"A verdade é que hoje, as minhas memórias dessas cartas de amor é que são ridículas", disse Pessoa, escrevendo como um de seus heterônomos, Álvaro de Campos.Concordo, só mesmo as memórias das coisas passadas que não são mais vividas, mas se tornam presentes porque querem ser vividas expõe o ridículo de nossas lembranças. Uns, ao invés de andar para a frente, pensam e agem como caranguejos, como diz o adágio popular (mas será que esses crustáceos não andam de lado?), e já há um certo tempo deixei a carpideira que havia dentro de mim e cedi lugar a um chato pragmático. Chato por talvez não ser tão aberto quanto outrora eu fui (já que confundi abertura com ingenuidade), mas pragmático por adotar uma certa objetividade nas minhas relações, que por vezes fazem confundir amor com sexo. E sobre esse assunto, contrariando Pessoa, Schopenhauer vai ser bem mais "carne", bem mais biológico, bem mais simplista em relação ao tumultuado tema da sexualidade associada ao amor; ou tão e simplesmente, dos filósofos, vai ser um cara que não complica tanto as coisas, ora bolas!!
Eis que aparece Artur Schopenhauer do alto de seu niilismo e vem chutar o pau da barraca dos apaixonados. O negócio é a perpetuação da espécie! Schopenhauer não acredita no amor, ao menos no amor que acreditamos, amor cristão segundo ele, um amor romântico de sacrificio, renúncia ou perda. Amor para Schopenhauer era relação de posse, a posse necessária para se garantir a "vontade de vida", pois ninguém consegue viver só consigo próprio e sempre deseja (inconscientemente) perpetuar-se através do outro. Agora, para se amar precisa-se do sexo, e para Schopenhauer era o amor que conduzia ao sexo, e o sexo à preservação da natureza. O amor é apenas uma artimanha, um instrumento, uma armadilha para se pegar o ser desejado e com isso consumi-lo pelo sexo, pela extração do desejo. Por isso que tantos homens, movidos à inconstância, ao levar para a cama as mulheres, após possuí-las, procuram outras mulheres, pois seu desejo com uma delas já se consumou. Bastante sexista a filosofia de Schopenhauer, mas não poderia ser diferente no século XIX.
Enquanto os dândis românticos exortavam o amor, como Milton, Byron, Shelley, elencando as virtudes de se desejar e amar o que não se pode ser alcançado, o que não pode ser vivido, Schopenhauer se ria deles e professava o caminho contrário. Ele extraiu da metafísica uma realidade que não era apreendida nem pelos sentidos e nem pelo intelecto, que é essa tal "vontade de viver". A vontade de viver estaria relacionada ao sexo. Seria o sexo que moveria os homens a viver numa fome irracional de vida, que se realizaria com a perpetuação da espécie. As pessoas são manipuladas pela sua própria natureza, desejam, cedem aos seus impulsos, buscam, procuram, angustiam-se até que seu desejo sexual se realize, o ápice do orgasmo exiba o triunfo sexual do amante, que diz: agora está feito, agora estou vivo, vivo novamente!! Podem baixar as cortinas até o próximo ato!!
Os críticos de Schopenhauer dizem que sua perspectiva filosófica do amor é altamente reducionista. Pô, bota reducionista nisso! Mas desse reducionismo não está livre a sociedade moderna, na cultura das "ficações" ou nos chamados "relacionamentos de bolso", a que se referiu Zigmunt Baumman, no livro Amor Líquido(também pra esse teórico tudo é "líquido", haja liquidez!). Mas não deixa de ter sentido a ética (?) sexual schopenhauriana quando trata do amor. É isso que vivem milhões, e quiçá zilhões de seres sexuados, homens e mulheres que perambulam por aí nas nights excitantes da Cidade Baixa em Porto Alegre, na rotina dos barzinhos da Vila Madalena em São Paulo, nas ruas molhadas de cerveja do Recife Antigo ou pelas choperias e botecos da Lapa, no Rio de Janeiro. Pessoas que procuram o óbvio na sua sua vontade de viver, bem ao gosto do filósofo alemão: uma noite e nada mais, pode até ser!
Confesso que como ser que faz parte desta modernidade já me vi compelido (quando não convocado) pela minha própria estrutura social a corresponder bem aos estereótipos traçados para o homem e para a mulher sexuados, segundo a obra de Schopenhauer. Todos aqueles em idade adulta, e minimamente saudáveis, física e psiquicamente, já experimentaram isso: a ilusão do amor no beijo dado em qualquer um (ou uma) no meio da noite e depois os "finalmentes" em algum leito de motel ( no carro, ou num poste mesmo). Lembro Schopenhauer, na Metafísica do Amor:“ O propósito último do amor não é experienciar o êxtase de possuir o amado e entrar numa espécie de estado romântico de bem-aventurança. Os amantes, a nível da consciência, podem pensar que estão a ser altruístas, devotando-se reciprocamente, mas o que está realmente a dirigi-los para os braços um do outro é a Vontade de Viver cujo intento é preservar a espécie através da procriação.”
Ou seja, segundo esse rapaz da antiga Pomerânia, a finalidade última de nossas empreitadas amorosas é SEXO, meus amigos! S-E-X-O!! Ok! Se eu fosse Schopenhauer (ainda bem que não sou) eu poderia dizer: não me vem com esse papinho de amor eterno, de cara-metade, do eu te amo, quando na verdade o que eu pude obter de ti eu já tive: o teu corpo, a tua expressão máxima de vida, a canalização de toda a tua energia, através do teu órgão sexual. O problema da filosofia de Schopenhauer em seu reducionismo sexista é o alto grau de biologismo, já que, voltando-se contra o romantismo e as metafísicas concepções sobre o amor herdadas da religiosidade escolástica, Schopenhauer irá se valer de um pragmatismo que beira o estupro.
Diferente de Nietzche, que, dizem, não entendia muito do assunto, em vida, Schopenhauer foi um mulherengo contumaz. Teve várias mulheres, mas não casou com nenhuma delas.O problema dele com o amor é detectado em sua biografia, pois das mulheres que teve, houve uma em especial, Caroline Medon, por quem ele se apaixonou. O relacionamento não durou muito e o filósofo carregou para a vida (e para a cama) outras amantes, não tendo destino diferente: o final dos relacionamentos. Fico me perguntando se esse não é o mal dos filósofos, o mal dos pensadores, mas quando me lembro de um Machado de Assis, velho, sem filhos, que construiu toda sua vida e morreu dignamente após as saudades de sua amada Carolina, fico me perguntando se, na verdade, alguns nunca aprenderam a amar como Schopenhauer, para poder escrever da melhor forma sobre o amor. Diferentemente do que se pensa inicialmente nessas linhas, Schopenhauer não irá considerar o amor um assunto banal, tanto que escreveu várias obras a respeito, sendo considerado, a meu ver, depois de Platão, um dos "filósofos do amor".O problema não está no caráter ácido e pessimista da filosofia de Schopenhauer quanto ao amor, mas sim como algumas de suas teses tem validade, como já disse, num mundo desenfreado de corpos sexuados, que procuram, na verdade, a ilusão do amor em cada beijo em estranhos, em cada saída furtiva (e falo disso colocando-me no mesmo lugar como uma dessas pessoas). Já passei por dois relacionamentos amorosos significativos, e, em ambos, vivi a dimensão do amor (ou da tentativa dele) associado a uma questão fundamental a toda relação: a sexualidade. Não irei aqui dar nome aos bois nem dizer com quem eu me senti melhor, mas o que pude experimentar foi válido, naturalmente, como todo ritual de passagem onde um homem torna-se, efetivamente, "homem", dentro da construção social do macho viril e reprodutor. O que me irrita é que em algumas situações que nos deparamos nos sentimos resumidos à condição de escravo sexual, de ser apenas um brinquedo, ou o integrante de uma "brincadeira", como se também não pudesse eu brincar com o ser amado tão e simplesmente colhendo flores no regato.
Para a visão sexista de Schopenhauer, escritores como Pessoa seriam o que simplesmente são: poetas, cantadores de ilusões sobre a ilusão maior do amor pregada por deuses anônimos. A paixão ou o afeto não tem a menor validade se não foram vistas sob a ótica do desejo da carne, tão óbvio na filosofia nihilista de Schopenhauer, sobretudo onde, dizer algo ao contrário pode ser taxado de moralismo, recalque sexual, coisa de mal resolvido, ou, simplesmente, boiolagem! Schopenhauer talvez tenha carregado a frustração até o final da vida de não ter mais possuido e permanecido com a mulher por quem se apaixonou, e daí, ele sim, virou um recalcado. Carregou consigo para a tumba o ressentimento, a inveja corroída pela mágoa de desejar algo ou alguém que talvez já estivesse nos braços de outro. Ora, isso já aconteceu comigo, amigo(a), acontece com todo mundo, mas o verdadeiro apaixonado é o que não coloca a máscara da negação de seu próprio estado, não justifica ou reduz a atração de dois corpos a uma mera cópula, como se ali houvesse apenas dois animais irracionais, ao puro sabor de seus instintos. Sexo é bom pra caramba, certamente, e disso não tive do que reclamar. Posso garantir que, felizmente, tive experiências boas nessa área, com direito a banda de música no final. Exercitei bem minha "vontade de vida", como diria Schopenhauer, mas nem por isso saio por aí resumindo as uniões entre pessoas como mera "rapidinha", como uma trepada de uma ou duas horas e depois: "tchau, me telefona!". Pô, as coisas não são bem assim companheiro(a). Menos!
O que acontece na verdade é que, talvez, depois de muito mal e porcamente ter tentado assumir um papel social destinado pela cultura patriarcal ao meu gênero, de ter brincado de ser o "pegador" ou o lobo da estepe, percebi que existe algo mais de ser buscado do que tão somente encontrar alguém por aí para trepar, e talvez, para alguns, eu esteja realmente surtando, dizendo que prefiro meu celibato autoinfligido, do que sair por aí bancando o Don Juan (que não sou!),aderindo às cafajestagens tipicas de nossa sensualidade latina. Repito: não estou aqui bancando o moralista e nem tentando me apresentar como bom moço. Não sou santo! Não sou um poço de bondade! Não sou uma pura Justine de um conto do Marquês de Sade!Não sou um "ursinho carinhoso"!Não sou o Papai Smurf! Tenho meus defeitos como tudo mundo e quando quero, posso ser bem escroto!!Perdoem o linguajar, é pela emoção da escrita!Apenas o que reivindico é uma nova condição que agora me acomete nos meus quase quarenta anos de vida, que é ter um pouco de qualidade nas minhas relações, novas possibilidades de exercitar (e por que não, idealizar o meu amor).
Creio que, contrariamente ao que defende Schopenhauer, eu esteja me aproximando dos dândis que ele tanto criticava! É, talvez eu esteja ficando dândi, preferindo maldizer do amor, como quem sofre a perda de algo que lhe é fundamental como um braço ou uma perna, preferindo a poesia de Baudelaire, do que bancar o Romário e ir num baile funk cheio de popozudas, como um açougueiro que vai até o abatedouro. Tá certo, para os engraçadinhos podem me chamar de viado ou de que estou ficando emo. Mas, de fato, meu saco encheu!! Na falta de alguém interessante(mas, realmente, muiiitooo interessante), que mexa não apenas com meus testículos, mas também com meus sentimentos, que eu fique em casa mesmo e vá para o banheiro com uma revista Playboy!
"A solidão é a sorte de todos os espíritos excepcionais". Tá certo, Schopenhauer!. É, talvez eu prefira mesmo a solidão do que me ver perdido em roubadas sentimentais, onde posso sair chamuscado por magoar algúem ou ser magoado. "Então tá combinado, é tudo somente brincadeira, sexo e amizade!". Ah, tá! Diga isso pro nosso coração, que nem sempre bate de acordo com o que nosso cérebro pensa. O grande problema é que nós, homens sensíveis, somos umas "bestas éticas"! Enquanto isso, o som corre solto na boate e mais e mais pessoas se pegam, tirando uma casquinha aqui, uma casquinha acolá, e bummm, cama! Que bom, divirtam-se!!Quanto a mim, após o boteco tem o banheiro, e a minha revista Playboy!
Enquanto não aparece a minha Carolina, colhendo flores no regato....
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