A revista Veja, em recente edição publicada essa semana, alfineta o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra já em sua capa, com a seguinte manchete: "MST-25 anos de crimes e impunidade". A reportagem de cinco páginas atesta o óbvio "lulante"(perdoem o trocadilho), acerca das controvérsias e críticas sobre a atuação desse polêmico movimento social. Não é de hoje que parte da mídia qualifica o movimento como um grupo terrorista ou uma quadrilha ( vide a UDR que já dizia isso desde o seu nascedouro), mas a novidade que os senhores da Veja querem nos mostrar é que o grupo é hoje, comprovadamente criminoso.
Certa ocasião, em minhas perambulações universitárias pelo sul do país, deparei-me com uma mestranda em Direito, militante das causas sociais que reagiu com indignação e uma certa arrogância quando eu disse a ela num bate-papo que eu comprava e lia a VEJA. Sim! Para alegria da Editora Abril e de seus funcionários, saibam que eu contribuo para as contas da revista e a consequente folha de pagamento de pessoal, depositando meus R$ 8,40 no caixinha da empresa, ao menos quinzenalmente. Essa estudante me disse na ocasião que era inteligente e que pessoas inteligentes não liam aquela porcaria chamada Veja. Sim, num instante perdi a razão e a paquera, pelo simples fato de ter em meu acervo de periódicos a digníssima publicação da família Civita. Ora, vale bem lembrar que como leitor voraz e compulsivo, exercito meus vícios consumistas adquirindo o mais variado repertório de publicações em língua nacional ou estrangeira. Poderia ter dito a ela que também era leitor da Bravo (outra publicação da Abril), ou da Carta Capital, ou ainda da militante e aguerrida Caros Amigos, como também da Época, da Isto É, da Rolling Stone Brasil, da Newsweek e até de bula de remédio! Só não vou comprar a CARAS, aí que me perdoem meus caros leitores dessa revista, mas aí já é demais!! O exercício masoquista de ver ricos e famosos comendo, bebendo, viajando a lugares magnifícos, namorando, e morando em casas luxuosas, enquanto estou em casa liso, pra mim não dá certo!
Tenho sim um especial apreço pela revista e curiosidade sobre suas reportagens não porque seja idólatra ou fiel assinante da Editora Abril e nem o idiota que me fez supor a adorável jovem citada, que repudiou meu gosto literário. Gosto da Veja porque gosto de ver como pensam e como resmungam aqueles que pensam intensamente o contrário de mim. É muito bom poder conhecer seus inimigos, nem que sejam apenas seus inimigos verbais. Assim, me dá gosto poder ler os caminhos editoriais ideologicamente bem traçados pelo senhor Mário Sabino (redator-chefe) da Revista, assim como os deliciosos textos de Reinaldo de Azevedo, as elucubrações do hilariante Diogo Mainardi, assim como a crítica cinematográfica da cinéfila de botequim Isabela Boscov. Interessantes textos, pois é interessante ver o quanto é divertido, curioso e engraçado ver a extensão do mau gosto. Como um tele-espectador de um programa "Pânico na TV", fico percebendo até que ponto a galhofa, a canastrice, o pieguismo de ideias, o latido neoliberal e a pomposa arrogância dos senhores prostrados à beira da Marginal Pinheiros pode atingir os limites do inconcebível, em sua crítica engenhosamente dantesca e bem trabalhada, no sentido de desmoralizar todo e qualquer pensamento humanista ou humanizante, socialista, favorável à democracia e aos movimentos sociais, "politicamente correto" como queiram, ou ao menos comprometido com a transformação social. Esse pensamento é dos partidários do abalo da mesmice, da crítica da idiotice ou da acomodação da classe média ambiciosa e resmungona, um pensamento defensor de direitos sociais constitucionalmente assegurados e garantidos.
Vão me falar que posso estar sendo contraditório quanto à defesa da liberdade de expressão ao criticar a Revista Veja neste comentário, antes de introduzir aqueles que leem estas linhas, o que verdadeiramente quero tratar quanto ao assunto no título. Porém, é justamente em prol dessa liberdade e sendo um profundo defensor da permanência de publicações como essa, que teço minhas críticas no sentido propriamente de ingressar no assunto deste texto, a fim de que os queridos amigos leitores do blog possam entender melhor minha formulação.
Pois bem, Veja espinafra o MST, e na visão de seus articulistas ( que reproduz naturalmente boa parte do que pensam seus ávidos leitores), os militantes desse grupo já deviam todos estar na cadeia há muito tempo. É importante salientar que não assumo aqui qualquer postura de apaixonado defensor do movimento e nem vou aqui tecer qualquer crítica ingênua. Já disse em outros comentários que, a meu ver, as ideologias também envelhecem, e é remando no contrafluxo desse maré ideológica que considero que faltou a Veja apenas vestir a carapuça neoliberal que a revista já ostenta há muito tempo. Quem não se lembra dos alardes golpistas praticados pela revista quando do escândalo do Mensalão? Na época Veja, assim como o insípido movimento de socialites paulistas chamado "CANSEI" apressaram-se em entoar o coro do "Fora Lula"! O quanto foi engraçado, e por isso um dos motivos de gostar de ler a revista que me traz divertimento, na hilária e impagável assertiva dos boquiabertos articulistas da Veja, afirmando em antológica frase que: "o povo venceu a opinião pública", quando Lula alcançou fácil sua reeleição, com altíssimos e históricos índices de aprovação, e tornou-se o governante mais bem avaliado das Américas, apesar da agressiva campanha de VEJA. Pois é, resta saber se a opinião pública a que se referiram os nobres senhores da revista é formada por altos executivos paulistas de empresas privadas, privilegiados economicamente em seus cercados e protegidos condomínios de luxo, com aversão a pobres, pretos e nordestinos, e quando não assíduos frequentadores, com suas digníssimas esposas(os) e filhos, dos cintilantes shopping centers da capital paulista. Mais, resta saber se essa opinião pública está sediada no bairro de Alto dos Pinheiros, onde se localiza quase que em sua maioria a cúpula de todo o PSDB paulista (por coincidência, pelo que eu saiba, onde mora a Regina Duarte também).
Como em Lula não deu pra bater, o novo-velho "boi de piranha" da mídia sebosa agora é o MST. Como se ninguém soubesse que vários militantes do movimento usam armas. Como se ninguém soubesse do tempo em que seus integrantes levavam chumbo direto dos latinfundiários, com comunidades inteiras sendo recebidas à bala pela polícia, como se fossem a pobre coitada população civil de palestinos em Gaza, mediante a bárbara atuação canhestra e genocida do exército israelense. Ora, se seus integrantes cometem crimes, que sejam enquadrados no Código Penal, presos, processados e fiquem na cadeia! O que não dá pra engolir é a mesmice do papo de donzela indignada da VEJA de que, mediante a aquisição pela reportagem da revista de cadernos com manual de guerrilha, o MST possa agora ser qualificado tão somente como um grupo terrorista. Que desmoralização pra Al Quaeda se o MST virar terrorista! Que agressão ao léxico linguístico e a reforma ortográfica a conceituação que os repórteres da Veja estão dando ao que seja terrorismo.Vai ver pensam que seus leitores são burros, e ainda por cima querem confirmar o que aquela estudante universitária disse pra mim quando eu falei pra ela que lia essa revista. Vai ver ela é quem tem razão! Sou idiota mesmo!
A reportagem de Veja diz que os militantes do MST utilizam cartilhas de formação maoísta, ensinando inclusive as crianças nos assentamentos como montar guarda, fabricação de bombas e táticas de guerrilha. Ora, se for caso de corrupção de menores, cadeia para seus autores e pronto! Agora se o fato é que o movimento inteiro é criminoso por ter uma rede interna de ensino bitolada, pautada num esquerdismo tosco, aí de bitolação estamos cheios no país inteiro e isso não é obra só do MST. Posso dizer, por exemplo, que é bitolado o ensino religioso em muitas igrejas de linha conservadora e fundamentalista, que entendem que educação sexual é ensinar a crianças e adolescentes que foram gerados através de uma abençoada cegonha.
Os dirigentes do MST são acusados pela revista de manter confinados seus integrantes, e não permitir, sequer a saída temporária deles para a realização de cirurgias, como descreve um dos cadernos apreendidos, pois a militante só poderia sair naquele caso com autorização da coordenação. Ué? Em muitas empresas privadas, senão todas, onde predomina o capitalismo selvagem, o pobre coitado ou coitada saiu da empresa pra cuidar de filho doente, dançou, pois vai entrar outro no lugar. Surpreende-me a denúncia de Veja, uma vez que se eles entrarem lá no bairro do Brás em São Paulo, vão perceber que ainda tem muito trabalhador e trabalhadora sem poder sair durante o expediente, sob pena de ser demitido, assim como no MST, há o expediente de desligar alguém do grupo caso se ausente por muito tempo do movimento. Pode ser questionável a prática, mas garanto que criminosa não é!
A matéria da revista ainda diz que o MST tem entre seus integrantes indivíduos com passagem pela polícia, ex-integrantes das FARC, muitos desvalidos, alguns aproveitadores e bandidos de todo tipo. Ora, se eu fosse identificar em várias organizações, empresas, associações que se espalham por aí, quantos dos seus integrantes são fichados criminalmente ou negativados no SPC, eu teria que prender parte do Congressso Nacional, fechar alguns templos de igrejas, demitir metade do funcionalismo público e boa parte dos integrantes das polícias e, sobretudo, meter na cadeia o Dado Dolabella, já que o ator global de gênio explosivo foi acusado pela imprensa e pela Justiça de agredir a ex-namorada Luana Piovani e a empregada dela, e, naturalmente, não terá mais nas novelas uma ficha criminal limpa.
Mas, vamos lá! Se eu comparar o MST as FARC, como há anos tenta provar VEJA, eu terei que demonstrar que o grupo quer tomar alguma parte do território nacional ( talvez o "Bico do Papagaio" ou a "Serra das Araras"), terei que demonstrar que os caras abertamente recusam qualquer caminho democrático nos termos de uma institucionalidade (como, por exemplo: eleições), e serem abertamente defensores da queda do governo e apolegetas de uma revolução. VEJA acusa o governo de ser leniente com o MST, ou até mesmo seu cúmplice. E mais uma vez a revista não atesta qualquer novidade ao dizer que o movimento nasceu com boa parte de colaboração da legenda do presidente Lula. Inclusive, deputados gaúchos do partido são citados como principais incentivadores e quem sabe, protetores do movimento, numa acusação que pode até render processo de calúnia, uma vez que o texto da reportagem nos faz entender que os citados parlamentares estariam acobertando supostas ações criminosas. Daí é que percebo a principal contradição no texto da reportagem. Se o governo é cúmplice do movimento, como é que o movimento pode ser terrorista se age contra um Estado que o protege? Seria no mínimo um exercício de burrice, ou estupenda loucura esquizofrênica, o movimento como um todo se insurgir contra um governo que, efetivamente, trabalha uma política de assentamentos muito mais eficaz que o governo anterior, e que auxilia boa parte das famílias que compõem a organização; pois são beneficiadas pelo bolsa-família do governo, o que minimizaria qualquer jargão anti-governista. Afinal, não se cospe no prato que se come, não é?!
Fico me perguntando se não foi por falta de pauta ou do que fazer, que os repórteres de VEJA voltaram com a ladainha de criminalizar o MST.
O problema de Veja é que a revista faz aquele típico jornalismo marrom no estilo "Notícias Populares", e há muito abandonou aquela linha séria e comprometida com a democracia e transformação social, nos tempos do saudoso Victor Civita (este sim um homem digno, de respeito e boa memória, que nos tempos da ditadura deu uma linha combativa e compromissária na Revista, sob cerco da censura), prosseguindo o caminho jornalístico traçado pela antiga Revista Realidade, a antecessora de Veja. Com a democracia, a liberdade de expressão e o advento da era FHC, a revista preferiu mudar de rumos, assumindo quase que capciosamente um discurso claramente neoliberal e anti-petista. Não que eu faça aqui um discurso purista, salvacionista do PT, até porque é uma legenda que admiro, mas repleta de grandes erros e elementares equívocos.
Veja tornou-se ruim não porque tenha guinado para uma posição ideológica definida, mas sim porque não assumiu publicamente essa opção. Em outros países democráticos, principalmente nos Estados Unidos, os grandes meios de comunicação e as grandes publicações assumem claramente suas opções e preferências políticas, indicando, inclusive em seus editoriais, e recomendando aos seus leitores, a opção por aquele ou outro candidato. Veja faria bem à democracia no Brasil se assumisse de vez que é uma revista assumidamente tucana, já que já faz na prática uma linha oposicionista. Assim como a Carta Capital é governista da capa à contra-capa, e a Caros Amigos às vezes é quase um boletim semanal de uma cartilha do PSOL ou do PSTU, Veja também teria que admitir suas posições ideológicas. Chega daquele tempo que nego de direita e reaçonário era aquele que ficava calado num canto, nos botequins universitários, sem abrir uma só palavra e nem se manifestar, sob pena de ser linchado pela torcida adversária, formada por aqueles barbudos maconheiros, pôrra-loucas petistas, de sandálias de dedo, que só falavam em revolução! Espero algum dia arrancar uma confissão dos responsáveis pela Veja! Quem sabe num belo e ensolarado dia eu não assista a um articulista da revista dizer orgulhoso a plenos pulmões: "Sim, nós somos neoliberais!"; Sim, nós somos tucanos! Serra pra Presidente!"; "OK! São Paulo é o centro do universo! Nordestinos, go home!" Dos articulistas que citei da revista, cito com admiração o André Petry. Ao menos aquele é um liberal clássico de carteirinha, elegante e assumido nas suas definições e comentários sobre economia e política. Já o Reinaldo de Azevedo também merece menção, por ser ao menos um direitaço assumido e convicto anti-petista ( que pra ele são o alter-ego do demônio). Desencana VEJA!! Saí do armário VEJA! VEJA o que você se tornou! Provem que não sou idiota! Talvez assim eu até recomende aos amigos a assinatura da revista.
Um blog em forma de almanaque, com comentários sobre cultura, política, economia, esporte, direito, história, religião, quadrinhos, a vida do próximo, o que você desejar, ou que os seus olhos se permitam a ler e comentar, contribuindo para as reflexões desse humilde missivista, neófito nos mares internaúticos, em meio a esta paranoia moderna.
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