sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

MÚSICA: Eternamente Metallica (ou algumas razões para gostar de Metal-anotações sobre um show).

Ontem fui assistir o show da banda californiana de heavy-metal Metallica. Já fui em vários, mas vários shows mesmo, contando desde a primeira (e inesquecível) vinda dos Stones ao Brasil, até shows do U2, Coldplay, New Order, ou quem você possa imaginar, constando no currículo um Rock'n Rio; mas eu nunca tinha ido num show do Metallica. Pra ser sincero, nunca tinha ido a um show de metal,entendendo-se por esse gênero musical bandas como Iron Maiden, AC/DC ou Black Sabbath, e gostei muito, mas muito mesmo!

Heavy-metal! Um estilo de música que já se consagrou dentre as mais tradicionais variantes do rock, e que tem milhões de seguidores em todo o mundo. É como uma religião ver aquele exército de garotos e garotas vestidos de preto, tatuados, cabelos grandes ou não, com correntes, braceletes, pulseiras, e sobretudo o logotipo de sua banda predileta estampada no corpo ou na camisa. Sobre esse gênero musical eu teria duas indicações: uma em livro, a excelente obra do historiador Paul Friedlander, intitulada Rock and Roll-uma história social; outra, no formato de DVD, no ótimo documentário do antropólogo Sam Dunn, chamado tão e simplesmente de Metal-uma jornada pelo mundo do heavy-metal. No livro de Friedlander ele aponta o discurso dos críticos do heavy-metal, que consideram esse estilo de  música muito unidimensional, artisticamente pobre, vazio e anormal. Dá até pra se aplicar Foucault na discussão sobre o heavy-metal, no momento em que a suposta "anormalidade" detectada nas músicas e na postura dos headbangers (literalmente os "bate-cabeça", aqueles que ficam batendo a cabeça pra frente nos shows, enquanto rola o som) ou metaleiros corresponde, na verdade, a mais um dos discursos de poder e tentativa de disciplinamento dos jovens. O metal começou como uma identidade de força, pois o som estava associado a vigor físico,a masculinidade e ao poder através do barulho, mas com o tempo foi revelando uma técnica própria, músicos virtuosos e um talento que chegou a ser reconhecido até por quem não curte esse tipo de música. É o caso do Metallica.

O Metallica foi a primeira banda de heavy-metal que no começo dos anos 90 ampliou seu público, massificando o estilo e conquistando um novo leque de fãs. Tudo começou com o antológico Black Album de 1991, que continha pérolas cantadas à exaustão e que até hoje são consideradas as músicas mais tocadas nas rádios do mundo, como Enter Sandman, Nothing Else Matters e Unforgiven. Pois é, com o Metallica o metal ganhou as rádios, deixou de ser a música de um gueto específico de aficcionados e ganhou o mundo, arrebatando uma legião de fãs e gerações. O Metallica tornou o heavy-metal pop! A história do Metallica está associada um pouco com a minha própria história de vida, e é por isso que reverencio a banda, reconheço o talento de seus componentes, curto o som e coleciono seus discos. Assim como todos os outros grupos que admiro(The Who, Led Zeppelin, Queen, todas as bandas dos anos 80, Nirvana, Smashing Pumpkins e por aí vai!), creio que um dos encantos do Metallica é ser uma banda que faz um metal cru, mas muitíssimo bem executado, sem firulas, mas com virtuosismo e precisão milimétricos. Os caras inventaram um estilo próprio, original, a partir da fusão de outros estilos de música até então estanques e isolados, sem contato entre si, pegando a fúria do punk de um Sex Pistols, a velocidade hardcore de um Motorhead, até uma levada de rock progressivo com solos de guitarra demorados, linhas rítmicas bem cadenciadas, além de letras vivamente  engajadas, quando não existenciais.

A história do grupo também é singular, a começar por sua formação, tendo como cabeça e cérebro da banda, o baixinho e irrequieto baterista Lars Ulich, um dinamarquês que imigrou para os Estados Unidos, e lá, com muitas ideias e cervejas na cabeça procurou, no começo dos anos 80, guris da mesma idade que quisessem fazer um som novo, sujo, mais pesado, diferente das bandas sofríveis de "metal-farofa" que pululavam naquele período (alguma menção crítica ao Bon Jovi daqueles tempos, nãoooooo, imagina, somente mera coincidência). Foi assim que Lars uniu-se a James Hetfield, seu alter-ego e coração da banda, que assumiu os vocais e a guitarra (numa espécie de parceria "Lennon & Mackartney do Metal"), completando a formação com o guitarrista virtuose Kirk Hammet e o baixista Cliff Burton. Este último merece um comentário especial, pois após o terceiro disco da banda, que os levou ao estrelato, Burton teve um fim trágico, quando o ônibus da banda durante uma turnê na Europa virou e o infeliz foi arremessado pela janela, caindo o ônibus por cima dele, matando-o instantaneamente, aos 24 anos de idade.

A trajetória do Metallica em seus 27 anos de existência foi pontuada por tragédias como essa, a saída de componentes com problemas com drogas e álcool, até uma "roubada histórica", quando o grupo se meteu a processar o Napster, o primeiro dos diversos sites de dowload de músicas em MP3, que pirateava gratuitamente pela internet as músicas da banda. Foi a maior mancada do grupo, tendo em vista que o Napster acabou, mas centenas, milhares de outros sites especializados em baixar gratuitamente música na rede pulularam na internet e preenchem o cyberespaço até hoje, graças à liberdade digital. Por causa desse episódio e pela mudança de sonoridade da banda na segunda metade dos anos noventa, o grupo foi acusado de traidor de seus fãs, de renegar suas raízes, e mesmo de ter se vendido ao sistema, como acontece com  milhares de outros artistas e músicos inebriados pela fama  Num roteiro típico de novela, o Metallica passou por altos e baixos, teve seu apogeu e decadência, e até o risco da banda terminar. A redenção veio só há pouco tempo, com o lançamento do último álbum Death Magnetic, quando o grupo retoma a sonoridade das antigas, os solos de guitarra longos, a velocidade incrível da bateria e do restante dos instrumentos, aliando peso e rapidez com carisma e técnica apurada. O clipe da canção The Day that Never Comes, que trata da Guerra no Iraque, e que deixo o vídeo à disposição aqui no blog demonstra isso.O Metallica campeão estava de volta, conquistando o topo das paradas e figurando por semanas como primeiro disco na listagem da respeitada revista Bilboard.

Pois é, aqueles guris  cabeludos, barulhentos e beberrões, que adoravam fazer algazarras em bares e hotéis, agora são austeros senhores calvos com seus quarenta e poucos anos, digníssimos pais de família, contentes por ainda estarem vivos e terem superado suas lutas internas, fazendo o que sabem melhor: música de qualidade. Vale a pena pra quem gosta assistir o documentário premiado Some Kind of Monster, que trata dos bastidores da gravação do penúltimo (e péssimo) álbum da banda, chamado Saint Anger. No filme é possível ver que o grupo escancara sua própria vida, falando de seus altos e baixos, lutando contra seus bichos internos, com direito a brigas, choros, abraços, reconciliações,  psícólogo e sessão de terapia de grupo e tudo. O documentário é bom para se entrar no universo pessoal de cada componente da banda, vivenciar suas angústias e processos internos. É comovente ver um Lars no seu cotidiano familiar, cuidando dos filhos com a preocupação de que eles nunca se sintam distantes dele, em virtude de ter convivido com o trauma de um pai ausente. James Hetfield é mostrado como um cara também em busca de sua redenção pessoal, na sua luta para se livrar do alcoolismo, a possibilidade de recomeçar a vida com a nova esposa, e a necessidade de resolver suas diferenças com o amigo de longa data, Lars. Kirk Hammet é o mais desencanado e nerd do grupo, como sua obsessão por filmes de faroeste e histórias em quadrinhos (inclusive, a abertura do show é pontuada pela trilha sonora do famoso western spaghetti de Sérgio Leone, com direito a um jovem Clint Eastwood no telão, ao som do belo clássico de Enio Morricone, The Ecstasy of Gold, do filme The Bad, the Evil and the Ugly). Por último, o novo baixista, Robert Trujillo, mais jovem que os demais, com seu corpanzil chicano de lutador de luta livre, que parece no palco do show um índio insano segurando um machado, ao dedilhar seu contrabaixo.

Gosto do metal porque é um tipo de som que não deixa meias-palavras: ou é oito ou oitenta. Heavy-metal não fica em cima do muro, não é som para "tucanos". Assim como minha personalidade, o metal pode explodir com toda sua força, potência, vibração, velocidade, peso, como também pode se modificar por inteiro, tornando-se um som pueril, meigo, melódico, plácido, como ao se escutar as duas partes da canção Master of Puppets da cultuada banda californiana a que me refiro. Sou um sujeito que não faz parte de tribos,eu transito entre tribos, e nesse sentido tive a oportunidade de conhecer e gostar de diversos estilos musicais e sonoridades diferentes (se não fosse essa minha "mobilidade", provavelmente não seria professor). É por isso que não sou metaleiro, nem indie, nem rocker, nem punk, nem clássico, nem new-wave, nem curtidor de pagode, mas posso ir de um The Smiths até Iron Maiden, escutar um Debussy, apaixonar-me ouvindo Chico Buarque ou me deleitar com um Chet Baker ou John Coltrane, mas quando quero escutar rock pesado, boto pra tocar o Metallica. I know, it's only rock'n roll, but I like it!

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