terça-feira, 12 de janeiro de 2010

REFLEXÃO: Quando a própria vida se torna uma tese.

Sou um estudante de doutorado, e nessa condição me permiti e tive a oportunidade de evoluir como pessoa, não tão e simplesmente por exercitar meu intelecto, como quem fortalece os neurônios como se estivesse tonificando os músculos, mas sim pela experiência de vida, pelas pessoas que pude conhecer, pelos ambientes que pude frequentar e sobretudo os diversos pontos de vista que pude ler ou escutar, vindo desde os mais renomados autores, até os seus mais obscuros seguidores. Vi também a empáfia do meio acadêmico, a arrogância de alguns senhores da verdade, a altivez corriqueira de quem se gaba de seus vários conhecimentos e publicações, mas isso não me assusta.

O que me assusta, ou, o que, ao menos, parece-me como o medo natural de quem se atreve a desbravar grandes aventuras, é a proximidade de minha defesa de tese, a necessidade de firmar os pés em solo sólido, no âmbito da movediça angústia situada em minha subjetividade, e que, se não me impede de produzir, ao menos dá aquele peculiar "friozinho na barriga", daquele que está prestes a dar um grande salto. Não se trata apenas de um salto acadêmico, com mais um título debaixo do braço, e o afago produzido no Ego com a expressão:"agora você é um doutor", mas também as implicações que se tem disso, sobretudo, implicações profissionais e financeiras, tendo em vista que ao ser doutor, você redefine sua profissão, assim como o estudante ao sair da graduação e receber seu diploma sabe o grande mundo de obstáculos e situações que terá que enfrentar até obter a devida adequação profissional. Nem todos conseguem. No meio do caminho, caem durante seu próprio salto. Uns se levantam e tentam de novo, outros, amedontrados, nunca mais vão querer pular.

Viver para Heidegger deveria ser visto como um salto, sempre um eterno acontecimento, uma "vivência primordial", um "acontecimento-apropriação". Traímos a nós próprios quando relativizamos a grandiosidade do ineditismo das experiências humanas, e queremos a tudo conduzir, positivisticamente influenciar, como se o mundo fosse uma mera relação de causa e efeito. Conheço muita gente que pensa assim! Quando estreamos nossa liberdade, ou a possibilidade de vivermos sob a responsabilidade de nossas escolhas, mesmo que a escolha seja pelo imprevisível, somos taxados de loucos, bipolares, irresponsáveis, imprudentes ou até egoístas. Nosso mundinho formalizado e funcionalista (sobretudo o mundo dos juristas) nos obriga a um cotidiano em que a comunidade jurídica ideal é aquela formada por burocratas e detentores de autoridade. A senha para a cidadania em países de modernidade tardia como o Brasil, ainda é um bom emprego público. No artigo que escrevi há um ano sobre o frenesi pelos concursos, estabeleci essa relação que se vive hoje nos cursinhos preparatórios lotados de candidatos, que se esbarram e se acotovelam nos banquinhos da escola, para conseguir a tão sonhada estabilidade, proporcionada por um cargo público. No direito, esta cultura é disseminada.

Estabilidade. Sim. Penso na estabilidade certamente, e não sou tão pirado a ponto de não saber a falta que faz um dinheirinho contado, pingando na conta bancária todo final de mês, capaz de dar vazão a nosso luxo, nosso consumismo e nossos prazeres mundanos. Sim, claro! Gosto de viver bem, comer bem, e, sobretudo, ler bem! Para isso necessito de grana, é claro! Mas me pergunto se a estabilidade que procuramos ao nos adequar no modelo societário da vida de um funcionário público, segundo o paradigma legal do direito administrativo, ao menos eticamente nos leva de verdade a uma estabilidade psíquica, uma estabilidade espiritual, uma tranquilidade de alma, como pensaria Aristóteles na Ética a Nicômaco, ao falar da virtude da temperança. No caminho inverso traçado pelos meus pais para minha vida, não obstante ter abocanhado o troféu dos privilegiados com um cargo público, ao mesmo tempo sempre procurei singrar horizontes diferentes, os horizontes da academia, os horizontes da tese.

"O homem é produto de sua liberdade" diria Sartre, e dessa liberdade podemos colher frutos tão acolhedores, quanto desalentadores, isso é verdade. Não há garantia de nada na insegurança de nossas escolhas. O futuro é incerto, assim como nossas decisões futuras também. Isso me faz lembrar uma passagem bíblica em Eclesiastes, que diz: "prepara-te para os dias ruins e aproveita os dias bons, pois somente a Deus cabe saber de teu futuro". O futuro a Deus pertence, para quem acredita, e é por isso que o futuro é tão magnético, tão misterioso, tão atraente, tão hipnotizante. Por não sabermos de nosso futuro, para uns, isso é motivo de cautela, de preparação, de vigilância redobrada, e assim, qualquer caminho que opte pelo mero sinal de instabilidade, pode ser visto como um gesto de loucura, uma porralouquice, ou como diz meu velho pai: "formiga que quer se perder, cria asas". Não estamos preparados para a insegurança do futuro e uma certa ética protestante calvinista nos chama a ser diligentes, a sempre não esquecer do passado para projetar o futuro, a poupar, a guardar víveres para a incerta jornada dos tempos vindouros. Tudo isso é válido, eu não recrimino, mas não deixo de observar que, em certas opções de vida, muitas vezes pessoas como eu deixam de abraçar alternativas de projetos que realmente sonham (pois me permito sonhar), tão e simplesmente por vivermos uma realidade social de fome e desemprego tão medonha, que o instinto de sobrevivência pesa mais que os ideais. E nessa hora, de estômago vazio deixamos as ideias de lado, ou a menos os postergamos por um bom período de tempo. Até quando??

Entendo ser o meu projeto de vida uma verdadeira tese, onde eu mesmo acabei por fincar as hipóteses, colocando-a agora à prova, diante da banca examinadora do destino. Não tenho a menor ideia para onde irei e do que farei no futuro, e nem até quando estarei vivo, e por isso que essa incerteza me deixa mais confiante quanto ao meu agora. Sei do que vivo, sinto e cheiro, e do que já vivi; mas como diria Rubem Alves, encontro-me ainda aberto a novos odores, novos sabores, novos jeitos de amar, sofrer e observar a vida. Talvez seja por isso que minha trajetória de nômade tenha sido tão oscilante, mas ao mesmo tempo fascinante, entre períodos de maior estabilidade num local, e de menor, dependendo das opções que fiz em minha trajetória. Nesse sentido amores vieram e partiram, novos amigos chegaram, outros antigos desapareceram e outros mais antigos ainda foram reencontrados. Apesar de não ser, cronologicamente, um homem velho, já aprendi a contagem e as respostas do tempo, transformando-o também num veho amigo. Por termos essa característica de sermos temporais, é que nós humanos paramos às vezes, como faço agora, para estabelecer minha humilde reflexão com todos aqueles que queiram compartilhar. O tempo ajuda a maturar as teses, o tempo oferece os subsídios para que possamos remontar nossa própria história. Que venham os desafios! Que venham as indefinições!Mas que, a partir delas, venham as escolhas! Um grande abraço a todos!

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