sábado, 2 de janeiro de 2010

TRAGÉDIA EM ANGRA: O ano começou mal no Rio de Janeiro.

O tempo literalmente caiu com ares apocalípticos no Rio de Janeiro. Desta vez, não foram os tiroteios, os mortos com balas perdidas, a incompetência ou corrupção policial, o narcotráfico ou os conflitos cotidianos nos morros cariocas, tão conhecidos de quem acompanha a mídia de nosso Brasil varonil. O problema do Rio agora foram as chuvas!

Como vítimas de um furacão Katrina, os assustados habitantes de Angra dos Reis, presenciaram bestificados uma avalanche de granito, barro e cascalho que desabou por quilômetros, em 18 pontos da região, invadindo terrenos, soterrando casas e matando 30 pessoas em Angra e 51 no estado, segundo o jornal O Globo. Foi de fato um começo do ano triste e desanimador observar a tragédia da perda desnecessária de vidas humanas, sobretudo num ano que, ironicamente, a "cidade maravilhosa" teve direito a um dos melhores reveillons da década, com o término das fortes chuvas do dia anterior à virada do ano, mas que, em consequência, fez com que os ventos fortes se dirigissem até Angra dos Reis, provocando um estrago digno dos melhores filmes do cinema-catástrofe.

Pode-se botar a culpa em São Pedro, no El Niño, no aquecimento global ou no Al Gore, por não ter avisado antes, mas, o que se revela na verdade, no caso do infortúnio carioca é mais uma vez a consequência da ação do homem, já que o fenômeno natural das erosões e dos deslizamentos de terra em período de chuvas, é mais do que o bê-a-bá de qualquer entendido em geologia, tanto que o governador Sérgio Cabral (onde estava ele durante todo esse tumulto?) já cogitou, é claro, demagogicamente, depois que a "vaca foi pro brejo" junto com os deslizamentos, criar um órgão especial de geotecnia. Ah, tá! Os formandos em geologia da UFRJ agradecem mais uma oportunidade de emprego; massssss, e as políticas de ocupação urbana?

O sociólogo Mike Davis, em seu interessante livro: "Planeta Favela", faz uma análise minuciosa no processo de favelização nas grandes cidades latino-americanas, começando pela Cidade do México até chegar ao Rio de Janeiro. Ele diz no seu livro que, se vivemos numa sociedade de riscos, o morador da favela é o que está mais exposto a todos esses riscos, que não são apenas aqueles relacionados com falta de segurança, saúde, educação, violência, mas também riscos naturais, visto que as áreas de favelização geralmente são as mais frágeis geologicamente, e estão sempre sujeitas a enchentes, incêndios ou desabamentos. O morador da favela se escapa dos tiros dos bandidos ou da polícia, acaba por ser vítima dos deslizamentos nos morros, voltando àquela macabra estimativa: pobre ou morre de fome, de tiro, ou soterrado!

Segundo Paulo Araújo, engenheiro e ex-secretário de Turismo de Angra, ouvido pelo jornal O Globo, os governos municipais tem sua quota de responsabilidade nos deslizamentos ocorridos, em virtude da ausência completa de um plano de ocupação urbana, que brecasse o processo de favelização. Durante 30 anos, ou seja, desde a instalação da usina nuclear de Angra, o desenvolvimento da indústria e do comércio, mais e mais pessoas foram ocupando a região, em busca de emprego nas fábricas, hotéis, usinas e no comércio, passando a viver em ocupações irregulares, além da construção de prédios em locais de risco, como pousadas, mansões e hotéis, tendo em vista a sensível geografia de Angra dos Reis, com várias áreas de declive e um solo instável, sujeito a desabamentos quando ocorrem chuvas fortes. Falta em Angra (como também em todo o Rio de Janeiro) uma política eficaz de habitação, que estabeleça locais prioritários para moradia, e aqueles sujeitos a risco, com intensa fiscalização, evitando-se a construção de edificações nessas áreas.

Desta vez, entretanto, a tragédia em Angra não pegou apenas moradores pobres de periferia, mas também a classe média jovem, urbana, que decide passar as férias em pousadas, localizadas em paradisíacos catálogos turísticos. Foi o que ocorreu tristemente com os hóspedes e moradores da Pousada Sankay, localizada ao pé do morro, na Ilha Grande, outrora majestosa às margens do mar, e que agora se viu soterrada por toneladas de pedra e lama, deixando no lugar um local arrasado, entre areia, lôdo e muito choro. Apesar de a maior parte dos estudantes que ocupava a pousada ter saído com vida, o saldo negativo foi o da morte de Iumi Faraci, filha dos donos da pousada, e do casal Isabel Godinho e Paulo Sarmento, além de cinco hóspedes, no hospital em estado de choque, além de outra estudante internada, com ferimentos. No twitter é possível encontrar várias postagens de pessoas próximas ao local, relatando o quão caótica ficou a situação em Angra dos Reis, após o terrível deslizamento. Para aqueles mais abonados que passam férias em Angra, o que parecia um balneário paradisíaco transformou-se na cena de um pesadelo. Até este momento em que escrevo estas linhas, provisioriamente situado na capital carioca, e próximo do impacto da tragédia, os congestionamentos de tráfego na Br-101, na altura do município de Paraty estão enormes, em virtude do desabamento de terra e da obstrução da via por toneladas e mais toneladas de barro desabado.

Triste saldo de início de ano, triste fim de vidas que só queriam viver seu cotidiano debaixo de sol ou chuva, habitantes da região, ou daqueles que foram a Angra apenas para se divertir nas férias de final de ano. Se a morte dos mais abonados na tragédia de Ilha Grande, na pousada Sankay, podem ser vistos como fatalidade, no caso dos moradores do Morro da Carioca isso é apenas a dura realidade, duma crônica mórbida que dura de ano em ano, mudando apenas o cenário. Entretanto, o resultado é o mesmo: o descaso público de sempre, e choro convulsivo dos que perdem suas casas e entes queridos como consequência. Haja saco com um começo de ano desses! Não sei o que é pior, saber da tragédia no Rio ou ver, nas primeiras horas do dia 1 de 2010 uma Sandra Annemberg noticiar só coisa ruim. Para os leitores depressivos recomendo: meia caixa de Prozac, já!!!!

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