sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

TRAGÉDIA(Parte II): "Pense no Haiti, reze pelo Haiti, o Haiti é aqui!"

O Haiti não existe. O Haiti é um pesadelo estabelecido de um algum conto de ficção científica de H. G. Wells ou a la Terminator, onde encontramos uma civilização arrasada, animalizada, diante de tanta miséria e destruição. Talvez muitos gostariam de dizer isso, como um anestésico para a consciência, um Tylenol para aliviar a enxaqueca de pensar numa coisa tão tétrica quanto um país arrasado,  mas não é assim!

Ilhas deveriam ser paradisíacas, com direito a belas praias, belas garotas (uh-la-la), um mojito tomado debaixo de um guarda-sol e com sorridentes garçons servindo todo tipo de iguaria do mar que você imagina, como ocorre em muitos locais do litoral nordestino. Até Cuba, apesar do regime fechado de Fidel e a crise de praticamente tudo por lá, ainda mantém seu charme. Mas quem olha pelo Haiti?


Quem é que vai dar crédito a um país que se tornou independente ainda no começo do século XIX, num caso único na história de uma rebelião bem-sucedida de escravos rebeldes, que fundaram (ou tentaram fundar) uma república de negros, em plena América branca, colonizada pelo conquistador europeu e com seus padrões de uma típica sociedade "civilizada"? Quem é que vai dar crédito a um país em que dos 20 governantes que teve, 16 foram depostos ou assassinados? Que tem um PIB miserável e um dos piores IDHs do planeta?  Quem é que vai se incomodar com um país em que a população se acotovela, quando não se espanca, em tumultos produzidos em filas de comida, pela mais absoluta falta de remédios e alimentos? O Haiti é um país de negros, pobres e miseráveis que mais parece um país africano incrustrado no oceano, no meio da América Central, um acidente de natureza, um equívoco histórico, uma Bahia,  sem  trio elétrico, Caetano e Antonio Carlos Magalhães!!

Agora as atenções do mundo se voltam para esse pequeno e miserável país, agora vitimado por um intenso terremoto. Como miséria pouca é bobagem, além de todos os problemas de infraestrutura que assolam a ilha, com simplesmente a falta de tudo, e a completa desorganização social com gangues de mortos de fome, agora o país foi sacudido com um terremoto de mais de 7 graus da Escala Richter(ou seja, um tremor dos diabos, literalmente o fim do mundo). Nem precisa dizer da contagem de milhares de corpos que amanheceram no dia seguinte em Porto Princípe, e a morte de ao menos 17 soldados brasileiros, além da perda da ativista social Zilda Arns, da Pastoral da Criança, uma doce velhinha, irmã do arcebispo de São Paulo, que chegou a concorrer ao prémio Nobel da Paz.

É, é uma merda mesmo o que aconteceu!!!! Fico imaginando além da perda de dona Zilda (que Deus a tenha), as centenas de missionários e profissionais de diversas nacionalidades, que, de boa vontade e espírito humanista ou por motivos religiosos, foram até essa pequena ilha das Caraíbas socorrer um povo tão sofrido, e que agora intensificou nos altos-falantes seu choro e seu lamento, em mais uma das desastrosas experiências pelas quais passou o povo haitiano. É de trincar o coração do mais duro dos caminhoneiros ver aqueles milhares de corpos serem carregados pra dentro de escavadeiras, como se fossem carcaças de animais atropelados em função da total falta de tempo de enterrar entes queridos. O Haiti agora é a cena do inferno, é a cena do colapso, e para um cético ou nihillista é tão somente a dura realidade do óbvio do absurdo humano. O Haiti parece uma experiência humana que não deu certo, que até Deus (para alguns, como um castigo) quer confirmar e riscar do mapa. Pra quem duvida disso é só ver a desastrosa declaração do cônsul brasileiro no Haiti, flagrado pelas câmeras quando achava que seu microfone estava desligado, após uma entrevista, chocando (ou não) o país inteiro ao dizer que a desgraça haitiana era fruto de tantos anos de macumba. É, pra aqueles pretos macumbeiros e preguiçosos (como pensam alguns) agora veio o castigo do Além. Só mesmo a teologia ou versões apocalíptico-bíblicas para explicar o desastre haitiano. A bola da vez é com vocês, meus amigos crentes pentecostais!!!!

Quando eu era criança já ouvia, na crença popular, falar do Haiti como uma coisa barra-pesada. Era a terra dos temidos tonton macoutes, a sanguinária guarda pessoal do ditador Jean-Claude (baby doc) Duvallier, um negão adepto da magia negra, que recebia o apoio implícito dos Estados Unidos. Sabia que os caras por exemplo, costumavam eliminar os opositores do regime a golpes de machete, o que por si só me dava arrepios.O Haiti só respirou uma pequena brisa de normalidade institucional quando um ex-padre, militante de esquerda, chamado Jean Bertrand Aristide, com apoio internacional tornou-se presidente, e tentou reconstruir um país destruído pela miséria, pela corrupção e pelo totalitarismo de governos anteriores. Parecia uma era promissora, mas que logo caiu como todo fruto podre, que para um país de adeptos do vodu foi mais resultado de alguma forte mandinga.

O terremoto dessa semana que arrasou com o país, e com a consciência de milhares de pessoas, como eu, é uma prova irrefutável desse descrédito, pois até a natureza, segundo alguns, está castigando aquela pobre terra de miseráveis. Para as pessoas que pensam assim, sobrou até para os brasileiros, principalmente nossos militares, a serviço da ONU, já que o Brasil foi a nação que levou o maior contingente de seus soldados até a ilha haitiana, tentando o (im) possível de reorganizar o caos, o "samba de crioulo doido" que virou a nação haitiana. Imagine as famílias desses militares lamentando copiosamente o fato de seus familiares terem entrado nessa "roubada" institucional. Eu mesmo tenho aluno do exército, que já foi a serviço ao Haiti e contou-me da inutilidade de um exército conter o que não pode ser contido, já que a população esfomeada se animalizou tanto, que já está perdendo qualquer referencial social de normalidade.

Parece que também somo ao coro dos céticos ao retratar neste blog esta tragédia. Talvez eu esteja até mesmo sendo muito trágico ao carregar nas tintas a minha desilusão. Mas ao mesmo tempo em que me desiludo, também tenho esperança, pois é a esperança daqueles que sobreviveram, que passaram dias por debaixo de escombros, suspirando por vida debaixo de uma laje, bebendo água da chuva ou respirando por frestas de parede, enquanto esperavam a ajuda que por pouco nunca veio. É em nome dessas pessoas que conseguem sobreviver a intempéries, que conseguem voltar pra contar a estória, é que sigo ainda com esperanças (apesar de tudo) no gênero humano. É nesse ponto que o Haiti deixa de ser para mim um pontinho a ser riscado no mapa, e começa a me parecer um enigma, um assombro, um mistério a ser resolvido, pois, ao invés de simplesmente afundar a ilha, o terremoto que houve apenas sacudiu as estruturas de uma sociedade que já se encontrava demolida. Será que não foi um recado divino? Será que apesar de toda a tragédia, não era hora de reconstruir, de operar a verdadeira reconstrução? Não sei! O que sei é que agora, pela primeira vez na história, diversos países poderosos ou emergentes se uniram (ao menos no papel e nos carregamentos iniciais de grana e comida) para reconstruir um país arrasado.

O ser humano é capaz de realizar milagres. Ele mesmo é um milagre, e nesse sentido, oro e peço muito para que seja verdade e realmente Deus exista, e mobilize os homens a fim de que se abracem em benção para o povo haitiano. Minha vontade sincera era de estar lá, e não estou aqui sendo demagógico, para quem me conhece, mas sinto que talvez minhas palavras, se forem lidas ou escutadas por alguém de lá, sirvam ao menos de estímulo para continuar. SOBREVIVER APESAR DE TUDO, LUTAR ATÉ PERECER, VIVER, MESMO QUE CONTRA TODAS AS EXPECTATIVAS! É minha mensagem para o povo haitiano e para todas aquelas pessoas de coragem que partiram para lá para ajudar a quem precisa ( e lá, tenha certeza, todos precisam).Que façam uma boa viagem e que Deus os abençoe!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Coloque aqui seu comentário:

Gates e Jobs

Gates e Jobs
Os dois top guns da informática num papo para o cafézinho

GAZA

GAZA
Até quando teremos que ver isso?