sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

LITERATURA: Acerca da solidão, Rilke e um jovem poeta.


Sou um livólatra assumido (gostaram do neologismo?)! Ou seria melhor dizer bibliófilo?De qualquer forma vocês entenderam. Dos meus vários vícios (comer demais e fumar uma carteira de Marlboro deixaram de ser alguns deles) está o de comprar e ler livros. Digo vício porque diante de uma livraria sou como uma mulher ao ver sapatos! Enlouqueço! E apesar de já ter adotado outros ares consumistas além da leitura, sou tão viciado em livros que chego a comprá-los até em fila de supermercado, tão e simplesmente pra passar o tempo enquanto a fila anda. Sabe aquelas gôndolas giratórias que ficam aqueles livros de bolso da LPM que quase ninguém compra? Pois é, aderi também à febre dos pockets books e tenho aqui no acervo a minha coleção. Dessa vez o mais novo livro a compor minha estante (e o armário do banheiro, de vez em quando) foi Cartas a um Jovem Poeta, de Rainer Maria Rilke.


Rilke(1875-1926) é considerado até hoje o maior poeta da lingua alemã. Seria como Camões na língua portuguesa. Imagino meus amigos que torcem o nariz pro complicado e gutural idioma das terras germânicas. Tem gente que acha que a pronúncia do alemão parece latido! Já pensou milhares de lulus da pomerânia latindo e rosnando ao mesmo tempo? Perdoe-me Rosa, minha querida professora de alemão! Minha rosenrot! E todos os meus amigos germano-descendentes de São Leopoldo e Santa Cruz do Sul, mas a verdade é que alemão é complicado pra burro de se falar. Imagine então declamar poemas em alemão! Pois é, os poemas de Rilke são assim e até não traduzidos, conseguem o impossível, são lindos!

Se na prosa, Goethe foi o melhor e maior símbolo da Alemanha após a cerveja, na poesia, o cetro ainda permanece com Rilke. Que o diga Augusto de Campos, célebre poeta brasileiro e tradutor oficial da obra do poeta que nasceu em Praga, apesar de na época  ser considerado alemão (o antigo império austro-húngaro). É um dos poucos caras que, diferente de hoje,viveu de poesia. É, o rapaz nunca trabalhou, dependendo sempre de mulheres nobres que financiavam seus projetos literários. Ahh!Fala sério, seria bom demais pra mim! Ter uma mulher rica me bancando e eu poder exercitar algumas das poucas coisas que me dá prazer: escrever. Garanto que iria para a ABL!Bom, pensando bem não, né; já basta o Paulo Coelho e o Fernando Collor lá!

Mas apesar de, aparentemente, ser um "vida mansa", Rilke produziu bastante e em sua poesia pode-se perceber altos contornos existencialistas, que fizeram época e influenciaram gerações, além de ser matéria-prima para reflexões de autores já citados nesse blog, seja no pessimismo de Schopenhauer ou na revolta perante o absurdo, detectada na obra de Camus. Não sei se alguns já perceberam, mas compartilho de um certo estilo lírico de escrita, herdado por esses caras. Não sou poeta, apenas tenho alma de poeta!

Pois foi a um jovem poeta que Rilke escreveu em 1903, na aurora de um século que sequer começava, durante sua passagem em Roma. O poeta em questão tratava-se de Franz Kappus, um aspirante a poeta, sem muitas pretensões, que resolve cometer a audácia de escrever cartas para o escritor mais conhecido e respeitado da Europa, naquela época. E não é que Rilke respondeu? Nas um pouco mais de dez páginas de uma simples carta surgiu uma belíssima obra de prosa poética, com significativos contornos filosóficos, tratando de temas tão profundos da existência humana, como o amor, a solidão e a morte. Rilke não dá apenas breves conselhos ao jovem rapaz que prestava serviço militar em uma Academia em Wiener-Neurstadt, mas dá um verdadeiro testemunho de vida, testemunho de um poeta, testemunho de alguém que via o mundo e os homens não apenas como fatos, mas sim como verdadeiras entidades sagradas. Entre elegias, sonetos e oferendas, Rilke conseguia transmutar em versos os mais inexpugnáveis e notáveis sentimentos humanos. É uma verdadeira terapia ler os versos de Rilke, pois através dele é possível constatar todo um mosaico de emoções que vão do tédio ao medo.

Sobre o tédio, a solidão, a ansiedade, a impaciência com o tempo, temos por exemplo O Poeta:"Jà te despedes de mim. Hora. Teu golpe de asa é meu açoite. Só: que fazer da boca, agora? Que fazer do dia, da noite?" O lado engajado do poeta, na manifestação de revolta contra o poder, no poema O Rei: "O rei tem só dezesseis anos e já é o Estado. A sentença de morte à sua frente há longo tempo aguarda sem seu nome. Pensam: "como se tortura?" Mal sabem que ele simplesmente conta, devagar, até cem, antes de apor a assinatura". Além dos ecos de pura sensualidade e seu tributo ao encanto da beleza feminina, nos versos de A dançarina espanhola: " Como um fósforo a arder antes que cresça a flama, assim começa e se alastra ao redor, ágil e ardente, a dança em arco aos trêmulos arrancos. E logo ela, é so flama, inteiramente. Com um olhar põe fogo nos cabelos e com arte sutil dos tornozelos, incendia também os seus vestidos, de onde, serpentes doidas, a rompê-los, saltam os braços nus com estalidos". Ahhhhh! Podem não gostar! Pra mim, um verdadeiro gozo!!!

Pois foi respondendo a Kappus, com tintas sinceras, que Rilke também revelou seu lado filósofo. Sobre a solidão ele diz ao jovem poeta que desista de resistir à solidão, pois as pessoas, através de suas convenções, tendem a procurar o caminho mais fácil, quando, na verdade, temos que nos aferrar às coisas mais difíceis, pois tudo que vive se prende ao mais difícil. Viver é difícil, pois tudo que vive tem que existir a qualquer preço, vencendo os obstáculos, oferencendo resistência a tudo que queira exterminar com essa existência.Rilke escreve a Kappus dizendo que é bom ser solitário, pois a solidão é difícil! Ora, se uma coisa é difícil, aí que deve haver mais disposição para fazê-la, não nos contentamos com soluções fáceis.

Digo isso e concordo plenamente com a ideia de Rilke pois, realmente, vivi e vivo sempre com sombra da dificuldade. Seja para mudar de emprego, para conseguir me pós-graduar, para pagar minhas contas, para fazer as coisas que gosto, para amar a quem não me ama ou desejar quem não me deseja. O terreno da dificuldade nunca me pareceu arenoso demais para que ao menos eu não tentasse enfrentá-la; e, muito ao contrário, não estou aqui sendo um otimista ingênuo ou esperançoso demais, mas o que alimenta a convivência com a dificuldade é justamente o desafio. E o que seria da vida sem desafios?? Se a solidão é um desafio, que venha então, conviva comigo, torne-se difícil para mim, para que então com mais energia e disposição ainda,eu possa contemplá-la, conviver com ela, e quem sabe até vencê-la.

Sobre o amor Rilke fala o quanto o amor é bom, mas amar é difícil. Por isso que seja, então, tão bom.Rilke diz a Kappus que as pessoas jovens não podem amar, porque elas precisam ainda aprender com o amor. O coração do jovem é receoso e acelerado, tem pressa de amar, pressa de vencer a dificuldade, é justamente por isso que é necessário tempo para o aprendizado. O  tempo de aprendizado a que se refere Rilke é realmente um longo período de exclusão, pois o amor é para aquele que ama, ao longo de sua vida, um longo sentimento de solidão, isolamento profundo e intenso. O amor é uma oportunidade ímpar para o indivíduo amadurecer, porque torna-se algo, torna-se um mundo, que caberá ao mesmo tempo o ser que ama e a outra pessoa amada. Ora, isso requer um sacrifício imenso, uma exigência profunda e irrestrita para o indívíduo, e nesse sentido, concordo em gênero, número e grau com o poeta alemão.Absorção e comunhão no amor não é para os jovens, é preciso crescer, amadurecer, conviver consigo próprio e com sua solidão para conhecer o amor, ao menos o verdadeiro amor. Acho que esse é o caminho que agora estou trilhando. Espero ser um fruto que já esteja amadurecendo, antes que caia de podre e não seja mais aproveitado.

Assim como a morte, o amor é difícil, mas compartilha com ela outra característica irrefutável: é imprevisível. Rilke diz que amor e morte não funcionam como regras, não são suscetíveis de um acordo. Assim como não posso estabelecer tratativas com a morte, combinando a data e a hora exata em que tenho que partir, o amor não avisa, dizendo que a tal dia e a tal hora irás conhecer o ser amado. Isso não é conversa de cartomante. Entretanto, o amor é válido e naturalmente vem, se perseveramos e na nossa solidão estabelecemos com paciência e sabedoria o nosso aprendizado, em vez de nos perdemos no jogo frívolo das facilidades. Acerca do amor feminino, Rilke chega a ser um dos precursores do feminismo, ao afirmar que as mulheres, muitas vezes mais adaptadas às convenções sociais, também precisavam amadurecer, tornando-se seres mais humanos que os homens. A mulher que não casa, ou que na juventude não casou com o primeiro namorado não é uma perdedora como poderiam lhe imputar as vis convenções, mas sim uma mulher corajosa, humana,que à custa da dor e do sofrimento amadureceu, tornando-se melhor do que o homem, sendo capaz de amar mais do que ele. Rilke pressagia que um dia os homens serão derrotados por essa humanidade da mulher. Haverá um dia que se encontrarão a menina e a mulher e estas serão vistas não mais como uma mera oposição a um menino e a um homem, mas sim como algo independente, algo que não é complemento do homem, mas algo novo: o ser humano feminino. Quer algo mais profético do que isso?


Em sua lápide, pode-se ver no epitáfio do túmulo de Rilke, a seguinte frase que ele mesmo escreveu antes de morrer: Rose, oh reiner Widerspruch, Lust,/ Niemandes Schalaf zu zein unter soviel/Lidern" ("Rosa, ó pura contradição, alegria/De ser o sono de ninguém sob tantas/Pálpebras"). Ein prosit!!

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