, para acinte aos tucanos ("sociais-democratas" de araque), e para a lástima da corja conservadora dos Democratas: Sou de esquerda sim, com muito orgulho, sim senhor!

Ser de esquerda significa ser comprometido com bandeiras que não passam só pela igualdade social, pela distribuição de renda, num governo mais sensível às reivindicações populares e menos pragmático no aspecto econômico. Ser de esquerda significa estar aberto sempre a processos de transformação social, a aceitar ( e até defender) a quebra de paradigmas (dentro da própria esquerda), com vistas à construção de um futuro dialético onde as contradições de hoje podem ser a solução de amanhã (olha o Hegel aí aparecendo no meu papo!). Ser de esquerda pode ser tanto defender o perdão da dívida dos países mais pobres para os mais ricos, saúde e educação pública pra todo mundo, fim das privatizações, como também defender o naturismo nas praias do nordeste brasileiro, a liberação da mulher com o fim do patriarcalismo e do machismo dominante, reconhecer o aborto nos casos indicados em lei, garantir os direitos civis dos homossexuais, combater o racismo e toda forma de discriminação, e, sobretudo, aceitar as formas mais diferenciadas de liberdade de expressão e associação.
E como homem de esquerda, saúdo com mucho gusto a eleição de José "Pepe" Mujica para a presidência do Uruguai, sucedendo o presidente que o apoiou, Tabaré Vasquez. Para quem não sabe, Mujica é o primeiro ex-guerrilheiro eleito presidente na história da América Latina, e para quem recentemente viu as duas películas que tratavam da vida de Che Guevara ( com o excelente Benicio del Toro), não deixa de ser motivo de comemoração ver que, após um Che ter sido morto covardemente nas florestas da Bolívia, e um Salvador Allende ter sido tirado morto do Palácio de La Moneda, num sangrento golpe no Chile, ainda é possível constatar que a democracia, pois mais imperfeita que seja, ainda é o melhor regime político do planeta, pois, às vezes, pelo menos às vezes, a esquerda sabe transmitir o seu recado e o povo consagra nas urnas, aquele que foi o melhor.

O novo presidente do Uruguai é um senhor idoso e narigudo, de 75 anos, cabelos e bigodes brancos, barriga saliente, filho de agricultores, que cultiva hábitos modestos, como viver numa chácara fora da cidade, plantar flores, guardar um Fusca na garagem e passear pela rua com seu animal de estimação:uma cadelinha velha que não tem uma perna. Porém, por baixo da fachada desse simpático "tiozinho" de campanha de cerveja, está um homem que já foi crivado de balas pelos militares, nos sangrentos anos de ditadura uruguaia, nos anos setenta. Participou de assaltos a bancos, sequestros, empunhou e disparou balas de metralhadora contra soldados, foi torturado e passou 12 anos na cadeia, como inimigo de Estado. Mujica foi dos Tupamaros, um dos mais violentos, ruidosos e eficientes grupos guerrilheiros do século passado, de orientação maoísta. Na verdade, Mujica ainda é tupamaro, uma vez que após ter sido dissolvida a guerrilha, seus remanescentes foram aceitos pela democracia e passaram a se organizar como partido político, integrando a Frente Ampla de esquerda que acabou por eleger seu antecessor, Tabaré Vasquez, um simpático advogado social-democrata, como o primeiro representante popular de esquerda a ser eleito presidente, num Uruguai dominado há mais de 100 anos por dois partidos oligárquicos rivais: os blancos e os colorados.

Como se sabe, o Uruguai é uma pequena margem de terra, localizada ao sul do Brasil, na fronteira com o Rio Grande do Sul. Um pampa, com apenas três milhões e meio de pessoas no país inteiro, sendo que a maior parte da população (mais de um milhão) está concentrada na capital em Montevidéu. Passando por sucessivas dominações portuguesas e espanholas (chegou a fazer parte do Brasil após a Independência de Portugal, como a antiga província da Cisplatina), ao se tornar, enfim, uma nação independente, em 1828, o Uruguai tornou-se um país precário, com uma tímida indústria, uma economia quase inteiramente agrário-exportadora e uma das maiores linhas de pobreza do continente, uma vez que o salário mínimo na região é incapaz sequer de arcar com as despesas com alimentação. O Uruguai é um país de desvalidos, a maior parte de ascendência indígena e europeia, que rodeia Montevideú, em busca de subempregos ou então, de trabalhar no verão, no comércio e do turismo de magnatas, que frequentam as badaladas praias de Punta del Este. Durante praticamente toda a sua história política, o país foi governado pelas elites locais, reunidas em torno de projetos oligárquicos e latifundiários, dependentes do capital externo e submissos ao imperalismo ianque. Nascia o Partido Blanco e o Partido Colorado, que, mediante esquemas de poder, revezam-se no parlamento e na presidência do país, quase que como uma cópia rudimentar da antiga "república do café com leite", que se viveu no Brasil nas primeiras décadas do século XX, quando o poder político se revezava entre as oligarquais cafeeiras paulistas e mineiras, sem muitas alternâncias de interesses aristocráticos de uma minoria privilegiada.

É nesse contexto que durante os anos 60, com a efervescência política no mundo inteiro, com o êxito de Fidel Castro na Revolução Cubana, a guerra do Vietnam, a Primavera de Praga e as mobilizações estudantis na europa, que surgiram os Tupamaros, além de dezenas de grupos de esquerda. Extremamente radicais, os Tupamaros defendiam a luta armada como forma de chegar ao socialismo, e suas práticas traduziam-se em assaltos a banco, sequestros e tráfico de armas. Funcionando como uma espécie de Robin Hood platino, o grupo costuma distribuir dinheiro entre os pobres, como forma de conseguir adesão para sua causa. Não demorou para que o governo autoritário agisse, mobilizando uma sangrenta reação do exército, que passou a cassar como animais os militantes de esquerda. Foi nos anos setenta que se tornou famosa a "Operação Condor", uma aliança político-militar dos governos ditatorias da Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai e Chile, no sentido de combater a subversão promovida pelos grupos clandestinos de esquerda. Chegou-se aos "anos de chumbo", uma "era das trevas" na política latino-americana, onde torturas, assassinatos, atentados, prisões e todo o tipo de repressão, típica dos regimes de exceção, rasgou as constituições democráticas e cuspiu nos direitos humanos, com um movimento revolucionário cada vez mais radicalizado.

Eis que com o retorno da democracia em 1985, os tupamaros foram lentamente saindo das sombras, para então se reorganizar na vida pública enquanto partido político. A vitória eleitoral de Tabaré Vasquez em 2004, pela Frente Ampla, contando com o apoio dos tupamaros, encerrou de vez mais de um século de domínio olígárquico blanco e colorado, estabelecendo uma nítida separação no país entre conservadores e socialistas. José Mujica e Nora Castro, como líderes do movimento, acabaram tornando-se, respectivamente, parlamentares líderes das duas casas do congresso, e o primeiro, por fim, tornou-se Ministro da Agropecuária e da Pesca na gestão de Vasquez, até ser eleito presidente.

Apesar de integrante da Frente Ampla, é notório o posicionamento mais à esquerda do presidente eleito em relação a seu antecessor, que deixa o cargo com mais de 70% de aprovação popular. Mas também é claro para as elites, que a eleição de Mujica não representará uma alteração muito grande nos rumos da política uruguaia, tendo em vista os inéditos indíces de progresso social e econômico promovido no governo de Tabaré Vasquez. A esquerda de origem revolucionária que chega ao poder encontra-se tão preenchida pelo pragmatismo, que Mujica prefere se comparar ao nosso presidente Lula, no Brasil, do que aproximar-se das posturas radicais, belicosas e fanfarronas de Hugo Chavez, na Venezuela. Os problemas maiores dos uruguaios hoje não são o da luta de classes, para espanto dos marxistas, mas sim questões que aguçam mais o nacionalismo, tendo em vista as constantes disputas econômicas e regionais por fábricas de papel e celulose com seus desafetos argentinos. Além disso, a recente inclusão da seleção uruguaia na Copa do Mundo, no apagar das luzes, na repescagem das eliminatórias da competição, também serviu de alento para um povo que adora dormir e acordar mais tarde, alimenta-se de churrasco e chimarrão, e no rígido inverno platense sonha em curtir as praias do Rio de Janeiro.

Apesar de não acreditar em mudanças mirabolantes, comemoro a eleição de Mujica e lamento não ter podido participar da festa dos hermanos. De qualquer forma, faço aqui meu grito de guerra, como bom militante de esquerda, transcrevendo as palavras finais do discurso emocionado, feito pelo escritor Eduardo Galeano (As Veias Abertas da América Latina), no comício de encerramento da campanha de Mujica: "Caminhantes da justiça,portadores do fogo sagrado: Abracadabra, companheiros!"

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