domingo, 18 de janeiro de 2009

"Benjamin Button", nascimento, velhice e morte durante a passagem do tempo

Como bom cinéfilo sem carteirinha, fui recentemente com meus escassos trocados assistir numa sessão de sexta-feira o mais recente filme de Brad Pitt, em parceria com o diretor David Fincher, ( o mesmo que o filmou em "Seven", pra quem se recorda), chamado " O Curioso Caso de Benjamin Button". Existem filmes para se assistir sozinho, em pleno conluio existencial consigo próprio, e outros em que necessariamente o convívio com a alteridade é necessária (leia-se, levar alguém a tiracolo que pode ou não gostar do filme que você está vendo). No caso deste filme que assisti, acredito que a primeira opção foi a mais acertada, pois a sétima arte tem esse fascínio de não apenas entreter ou se entretém auxiliar na reflexão individual, ao mesmo tempo mexendo com pensamentos e sentimentos de um expectador solitário, compenetrado em suas próprias reflexões numa sala de cinema. E foi isso que pude ter ao ver a película que traz ainda o talento e a beleza da atriz Cate Blanchett.
Pra quem leu a sinopse ou já viu o filme, a estória trata dos efeitos da passagem do tempo e qual sabedoria podemos extrair disso. Ver um personagem que nasce fisicamente velho e rejuvenesce com a passagem do tempo bem podia ser roteiro de ficção científica, ou, para os mais ignorantes que não entendem de cinema, ser "tudo mentira". Porém, é na estória adaptada de um conto de Scott Fitzgerald que encontramos uma das mais sombrias e manjadas lições da vida: um dia tudo passa e os outros se vão, inclusive você!
Alguns críticos de cinema trataram do filme como uma fábula sobre a impossibilidade do amor eterno. Eu iria mais longe ou trataria de outro enfoque, dizendo que na verdade esse amor tem que se deparar continuamente com a perda, inclusive com a perda de sua própria juventude. Poderia citar aqui o queo filósofo francês Andre Comte Sponville empregou no seu estudo filosófico sobre o amor, em seu "Pequeno Tratado das Grandes Virtudes", falando da sabedoria de Sócrates ao definir a paixão como perda passageira e o amor como permanência. Sim, pois o amor permanece, mesmo que a perda se avizinhe, e é isso que acontece quando a personagem Deise (vivida por Cate Blanchett) resigna-se já no fim da vida a cuidar do homem que ela tanto amou por anos, relegado à condição de uma criança com a mente de um velho. A velhice e a iminência da morte são vistos aqui não como uma experiência solitária, mas sim como uma vivência compartilhada. Recordo-me, nesse sentido, do livro que Norbert Elias escreveu em sua velhice, já no fim da vida, chamado "A solidão dos moribundos", onde ele explica antropologicamente que a sociedade moderna com sua técnica, seu progresso e sua ciência avançada, acaba por gerar também um consumismo da juventude, com novos métodos de rejuvenescimento, cirurgias plásticas, dietas, medicamentos, cosméticos, mas ao final, só resta ao velho moribundo o esquecimento entre tubos e mais tubos de oxigênio, na solidão de um quarto de hospital. A proximidade do fim vista na estória do filme, deixando-nos a par na narrativa das aventuras e desventuras de Benjamin em sua jornada de nascimento, vida e morte, é conduzida por uma Deise nonagenária e moribunda num leito de hospital, ao lado de sua filha. O que só demonstra a tese contrária de que a velhice e a morte podem sim ser experiências dignas, e não algo que não se possa contar ou se afastar as crianças. Não pude deixar de me lembrar ao ver na tela do cinema aquela personagem debilitada, com seus olhos se apagando ante o passar do tempo, o mesmo olhar em minha avó, morta recentemente, também com seus noventa e poucos anos, acometida de dores, entorpecida de medicamentos, com sua mente apagada e esquecida, comprometida pelo mal de Alzeheimer, sob o olhar resignado de seus parentes que ao olhar para aquela anciã, perguntavam-se se antes do fim, ela ainda conseguia reconhecer, como de um último olhar, a prole e a descendência que ela gerou durante sua longa jornada de vida.
Nascimento, vida em crescimento, velhice e morte não são necessariamente um ciclo vivido a partir da juventude, como demonstra a fábula filmada por David Fincher. O que importa durante esse ciclo são quais as lições que podemos tirar disso e, sobretudo, como lidar com a iminência do inevitável. O personagem Benjamin( de Brad Pitt) passa sua infância e adolescência vivendo num asilo de idosos, lugar natural para uma criança que nasceu dentro do corpo de um ancião. Entretanto, é nesse lugar onde a morte espreita a todo momento, naturalmente em função da idade avançada de seus moradores, é que na transitoriedade da relação entre vivos que logo vão partir, que Benjamin tem sua jornada de auto-conhecimento e amadurecimento. Afinal, porque ficamos velhos e morremos? Ele pergunta numa passagem do filme. Eis que a resposta que recebe diz que é justamente por isso que damos importância às pessoas que vivem conosco, pois se elas não partissem, nós nunca saberíamos o quanto elas são importantes para nós.

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