sábado, 31 de janeiro de 2009

MORRE O MESTRE, FICA A LENDA!

Foi com pesar e profundo respeito que soube da morte do mestre das artes marciais Helio Gracie, aos 95 anos, um dos responsáveis pela recriação e modernização do jiu-jítsu. Pra quem não entende nada de artes marciais ou só se recorda disso lembrando dos filmes de Karatê Kid na década de 80, antes de iniciar meu comentário, cabe dizer que sou sim admirador das artes marciais, especialmente da modalidade de luta desenvolvida pela família Gracie.

Quem assistiu ou quer assistir ao filme Red Belt ("Cinturão Vermelho"), dirigido pelo cineasta e escritor David Mamet (ele também um aficcionado por esse esporte), poderá perceber que fora a beleza de Alice Braga e o esforço de Rodrigo Santoro num elenco internacional, o grande cerne do filme é sobre o espírito dessa arte marcial chamada jiu-jítsu. O que há de tão fascinante nessa luta? Por que mais e mais academias abrem e mais e mais pessoas se dedicam a estudar e praticar esse esporte? Como o jiu-jítsu tornou-se um esporte milionário, a ponto de bater em audiência as antigas lutas de boxe, criando o ultimate fighting e se tornando um dos eventos televisionados mais assistidos no planeta? Será que o jiu-jítsu foi responsável pelo aumento da violência das ruas e pela formação das gangues de pit-boys?

A resposta encontra-se no começo do século XX, quando o brasileiro Carlos Gracie teve contato pela primeira vez na década de vinte com Mitsuo Maeda Koma ( o legendário conde Koma), campeão japonês emigrado para o Brasil. A partir dali iniciou-se uma grande amizade entre mestre e discípulo, e Carlos, assim como seu irmão mais novo Hélio, garotos franzinos e baixinhos, aprenderam a "Arte Suave" (jiu-jítsu em japonês), introduzindo novas técnicas e fundamentos, até transformar a luta numa modalidade esportiva totalmente nova, quase que 100% nacional. Daí, surgir a expressão utilizada hoje nos dicionários sobre esporte, de uma luta chamada brazilian Jiu-Jítsu ou estilo Gracie de jiu-jítsu.

A luta não tem propriamente suas origens no Japão, mas sim, segundo alguns autores, nos distantes rincões da India no período medieval, onde monges budistas criaram uma modalidade de luta baseada na defesa, que não fosse mortal e nem causasse danos ao adversário. Essa é a principal essência do jiu-jítsu. Uma arte de defesa, uma modalidade de luta para os subjugados e oprimidos. Tal prática fez sucesso no Japão feudal, pois possibilitou aos samurais desenvolverem uma sucessão de golpes e processos, que permitiam a um homem desarmado se defender de vários adversários armados ou não, com chance de vitória. Uma luta que não tinha por objetivo liquidar, mas sim neutralizar, imobilizar seu adversário a fim de que ele não mais ataque. Não é à toa que o jiu-jítsu passou a ser utilizado como técnica de defesa pessoal e acabou por se adotado por todos os cursos de formação policial e militar do mundo, no sentido de conter e neutralizar agressões, sem necessitar utilizar uma via letal. Na verdade o jiu-jítsu é empregado para conter a violência e não fomentá-la. Foi isso que impulsionou e motivou os irmãos Gracie por toda vida, criando uma linhagem de autênticos lutadores.

Hélio Gracie, em seus últimos anos de vida, foi bastante crítico ao que fizeram com o legado dele e do irmão com a mercantilização do esporte. Para ele, o jiu-jítsu tinha sido criado para dar chance aos mais fracos e oprimidos de enfrentarem os mais fortes, pesados e poderosos e não uma máquina de fazer dinheiro. De fato, ao se assistir uma luta de jiu-jítsu, percebe-se que tamanho e peso faz pouca diferença. Qualquer moleque franzino ou uma moça frágil podem derrubar um brutamontes, sabendo apenas algumas técnicas desenvolvidas numa luta de profunda sutileza. Como um xadrez da luta corporal, a riqueza do jiu-jítsu é justamente trabalhar uma harmonia mental e tranquilidade que permita ao lutador estudar o adversário, até empregar o melhor golpe que o imobilize em definitivo, utilizando-se de sua própria força e violência para derrotá-lo. Ficou para história a luta ocorrida em 1955, em pleno Maracanãzinho, quando Gracie, um baixinho fracote de 63 quilos, enfrentou por 3 horas e 45 minutos o japonês Masahiko Kimura, de cem quilos. Isso mesmo! Três horas e meia de luta, que só terminou quando Gracie, exausto, por descuido teve o braço quebrado.

Para o finado Gracie, o que prejudicou o esporte foi a introdução do capitalismo selvagem, que transformou a luta numa competição com regras específicas, duração limitada e privilégios aos mais fortes e pesados. Ou seja, tudo que ía na direção contrária do que pregava o mestre brasileiro. Em uma passagem brilhante do filme de Mamet, o personagem principal do filme, um professor de academia chamado Mike Terry (interpretado por Chiwetel Ejiofor), é perguntado, ao se esquivar de participar de lutas pagas, se ele ensinava seus alunos de jiu-jítsu a lutar. Eis que ele responde, bem dentro da filosofia do esporte: " eu não os ensino a lutar, os ensino a vencer!". De fato, o autêntico lutador de jiu-jítsu, que entende qual a mensagem que o esporte quer passar, é avesso à competições que visem lucro e desenvolve a luta muito mais como uma forma de aprimorar a mente e o corpo, e propiciar sua defesa diante de uma situação de violência ou agressão não justificada, tornando oprimidos vencedores. Percebe-se, portanto, que o jiu-jítsu em sua filosofia tem fortes traços de religiosidade, que poderiam muito bem terem sido extraídas do budismo, e que também podem ser interpretadas pelo cristianismo. Ao invés de promover a violência, na verdade o jiu-jítsu é muito mais um instrumento da paz e de promoção da justiça, quando aqueles que são agredidos reagem, imobilizando seus agressores.

Nesse sentido, a legião de pitboys, garotões bombados das academias, que se reunem em gangues tão somente para causar confusão em festas e boates, não tem absolutamente nada haver com os princípios do jiu-jítsu ou os seguidores da família Grace. Talvez como produto dessa mercantilização do esporte, esses rapazes são tão somente meninos mimados e frustrados que se impressionaram com as lutas vistas na televisão, e passam a promover agitações e pancadarias tão somente para aparecer. Sabe-se que o jiu-jítsu, como se trata de uma arte de defesa, nunca inicia uma luta, e, na verdade, só pode ser empregado após uma reação a uma provocação. Assim, os marmanjos valentões que criam confusões nas ruas, tem que sair nos lugares provocando seus desafetos, para que então possam, de forma vil e criminosa, deturpar todos os ensinamentos do velho mestre Koma e dos irmãos Gracie, utilizando-se de golpes de jiu-jítsu para promover a violência e não o contrário.

Mas, fora a deformação de toda grande arte, assim como as tragédias pessoais que abalaram a família Gracie ( a última o falecimento de Ryan, neto de Carlos, campeão panamericando de jiu-jítsu em 1997, por envolvimento com drogas), esse clã de lutadores continua agora sua jornada sem a figura de seu último patriarca, com a obrigação de perpetuar o legado de um mito. O sobrenome Gracie já ficou registrado indelevelmente na história das artes marciais, resta saber se seus pupilos manterão o respeito e a filosofia budista que sempre inspirou esse belo esporte. Descanse em paz mestre Gracie!

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